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falhado”

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Bruno Reynaud de Sousa2

As diferentes posições académicas sobre a problemática do “Estado falha- do” têm pelo menos um ponto em comum3: adotam como referência, sobretudo, Estados do continente africano enquadráveis na noção de países em desenvolvi- mento ou pertencentes ao chamado “Terceiro Mundo” – Estados qualificados como “Estados frágeis”, Estados em “situação de fragilidade”, ou, mais simples e directamente, Estados “falhados”.

No que ao conceito de Estado respeita, e na senda do entendimento de Wladimir Brito afigura-se como certo que o Estado “não pode ser visto exclu- sivamente como um fenómeno jurídico, mas sim como uma superestrutura ju- rídico-política onde o poder se organiza em aparelhos repressivos e ideológicos através dos quais é exercido com o objectivo de assegurar a coesão da unidade de uma dada formação social.”4.

1 A presente comunicação tem por base diferentes partes da nossa tese de doutoramento intitulada “A recuperação do Estado ‘falhado’, uma análise de Direito Internacional e de Relações Interna- cionais”, inédita à data e apresentada em janeiro de 2014 para obtenção do grau de Doutor em Ciências Jurídico-Políticas na Escola de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa, cuja defesa em provas públicas ocorreu no dia 11 de fevereiro de 2015 no Centro Regional do Porto da mesma Universidade.

2 Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.

3 Para maiores desenvolvimentos, v. Bruno Reynaud de SOUSA (janeiro de 2014), “A recuperação do Estado ‘falhado’, uma análise de Direito Internacional e de Relações Internacionais” (tese de doutoramento). Porto, ed. policopiada, pp. 146 e ss.

Alguns de entre os Estados frequentemente associados à problemática do “Estado falhado” confrontaram-se, durante o respectivo processo de formação, com dificuldades decorrentes do período colonial, agravadas pelo contexto da guerra fria e de “afrontamento dos blocos”, algo que comtribuiu para que se pos- sa concluir que, Estados houve, não lograram completar os respetivos processos de construção, de consolidação e de modernização.

Cumpre referir, de modo resumido, que à circunstância do “Estado falha- do” é associada uma realidade factual caracterizada, em termos gerais, quer pela implosão do monopólio do Estado sobre o exercício do poder, quer pela genera- lização da violência privada no território do Estado, com a força a ser usada sem restrições por actores não-estaduais, se bem que sem correspondência exacta com um cenário de guerra civil.

Por um lado, de acordo com os autores que aferem o “fracasso” do Estado em ordem à capacidade deste para o desempenho das respetivas tarefas funda- mentais, o “Estado falhado” será aquele Estado que evidenciar uma incapacidade para “distribuir” ou “disponibilizar” às populações os chamados “bens públicos” dentro das fronteiras do seu território.

Por outro lado, se o ponto de partida for uma conceção do Estado como em ordem à sua capacidade para o exercício do monopólio do uso da força den- tro das fronteiras do respetivo território, as conclusões irão no sentido de que o “Estado falhado” traduzirá um contexto em que as estruturas estaduais, através das quais o poder de autoridade é exercido, estão em rutura, seja esta parcial ou total. Em alternativa, colocando a ênfase na vigência do Estado de Direito, o “fra- casso do Estado” será a circunstância em que os órgãos de soberania do Estado se tornam total ou parcialmente incapazes de exercer os seus poderes, por efeito de uma desagregação sistémica.

Com efeito, e procurando adoptar uma posição de equilíbrio, a “ausência de governo efectivo”5 afigura-se como um critério operacional adequado a aferir em que medida se poderá considerar um Estado como “Estado falhado”.

Note-se, em bom rigor, a existência de elementos conceptuais recorrentes na doutrina que se refere ao “Estado falhado”. Desde logo, resulta evidente a na- tureza intra-estadual desta problemática, enquanto vicissitude caracterizada pela dissolução total da ordem interna do Estado, que, por conseguinte, é mais pro- funda do que um fenómeno de fragmentação do poder do Estado no decurso de golpe político interno, ou em consequência directa de um conflito interno, ou daquilo que possa englobar-se na expressão “pressões externas”.

5 Cf. Daniel THÜRER, “Der Wegfall Effektiver Staatsgewalt, “The Failed State”,” in Der Wegfall Effektiver Staatsgewalt, “The Failed State” - Referate Und Thesen Von Daniel Thürer, Matthias Her- degen, Gerhard Hohloch, Mit Diskussion, Heidelberg, C. F. Müller, 1996.

Questões de Responsabilidade Internacional

Já no que respeita à dimensão funcional do Estado, o “Estado falhado” resulta como caracterizado por uma ausência de interlocutores capazes de asse- gurar uma representação externa. Com referência à representação diplomática, a legitimidade dos agentes do Estado manter-se-á, se bem que se poderá dizer que na prática os poderes de representação tenderão como que a dissolver-se por força do contexto de deliquescência das estruturas estaduais internas.

Muito embora o “Estado falhado” seja incapaz de agir, ou revele um significativo grau de incapacidade para agir enquanto sujeito de Direito Interna- cional, não temos dúvidas de que esta circunstância não permite concluir de outro modo que não seja pelo da continuidade do Estado6. Por outras palavras, o facto de, em abstracto, se poder considerar que um dado Estado se caracte- riza, num dado momento, pela circunstância do “Estado falhado” não afecta, em absoluto, a continuidade do mesmo Estado7.

Centrando a atenção no tema específico da presente comunicação, impor- ta fazer uma ressalva: estamos aqui em terreno muito movediço. Primeiramente, porque a noção de “Estado falhado” tem sido objeto de diferentes análises quer de Direito Internacional, quer de Relações Internacionais, sendo inclusivamente rejeitada como uma manifestação neo-colonialista8. Em segundo lugar, porque o Projecto de Artigos sobre a Responsabilidade do Estado por factos interna- cionalmente ilícitos da Comissão de Direito Internacional (doravante, Projeto de Artigos) muito embora tenha sido escrito em forma de artigos, mantém-se enquadrável no âmbito do artigo 38.º, n.º 1, al. d), do Estatuto do Tribunal In- ternacional de Ju1stiça constituindo apenas “formas ou meios subsidiários para a determinação de regras de direito”. No entanto, é importante sublinhar que, muito embora o Projeto de Artigos não seja Direito vigente, é certo que é mais

6 Cf. Chiara GIORGETTI, A Principled Approach to State Failure, International Community Actions in Emergency Situations, Developments in International Law, V 64, Boston, Brill, 2010, pp. 52-70. 7 Cf. Ibid.

8 Neste preciso sentido, a título de exemplo, cf. Ruth GORDON, “Saving Failed States, Sometimes a Neocolonialist Notion,” American University International Law Review 12, no. 6 (1997). Entre nós, cf. José Manuel PUREZA et al., “Do States Fail or Are They Pushed? Lessons Learned From Three Former Portuguese Colonies”, in Oficina do CES, n.º 273 (Abril de 2007) (2007), 1-24, pp. 3-4; Jonathan Hill, “Beyond the Other? A postcolonial critique of the failed state thesis”, in African Identities 3, n.º 2, Dezembro de 2005 (2005), 139-154, p. 139.

Projecto de Artigos sobre a Responsabilidade Internacional dos Estados à luz da circunstância do “Estado falhado”

do que mera doutrina, podendo afirmar-se que a maioria das normas que dele constam são normas de natureza consuetudinária9.

Propomo-nos, então, a considerar o Projecto de Artigos à luz da cir- cunstância do “Estado falhado”10, já que decorre da actuação de actores não-es- taduais característica do “Estado falhado” a questão de saber em que medida

9 Não obstante, é de registar que persistirão dúvidas quanto à parte do PARI relativa às contrame- didas. Acerca do facto das contramedidas não se encontrarem especificamente incorporadas no PARI, colocando questões relativamente à prática dos Estados nesta matéria e estabelecendo uma ligação com o facto do PARI se referir a jus cogens, considerando ainda a questão da responsabili- dade internacional, cf. Denis ALLAND, “Countermeasures of General Interest,” European Journal of International Law 13, no. 5 (2002). Registe-se a discussão no seio da 6.ª Comissão da ONU a tomada ou não de uma decisão no sentido de se poder ou não recomendar aos Estados avançarem no sentido de adotar os passos necessários a que o PARI possa vir a ser uma Convenção Interna- cional. Acrescente-se que, para a doutrina que entende que a efetividade do Direito Internacional sairia reforçada pela adoção de uma abordagem dita mais holística dos diferentes regimes de Di- reito Internacional, o PARI não parece permitir uma maior proximidade entre o regime da res- ponsabilidade e o regime da segurança coletiva. Esta questão, que se reporta, em grande medida, à interpretação do artigo 59.º do PARI, enquadra-se numa visão que diremos progressista, uma tentativa de pensar mais além o PARI, tentando discutir, de forma cítica, de que forma poderia haver uma maior proximidade entre ambos os regimes citados.

10 Cerca de 45 anos depois da Comissão de Direito Internacional (CDI) ter, pela primeira vez, ana- lisado o tema da responsabilidade do Estado, o texto completo do Projecto de Artigos sobre Res- ponsabilidade do Estado (PARI) foi aprovado, sem votação, em segunda leitura pela CDI na 53.ª sessão em 2001, tendo sido remetido à Assembleia Geral da ONU. Cf. ONU, Assembleia Geral, Official Records of the General Assembly, Fifthy-sixth Session, Supplement n.º 10 (A/56/10), Ch. V; cf. ainda os Relatórios do Presidente do Comité de Redação n.º A/CN.4/SR.2681, de 29 de Maio de 2001; n.º A/CN.4/SR.2682, de 30 de Maio de 2001; n.º A/CN.4/SR.2683, de 31 de Maio de 2001; e, n.º A/CN.4/SR.2701, de 3 de agosto de 2001. A CDI adotou uma redação com 59 artigos, a que se juntaram as respetivas anotações, cuja ênfase está nas regras secundárias de Direito Internacio- nal quanto à responsabilidade do Estado, i. é, nas condições gerais sob as quais um Estado pode ser considerado responsável por ações ou omissões ilícitas de acordo com o Direito Internacional, e, quais as consequências que daí podem ser retiradas. A este propósito, cf. Draft articles on Respon- sibility of States for Internationally Wrongful Acts, with commentaries, text adopted by the Interna- tional Law Commission at its fifty-third session, A/56/10 (9 de junho de 2001), p. 31, § 1. Apesar do formato dado pela CDI à redação, a CDI não recomendou à Assembleia Geral que os artigos fossem considerados para adoção enquanto tratado (a este propósito cf. Jacqueline PEEL, Simon OLLESON, James CRAWFORD, “The ILC’s Articles on Responsibility of States for Internatio- nally Wrongful Acts, Completion of the Second Reading,” European Journal of International Law 12, n.º 5 (2001), 963-991, p. 969). Cf. ONU, Resolução 56/83 (2001) da Assembleia Geral, A/56/83 (12 de dezembro de 2001). Importa precisar que muito embora tenha sido escrito em forma de artigos, o Projecto de Artigos é enquadrável no âmbito do Artigo 38/1, d), do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça constituindo apenas “formas ou meios subsidiários para a determinação de regras de direito” (v. artigo 38/1, d) do Estatuto do TIJ). Cf. David D. CARON, “The Ilc Articles on State Responsibility, The Paradoxical Relationship between Form and Authority,” American Journal of International Law 96, no. 4 (2002), p. 867.

Questões de Responsabilidade Internacional

poderá ter lugar a prática de factos internacionalmente ilícitos susceptível de gerar responsabilidade internacional do Estado11.

Sucintamente, o artigo 1.º do Projeto de Artigos (PARI) estabelece que há lugar a responsabilidade internacional do Estado pela prática de um facto internacionalmente ilícito – quer por acção, quer por omissão, (v. artigo 2.º, al. a) do PARI) –, cujo conceito é composto por dois elementos: um comportamento que consiste numa acção ou omissão atribuível, segundo o Direito Internacional, ao Estado; e, constituíndo este comportamento uma violação de uma obrigação internacional do Estado12.

A Parte I do PARI – no seu Capítulo II, com referência aos artigos 4.º a 11.º – refere-se à atribuição de um determinado comportamento ao Estado. O artigo 4.º abrange comportamentos, quer por acção, quer por omissão, sendo que a não adopção de um comportamento, ou mera inacção, do Estado pode também dar lugar a responsabilidade internacional. Assim, prevê o artigo 4.º, n.º 1, do PARI, que o “comportamento de qualquer órgão estadual será considera- do como um facto do Estado” independentemente desse órgão exercer funções “legislativas, executivas, judiciais ou quaisquer outras funções, qualquer que seja a posição que ocupa na organização do Estado e qualquer que seja a sua natureza enquanto órgão do governo central ou de uma unidade territorial do Estado”.

Por conseguinte, ao considerar o caso particular do “Estado falhado”, o estabelecimento de um nexo de imputabilidade entre a prática de um facto ilícito internacional e o Estado pode suscitar acrescidas questões, dada a desin- tegração dos órgãos do aparelho governativo e consequente perda da capacidade para o exercício do controlo e direcção política do Estado. Aliás, parece que só se poderá entender que seja aplicável o conceito de “autoridade pública”, nos termos do artigo 5.º do PARI, já que os actores não-estaduais – nomeadamente,

11 Entre nós, em termos gerais acerca a responsabilidade dos Estados, cf. Jorge MIRANDA, Curso De Direito Internacional Público, 5.ª ed. (Parede, Princípia, 2012), pp. 349-52. Quanto à respon- sabilidade internacional do Estado por factos ilícitos com referência ao Projecto de Artigos sobre a Responsabilidade do Estado por factos internacionalmente ilícitos da Comissão de Direito In- ternacional, cf. Francisco António de Macedo Lucas Ferreira de ALMEIDA, Direito Internacional Público, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2003, pp. 226-42.

12 Cf. artigo 1.º e artigo 2.º, do PARI.

Projecto de Artigos sobre a Responsabilidade Internacional dos Estados à luz da circunstância do “Estado falhado”

“bandos armados”13) – tenderão a orientar a sua actuação à prossecução de ob- jectivos e fins de índole privada14, alheios ao que possa ser o “interesse público” nos termos e para efeitos do Projeto de Artigos.

Note-se que nos termos do artigo 5.º do PARI, se considera facto do Es- tado o comportamento de um indivíduo ou entidade que – não sendo titular de um órgão do Estado em sentido estrito – esteja habilitado para o exercício de elementos de autoridade pública pelo Direito interno do Estado, desde que, no caso concreto, tenha actuado na qualidade de, diremos, “agente do Estado”.

O artigo 8.º do PARI, (“Comportamento sob a direcção ou controlo do Estado”), prevê a hipótese de imputação ao Estado do comportamento de uma pessoa ou grupo de pessoas que não sejam agentes do Estado. Porém, na medida em que estabelece como requisitos que o comportamento ocorra “sob a direcção ou controlo”, ou, sob as “instruções” do Estado, temos dúvidas quanto à per- tinência em considerá-lo com referência à circunstância do “Estado falhado”15. Nos termos do comentário ao artigo 8.º citado, tratar-se-á aqui daqueles casos em que, por hipótese, civis são recrutados ou cooptados para coadjuvar órgãos do Estado no exercício das suas funções, permanecendo, contudo, fora da hie- rarquia estadual16.

13 No que respeita à noção de bandos armados (“armed bands”) cumpre notar que a mesma parece surgir apenas após a guerra de 1914-1918, e pode ser melhor compreendida na medida em que se considerar que abrangerá as seguintes situações, “1) a organização de bandos armados de emi- grados ou outros grupos irregulares em território nacional, com cumplicidade governamental, para incursão no território de outro(s) Estado(s); 2) organização de tais bandos por governos em território não-nacional para uso em Estados terceiros; 3) apoio a bandos armados já ativos no território de outros Estados; 4) tolerância, com pleno conhecimento, da organização de ban- dos armados em território nacional; 5) negligência no controlo de bandos armados e grupos de assalto que operem a partir de território nacional; 6) incapacidade para controlar tais grupos em território nacional”, cf. Ian BROWNLIE, “International Law and the activities of armed bands”, in International and Comparative Law Quarterly 7(1958), 712-735, pp. 712-713.

14 O comentário ao artigo 4.º aponta no sentido de que os casos de um comportamento puramente privado não deverão ser confundidos com o caso de um órgão em funções enquanto tal, mas atuando em desvio de poder ou exorbitando competências em violação das regras a que esteja ads- trito; neste último caso, considerar-se-á que o órgão atua em nome do Estado, princípio afirmado no artigo 7.º – cf. Comentário ao artigo 4.º, Draft articles on Responsibility of States for Internatio- nally Wrongful Acts, with commentaries, text adopted by the International Law Commission at its fifty-third session, A/56/10 (9 de Junho de 2001), p. 42, § 13.

15 Uma primeira nota neste sentido, está presente, desde logo, no comentário ao artigo 8.º do Projec- to de Artigos, que enfatiza que, dado o papel importante desempenhado pelo princípio da efetivi- dade em Direito Internacional, importará ter em linha de conta a existência de um elo de ligação real entre o indivíduo ou grupo autor do comportamento e o aparelho de Estado – cf. Comentário ao artigo 8.º, Draft articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts, with com- mentaries, text adopted by the International Law Commission at its fifty-third session, A/56/10 (9 de Junho de 2001), p. 47, § 1.

16 Neste sentido, cf. Ibid.

Questões de Responsabilidade Internacional

Quanto às questões que se colocam relativamente ao requisito da “di- recção ou controlo”, apenas será imputável ao Estado o comportamento, de pessoa ou grupo de pessoas, que, apenas e só, formem parte integrante de uma operação (ou actuação) específica dirigida ou controlada pelo Estado17. Neste sentido, parece que o grau de controlo governamental mínimo18, exigido pelo artigo 8.º, fica para além do controlo que o “Estado falhado” terá capacidade para exercer – quer ao nível dos respectivos agentes, quer ao nível de terceiros – pelo que restam dúvidas quanto à hipótese de imputação de comportamentos ao Es- tado com base neste artigo do PARI.

O artigo 9.º do PARI, apesar do limitado escopo de aplicação abstracta- mente considerado, afigura-se como particularmente interessante na análise do “Estado falhado”, posto que considera facto do Estado “o comportamento de uma pessoa ou grupo de pessoas”, no exercício de “poderes de autoridade pública na ausência ou carência das autoridades oficiais e em circunstâncias que [justi- ficassem] o exercício dessas prerrogativas”19. Tendo em conta os três requisitos estabelecidos, o aspecto relevante parece prender-se com o comportamento, em si mesmo considerado, que terá de ser de índole pública ou governativa – quer haja, ou não haja, um governo em funções. Uma aplicação do estabelecido neste artigo 9.º do PARI à circunstância do “Estado falhado” poderá eventualmente permitir concluir no sentido de considerar “facto do Estado” um comportamen- to (facto internacionalmente ilícito) de um indivíduo, ou, grupo(s) de indivíduos que se considere(m) ter(em) em agido em nome do Estado, dada a circunstância de estar(em) a exercer um grau (entenda-se, “mínimo”) de autoridade pública, ou governamental20.

17 Neste sentido, cf. Ibid, p. 47, § 3.

18 É central recordar o caso Nicarágua c. Estados Unidos citado, em que o TIJ estabeleceu o critério do controlo efectivo.

19 Cf. artigo 9.º do PARI. A redação deste artigo parece convocar a noção de “levantamento em massa” (ou “levée en masse”), que respeita à população civil e a que subjaz a ideia de que esta, confrontada com a iminência de uma invasão e no intuito de frustrar uma ocupação (a noção re- monta à Revolução Francesa) se arma de forma espontânea para se defender, sendo que o carácter necessariamente temporário da duração desta resposta flexibiliza o preenchimento dos requisitos para a qualificação como combatente legítimo, cf. Yoram DINSTEIN, The Conduct of Hostilities under the Law of International Armed Conflict, 2.ª ed. (Cambridge, UK ; New York, Cambridge University Press, 2010), p. 48. Referindo-se à noção de “levée en masse”, cf. Comentário ao artigo 9.º, Draft articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts, with commentaries, text adopted by the International Law Commission at its fifty-third session, A/56/10 (9 de junho de 2001), p. 49, § 2.

20 O comentário ao artigo 9.º indica o exercício de funções de polícia ou de outras funções seme- lhantes num contexto de ausência de qualquer outra autoridade estar constituída, cf. Draft articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts, with commentaries, text adopted by the International Law Commission at its fifty-third session, A/56/10 (9 de Junho de 2001), p. 49, § 6.

Projecto de Artigos sobre a Responsabilidade Internacional dos Estados à luz da circunstância do “Estado falhado”

A redação deste artigo parece convocar a noção de “levantamento em

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