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O direito a uma decisão judicial num prazo razoável

A violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável e os critérios

1. O direito a uma decisão judicial num prazo razoável

À luz do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem2, o Estado Português está vinculado à obrigação de garantir uma decisão judicial em tempo razoável, para além de uma série de outras diretrizes. Com efeito, esse é o verdadeiro fundamento legal que permite acionar a atividade do Tri- bunal Europeu dos Direitos Humanos3 por violação desse mesmo direito dos cidadãos da União Europeia, não obstante ordinariamente se prever em Portugal uma solução normativa própria no nosso direito interno. De facto, o Regime 1 Mestranda em Direito Judiciário, na Universidade do Minho

2 Doravante CEDH ou Convenção. 3 Doravante TEDH.

da Responsabilidade Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas4 apenas prevê que internamente se possa demandar o Estado pela prática de fac- tos ilícitos, numa concretização ordinária do art.º 22.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa5, mas é a violação do art.º 6.º da Convenção que permite aos cidadãos portugueses recorrerem à Cour Européenne; quer isto significar que ainda que a responsabilidade do Estado pela prática de factos ilícitos não es- tivesse prevista na Lei 67/2007, de 31 de Dezembro diploma, a Convenção vin- cularia o Estado Português ao cumprimento das suas normas, à luz do art.º 8.º da CRP. Na verdade, cabe aos Estados-Membros garantir internamente o cum- primento das normas previstas na convenção, pois a ela aderindo vêm-se inves- tidos na pele de fiéis guardiões do seu cumprimento, operando o TEDH como um meio de ultima ratio na prevenção de tais direitos humanos6. Neste sentido, pode dizer-se que há uma certa identidade entre a responsabilidade por factos ilícitos do estado e a convenção, em termos de matéria sobre a violação do direito a uma decisão judicial em tempo razoável, se bem que o diploma nacional nada mais é do que o resultado da obrigação de tutela dos direitos fundamentais pre- vistos na convenção7/8. Este direito pode traduzir-se então numa garantia para as partes envolvidas numa ação judicial «o direito de obter do órgão jurisdicional competente uma decisão dentro dos prazos legais pré-estabelecidos, ou, no caso

4 Apontando críticas à nomenclatura do diploma, vide Alexandra LEITÃO, Duas questões a propó- sito da responsabilidade extracontratual por (f)actos ilícitos e culposos praticados no exercício da função administrativa, da responsabilidade civil à responsabilidade pública. Ilicitude e presunção de culpa. [Disponível em http,//www.icjp.pt/sites/default/files/media/artigo-responsabilidade2. pdf. [19-11-2015].

5 Doravante CRP ou CRP.

6 «The Convention leaves to each Contracting State, in the first place, the task of securing the rights and liberties it enshrines. The institutions created by it make their own contribution to this task but they become involved only through contentious proceedings and once all domestic remedies have been exhausted» - Ac. Handyside c. Reino Unido, de 07-09-1976, disponível em http,//hudoc.echr.coe. int/ [02-11-2015]. No mesmo sentido, vide Ireneu Cabral BARRETO, A convenção europeia dos direitos do homem. 5.ª Ed. revista e atualizada. Coimbra, Almedina, 2015, pp. 376-377.

7 «Quanto ao Direito Internacional, parece estarmos a assistir a um início da compreensão do problema pela nossa jurisprudência administrativa, quando ela tem admitido a responsabilidade do Estado por atraso da justiça parece que por violação directa do art. 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e não apenas por violação do art. 20º, nº 4, da Constituição (que, aliás, nos aparece desnecessariamente repetido no art. 20º, nº 5)», Fausto de QUADROS, A responsabilidade civil extracontratual do Estado – problemas gerais. [Em linha], p. 6. Disponível em http,//www.dgpj.mj.pt/sections/informacao-e-eventos/anexos/sections/informacao-e-eventos/ anexos/prof-doutor-fausto-de/downloadFile/file/Fq.pdf?nocache=1210675906.12. [18-11-2015]. 8 No que tange às disparidades entre os regimes, vide Maria José Rangel de MESQUITA, O regime

da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas e o direito da união europeia, Coimbra, Almedina, 2009.

Questões de Responsabilidade Internacional

de esses prazos não estarem fixados na lei, de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade do processo»9.

Com efeito, o inadimplemento de uma decisão judicial em tempo ra- zoável é hoje previsto como um ato ilícito por parte do poder judicial (art.º 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro), norma essa que veio revogar, por in- constitucionalidade superveniente, o antigo Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de No- vembro de 196710; esta nova lei veio contemplar explicitamente a responsabili- dade extracontratual do Estado ao abrigo do art.º 20.º, n.º 4, e art.º 22.º da CRP, pois além do que a letra da lei sugere, os direitos previstos no art.º 20.º têm um sentido mais amplo do que aquele que inicialmente possa parecer11. Todavia, aquela que parece sofrer mais violações a nível interno é, precisamente, o direito a uma decisão em tempo razoável.

Ora, «o atraso na decisão de processos judiciais, quando viola o direito a uma decisão em prazo razoável, é um facto ilícito, gerador de responsabili- dade civil do Estado»12, sendo que este tema tem revelado a sua importância ao longo do tempo uma vez que os cidadãos portugueses são confrontados com a realidade diária de constantes atrasos no sistema judiciário que impedem a pros- secução da justiça e o acesso ao Direito. O resultado de tais atrasos são, em mui- tas ocasiões, fruto da própria deficiência no sistema judiciário, nomeadamente por falta de organização interna do Tribunal ou de recursos humanos. Todavia, casos há em que no uso o poder judiciário as questões processuais sejam apre- ciadas de forma bastante mecânica, impedindo que seja realizada justiça13; ou que as partes façam por protelar o processo propositadamente sem que o Juiz tome as diligências necessárias14.

9 Ac. do TCAN, proc. n.º 00064/10.9BELSB, de 12-10-2012, disponível em www.dgsi.pt [18-11- 2015].

10 Maria José Rangel de MESQUITA, O regime…, cit., p. 9.

11 De acordo com Gomes Canotilho e Vital Moreira, estão simultaneamente consagrados a par o di- reito de ação ou acesso aos tribunais, o direito ao processo perante os tribunais, o direito à decisão da causa pelos tribunais e o direito à execução dessa mesma decisão. Vide J. J. Gomes CANOTI- LHO, Vital MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, artigos 1.º a 107.º. Vol. I, 4.ª Ed. Revista, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 414.

12 Ac. do STA, proc. n.º 090/12, de 10-09-2014, disponível em www.dgsi.pt [15-11-2015].

13 A título exemplificativo, tal pode suceder-se quando o Juiz autoriza meios de prova requeridos por uma das partes sem apurar a necessidade daquele elemento probatório e se a dilação que tal trará ao processo é mesmo necessária.

14 «Existe uma cultura de astúcia, porventura mesmo do malabarismo processual, que legitima o recurso a todos os expedientes para obter vantagens, incluindo aqueles que em nada contribuam para a descoberta da verdade e equilíbrio das decisões» - António Menezes CORDEIRO, Litigân- cia de má-fé, abuso do direito de ação e culpa “in agendo”. 3.ª Ed. revista, aumentada e atualizada à luz do código de processo civil de 2013, Coimbra, Almedina, 2014, p. 25.

A violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável e os critérios determinantes da subsidiariedade do Tribunal Europeu dos Direito Humanos

2. Da subsidiariedade do TEDH na apreciação da violação

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