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III – O Estatuto Jurídico-processual do Procurador Inter nacional Dos Tribunais Militar de Nuremberga aos Tribu-

nais Internacionais ad hoc.

1. – O primeiro e decisivo Estatuto jurídico-processual do Procurador internacional foi consagrado na Carta do Tribunal Militar Internacional de 8 de Agosto de 1945 – Carta do Tribunal de Nuremberga, a partir de agora – no seu Título III, sob a epígrafe Comité para a Investigação e Acusação dos Principais Criminosos de Guerra, onde essa autoridade judiciária aparece sob a denomi- nação de Acusador principal.

O Acusador principal tem um Estatuto de investigador de crimes e de acusador público, designado por cada um dos Estados-Partes no Acordo de Lon- dres, passando a integrar, como membro, um Comité de Acusadores principais que funciona colectivamente como uma verdadeira Procuradoria internacional. De acordo com esse Estatuto, o principal acto desse procurador – a acusação – tem de ser submetido à apreciação e aprovação do Comité no quadro do qual é regulada previamente a sua acção investigatória e acusatória. Poder-se-á as- sim dizer que neste Estatuto o Procurador internacional aparece como Acusa- dor principal, que individualmente não tem poderes decisórios em matéria de acusação dos agentes do crime, nem para organizar o seu plano individual de trabalho.

O Estatuto do Procurador Internacional no Processo Internacional

Na verdade, é ao Comité, constituído, relembre-se, por todos os Acusa- dores principais, que a Carta do Tribunal de Nuremberga confere competência para aprovar o plano de trabalho de cada um deles e da respectiva equipa, como para aprovar a acusação por eles deduzida, competência que exerce em conferên- cia, aprovando ou rejeitando por deliberação maioritária todas as questões sub- metidas à sua apreciação. Cabe ainda ao Comité, e não a cada Acusador, subme- ter ao Tribunal a acusação por ele aprovada e os documentos que a acompanham e elaborar e apresentar ao Tribunal, para aprovação, o projeto de seu regimento.

O Procurador internacional tem assim o Estatuto funcional de Acusador público designado pelo seu Estado com competência para investigar, para elab- orar projecto de acusação depois agentes de crimes internacionais, bem como para participar como Acusador público nos julgamentos, não sendo o Comité, que, em bom rigor, é o verdadeiro titular da acção penal internacional. É este o seu Estatuto processual. Importa frisar que neste Estatuto o Procurador inter- nacional (e também o Comité enquanto colectivo de Procuradores) não são ver- dadeiramente independentes dos Estados que os designam, o que até à criação do Tribunal Penal Internacional irá ser a característica dominante dessa figura quer do ponto de vista jurídico-processual quer sob o orgânico-funcional.

2.– Este Estatuto inaugural do Procurador internacional vai servir de modelo para a elaboração dos Estatutos jurídico-processuais dos Procuradores junto dos Tribunais criados depois do de Nuremberga e, desde logo, o Tribu- nal Militar Internacional para o Extremo Oriente, conhecido como Tribunal de Tóquio. Contudo, ao longo da evolução da justiça internacional verifica-se que progressivamente o Estatuto do Procurador internacional vai sendo aperfeiçoa- do. Assim, no que se refere ao procurador junto do:

a – Tribunal de Tóquio - Neste Tribunal o Estatuto do Procurador, nele também designado por Acusador principal, é reduzido a um artigo, o 8.º, onde se estabelece quem o nomeia e as funções que exerce. Nomeado pelo Comandante Supremo das Forças Aliadas no Extremo Oriente, o Acusa- dor principal é o responsável pela investigação e a acusação dos crimino- sos de guerra e é o assessor jurídico (para usarmos a línguagem actual) do Comandante Supremo, a quem “dará toda a assistência legal que seja necessária”. Cabe assim ao Acusador principal deduzir a acusação, com a colaboração dos Acusadores adjuntos, nomeados por qualquer potência que tenha estado em guerra com o Japão para o coadjuvar (ou, para o “assistir”).

Cabe-lhe, ainda, como Acusador público, participar no julgamento, para aí alegar, apresentar e examinar provas e requerer o que tiver por conve- niente. Como pode ver-se também nesse Tribunal o Procurador não é independente dos Estados e tem as mesmas competências do Procurador

Questões de Responsabilidade Internacional

junto do Tribunal de Nuremberga. Acresce que no Tribunal de Tóquio já não aparece o órgão colectivo – o Comité – titular da acção penal, mas esta titularidade é implícitamente atribuída ao Acusador principal. De facto, é a ele, enquanto titular da acção penal, que a Carta do Tribunal de Tóquio confere directamente poderes para investigar e acusar, poderes que exerce com a colaboração dos Acusadores adjuntos. Tal como acon- tece com o Comité no Tribunal de Nuremberga, o Procurador internac- ional aparece aqui como um órgão separado do Tribunal, no sentido de não ser um órgão do Tribunal.

Podemos assim dizer que esta titularidade da acção penal representa a primeira inovação estatutária e anuncia o reconhecimento de uma rel- ativa autonomia funcional do Procurador internacional, na medida em que a acusação por ele deduzida pode ser directamente apresentada ao Tribunal sem a prévia aprovação de qualquer órgão.

b – Tribunais Penais Ad Hoc: Tribunal Internacional para a ex-Jugoslávia, Tribunal Internacional para o Ruanda - Nos Estatutos destes Tribunais (que aqui tratamos conjuntamente por todos terem adoptado o “modelo” do Tribunal Internacional para a ex-Jugoslávia), pela primeira vez na história do Acusador público internacional, este é designado por Procurador e pela primeira vez, de forma expressa se atribui ao Procurador a titularidade da acção penal e se reconhece a sua independência relativamente ao Tribunal e a qualquer Estado ou autor- idade. Contudo, este surge como um órgão do Tribunal, o que em nos- sa opinião, deve ser entendido como um órgão judiciário, exactamente porque nos Estatutos se declara que o Procurador é um órgão distinto no seio do Tribunal. Nesses Tribunais o Procurador não é nomeado por nen- hum Estado, mas sim por um órgão da ONU, o Conselho de Segurança, por um período de quatro anos, renovável por igual período.

Podemos assim dizer que o Estatuto do procurador nesses Tribunais assenta nos seguintes pilares: autonomia funcional jurídico-processual relati- vamente ao Tribunal, aos Estados e demais autoridades internacionais, independência orgânica relativamente ao Tribunal e temporalidade do seu mandato e equiparação funcional aos funcionários superiores da ONU e aos agentes diplomáticos em matéria de imunidades e privilé- gios.

Com o Tribunal da ex-Jugoslávia a figura do Procurador adquire relevân- cia autónoma, quer sob o ponto de vista orgânico, quer sob o funcional

O Estatuto do Procurador Internacional no Processo Internacional

e é assumida internacionalmente como um órgão indispensável para a investigação criminal. Já com o da Serra Leoa, o seu Estatuto sofre algu- mas alterações no que se refere à da sua nomeação (pelo Secretário-Ge- ral da ONU), à dos Procuradores-Adjuntos (pelo Governo) e ao dos priv- ilégios e imunidades diplomáticas que passa a ser regido pela Convenção de Viena do Direito Diplomático.

c – Concluindo: Da evolução histórica da figura do Procurador desde o Tribunal de Nuremberga até ao da Serra de Leoa resulta que o seu Es- tatuto, acompanhando o aperfeiçoamento do processo jurídico-penal in- ternacional, sofreu importantes e decisivas modificações que alteraram profundamente os seus fundamentos jurídico-dogmáticos e político-in- ternacional. Agora esse Estatuto passa a ter como pilares fundamentais a autonomia funcional jurídico-processual relativamente ao Tribu- nal, aos Estados e demais autoridades internacionais, a independência orgânica relativamente ao Tribunal e a predefinição da temporalidade do seu mandato e a equiparação funcional aos funcionários supe- riores da ONU e aos agentes diplomáticos em matéria de imunidades e privilégios.

Mas, importa dizer que o modelo estatutário criado pelo Estatuto do Tribu- nal Internacional para a ex-Jugoslávia implica princípios jurídico-proces- suais que dominam toda a acção do Procurador, e que são o princípio da

legalidade, que é o sobredeterminante, o princípio da oficiosidade e o da objectividade, princípios estes que, como se sabe, na opinião de Figueire-

do Dias, integram o princípio geral da iniciativa processual. Para além disso, e talvez como consequência desses princípios, nesse modelo, o ex- ercício da acção penal do Procurador não se encontra verdadeiramente submetido a controlo jurisdicional com todas as consequência que re- sultam desse facto, como de seguida veremos.

Concluindo, podemos assim dizer que o Estatuto do Tribunal Interna- cional para a ex-Jugoslávia criou uma nova figura e um novo modelo estatutário do Procurador, que indubitavelmente vai influenciar todo o processo de elaboração do Estatuto do Procurador do Tribunal Penal In- ternacional, como veremos de seguida.

Questões de Responsabilidade Internacional

IV – A figura e o Estatuto do Procurador no Tribunal Penal

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