• Nenhum resultado encontrado

II – Evolução histórica da figura jurídica do Procurador nos Tribunais Penais Internacionais

1. – O conhecimento da história de uma dada figura jurídica, na ocor- rência, a do Procurador junto dos Tribunais Penais é, em nossa opinião, decisivo para compreender o seu Estatuto jurídico e, até mesmo, a sua acção ao longo da sua existência. Daí a importância da análise, brevíssima, que nos propomos fazer agora.

Pensamos não estar longe da verdade se afirmarmos que a figura do Procurador internacional surge qua tale pela primeira vez na Carta do Tribunal Militar Internacional, anexa ao Acordo de Londres de 8 de Agosto de 1945, que institui o Tribunal Militar Internacional, conhecido internacionalmente por Tri- bunal de Nuremberga.

Na verdade, é no artigo 14.º que se estabelece que “1. Cada signatário

designará um acusador principal para a investigação das acusações contra os prin- cipais criminosos de guerra.”, institucionalizando assim a figura de “Acusador pú-

blico internacional”, o que até então não acontecera nem com International Prize Court (Tribunal das Presas), onde essa figura não aparece sequer referenciada por a acusação ser deduzida pelos Procuradores nacionais, nem no Tratado de Versailles, de 1919, na parte deste que se refere à criação do Tribunal especial

Questões de Responsabilidade Internacional

para julgar o Imperador Guilherme II de Hohenzollern onde a acusação é ge- nericamente formulada no artigo 227.º pelas Altas Partes Contratantes

É, portanto, com a criação do Tribunal de Nuremberga que internacionalmente se consagra a figura jurídico-processual do Procurador, atribuindo-lhe poderes para investigar, coligir e apresentar provas, preparar e deduzir acusação, participar no Julgamento como acusador público. É esta competência que, a partir de Nuremberga, passa a ser a competência base dos Procuradores internacionais, nos Tribunais Penais Internacionais que foram posteriormente criados, começando pelo Tribunal Militar para o Extremo Oriente, conhecido internacionalmente por Tribunal Militar Internacional de Tóquio, como teremos a oportunidade de ver.

2. – Na verdade, entendemos que não é por mero acaso que até à insti- tuição do Tribunal de Nuremberga e de Tóquio a figura do Procurador não era internacionalmente acolhida nos Estatutos dos dois Tribunais Penais que ante- cederam o Tribunal de Nuremberga. Com efeito, a comunidade internacional, aquando da criação do International Prize Court e mesmo quando no Tratado de Versailles foi criado o Tribunal especial para julgar o Imperador Guilherme II, não conseguira ainda uma definição consensual de ilícito criminal interna- cional, o que, obviamente, lhe impedia de estruturar as bases fundamentais de um direito penal internacional, que é o específico território jurídico da actuação do acusador público, para além de ser, como justamente afirma Syméon Kara- giannis, “terre de prédilection pour la création de nouvelles jurisdictions interna-

tionales”, necessáriamente, esclarecemos nós de natureza penal. Por outro lado,

importa frisar que, até a Convenção de Haia de 1907, estava ainda a comunidade internacional à procura de mecanismos jurídicos que lhe permitissem dissociar com algum grau de eficácia e de credibilidade os Estados dos seus agentes, nestes incluindo os seus dirigentes, com vista a não deixar impune a prática de crimes, mas, ao mesmo tempo, a evitar a directa punição dos Estados pela prática desses crimes por nacionais seus. Para tanto e para resolver os conflitos internacionais provocados pela prática de crimes internacionalmente reconhecidos como tais e cuja punição a comunidade internacional não podia deixar de reclamar, necessi- tava esta comunidade de, em primeiro lugar, chegar a um consensus político-ju- rídico(-criminal) internacional sobre o conceito e a tipologia do ilícito criminal e, de seguida, sobre a forma de perseguir, levar a julgamento e de julgar efectiva- mente os autores desses crimes.

Obtido esse consenso, a comunidade internacional teria de avançar ne- cessariamente para a criação de uma justiça penal internacional capaz de o con- cretizar, assegurando aquele objectivo primeiro a que nos referimos acima – o de distinguir, para efeitos de punição, pela prática de crimes internacionais, os Estados dos seus agentes – e, também, um outro, não menos importante, que é o de evitar que a justiça internacional se arvorasse em substituto radical da

O Estatuto do Procurador Internacional no Processo Internacional

justiça nacional, o que, a acontecer, provocaria forte resistência dos Estados em instituí-la. Por essa última razão, a justiça internacional nasceu e mantém-se até agora dominada pelo princípio da subsidiariedade ou complementaridade, com base no qual se reconhece a primazia da justiça penal nacional para julgar os criminosos, tendo sido, até à criação do Tribunal Penal Internacional, origina- riamente uma justiça instituída com vista a “apaiser les relations internationales

à la suite d’un conflit perdu par l’État dont les dirigeants sont jugés”, isto é, uma

justiça dos vencedores.

3. – Ora, até à criação do Tribunal de Nuremberga, a predominância desse

princípio da subsidiariedade justificou a acção secundária da residual justiça pe-

nal internacional no julgamento dos ilícitos criminais e, mais do que isso, dela decorreu a distinção, ainda hoje nela presente, entre os grandes e os pequenos criminosos, bem recortada no Tratado de Versailles, o que obviamente teve como consequência a relativa dispensabilidade do Procurador internacional. Contudo, o mesmo consenso jurídico(-criminal)-internacional que permitiu a produção de um catálogo de crimes internacionais e a criação de uma justiça penal inter- nacional, também impôs à comunidade internacional a indispensabilidade de um processo penal internacional, o que está bem patente, embora de forma em- brionária, na Convenção Relativa à Criação de um International Prize Court. A partir de agora, a ideia da necessidade de autónoma consagração de um processo penal internacional no quadro de uma justiça penal internacional fundada no princípio da subsidiariedade passa a ser regra, tanto mais fácil de cumprir quan- to a experiência internacional relativa à criação de regras de processo destinadas à justiça arbitral internacional e a de outros Tribunais internacionais de natureza não penal em matéria de produção das suas próprias “rules of procedure” tinha permitido a emergência de um processo internacional não penal e consagrado a prática da atribuição aos Tribunais internacionais de poderes para elaborar as suas próprias regras de processo. É esse princípio da subsidiariedade e é essa prática internacional que vão ser adoptadas na Carta constitutiva do Tribunal de Nuremberga e a partir dela em todos os outros instrumentos internacionais.

Assim, se a consagração dos crimes internacionais ou, se se quiser, de um direito penal internacional (mesmo que embrionário e imperfeito) e também, (importa agora realçar) a responsabilização individual dos agentes públicos do Estado que em nome e em representação deste agem, praticando crimes, foram determinantes para a instituição da justiça penal (ad hoc) internacional, não é menos certo que foi com a emergência e a afirmação do processo penal interna- cional (mesmo na sua fase embrionária) que trouxe para a justiça internacional a figura do Procurador internacional e a sua indispensabilidade.

4. – Podemos assim concluir dizendo que, historicamente, o Procurador internacional aparece na justiça penal internacional e nela a sua presença só se torna indispensável com conjugação dos seguintes factores: a consagração de

Questões de Responsabilidade Internacional

crimes internacionais, a instituição de uma justiça penal internacional, mesmo com a natureza de Tribunais ad hoc, e a criação de regras de processo penal internacional específicas de cada Tribunal penal ad hoc. São assim esses três fac- tores que consagram e tornam imprescindível a presença nesses Tribunais dessa figura.

Mas, exactamente porque, em nossa opinião, só com a criação do Tri- bunal de Nuremberga é que se dá a conjugação articulada desses três factores é também a partir desse momento histórico que o Procurador internacional, en- quanto acusador público, é reconhecido como uma autoridade judiciária com competência internacional específica e com uma configuração idêntica à do acu- sador público nos Tribunais penais nacionais, e, nessa específica qualidade, passa a ser um actor indispensável da justiça penal internacional.

Feita essa sucinta análise da emergência na cena internacional da figura do Acusador público – Procurador – internacional e tendo em atenção que a pri- macial base jurídico-internacional da sua configuração está consagrada na Carta que institui o Tribunal de Nuremberga, parece-nos interessante partir dessa base para o estudo do Estatuto jurídico-processual do Procurador Internacional.

III – O Estatuto Jurídico-processual do Procurador Inter-

Outline

Documentos relacionados