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A esterilização como prática contraceptiva e a Lei do Planejamento familiar (Le

2 CONTRACPÇÃO E ESTERILIZAÇÃO HUMANA: CONSIDERAÇÕES À LUZ

2.3 A esterilização como prática contraceptiva e a Lei do Planejamento familiar (Le

A promulgação da Constituição Brasileira trouxe inúmeras novidades quanto ao planejamento familiar, pois trouxe um novo significado ao tema, muito além da contracepção, trazendo responsabilidades e limites a serem observados por todos (CASTANHO, 2014).

Com a dignidade da pessoa humana garantida no texto Constitucional, “a pessoa passou a ocupar lugar central no ordenamento jurídico” (CASTANHO, 2014, p. 79), nesse sentido:

O nosso Constituinte de 1988 – a exemplo do que ocorreu, entre outros países, na Alemanha -, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal (SARLET, 2004, p. 65, apud CASTANHO, 2014, p. 79).

O princípio da dignidade da pessoa humana atua como um norte para o planejamento familiar. Esse direito fundamental auxilia na hermenêutica e parâmetro em sua atuação, integrando o planejamento familiar em outras normas do ordenamento jurídico (SARLET, 2004, apud CASTANHO, 2014).

O planejamento familiar envolve outros direitos fundamentais como o direito à liberdade e a autonomia de vontade, entretanto, como qualquer outra norma, há restrições a estes direitos em favor de outras garantias e direitos fundamentais envolvidos (CASTANHO, 2014).

O princípio da dignidade da pessoa humana impõe limites à atuação estatal, objetivando impedir que o poder público venha a violar a dignidade pessoal, mas também implica (numa perspectiva que se poderia designar de programática ou impositiva, mas nem por isso destituída de plena eficácia) que o Estado deverá ter como meta permanente, proteção, promoção e realização concreta de uma vida com dignidade para todos (SARLET, 2004, p. 110, apud CASTANHO, 2014, p. 82).

Dessa forma, cabe ao casal ou homem ou a mulher decidir a forma de planejamento familiar com base nos direitos fundamentais e outras normas do direito brasileiro que incentivam as ações ou limitam-nas (CASTANHO, 2014).

Os direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana e o direito à liberdade atuam na defesa do cidadão brasileiro perante o Estado, “o qual não poderá impedir ou dificultar seu exercício, sob pena de violar a dignidade de seus titulares. Ou seja, o Estado deve abster-se de interferir na decisão do casal [...]” (CASTANHO, 2014, p. 80).

Nesse seguimento, a Lei Complementar 9.263/96 inibe a capacidade de moderação da natalidade em seu art. 2º, parágrafo único “é proibida a utilização das ações a que se refere o

caput para qualquer tipo de controle demográfico” (BRASIL, 1996, apud CASTANHO, 2014,

p. 81) (grifo do autor).

Há neste dispositivo constitucional, de maneira expressa, o reconhecimento da importância da atuação do Estado. Tal atuação não possui qualquer conotação de intromissão ou ingerência na vida do casal constituído formal ou informalmente em família, mas detêm dupla função: a) preventiva, no que se refere à informação, ao ensino, à educação das pessoas a respeito de métodos, recursos e técnicas para o exercício dos direitos reprodutivos e suxais; b) promocional, no sentido de empregar recursos e conhecimentos científicos para que as pessoas possam exercer seus direitos reprodutivos e sexuais, uma vez informados e educados a respeito das opções e mecanismos possíveis (GAMA, 2003, p. 448, apud CASTANHO, 2014, 81).

Assim, o Estado deverá apoiar as decisões das pessoas, oferecendo-lhes condições e removendo obstáculos, como fornecer recursos para a concepção, quando houver dificuldade biológica do núcleo familiar estabelecer sua prole, dando-lhes dignidade na atividade deste direito (CASTANHO, 2014).

Após reconhecer o planejamento familiar como direito de todo cidadão no artigo 1º, a Lei 9.263/96 o conceitua, no art. 2º, como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garante direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. [...] o texto legal reconhece o recurso as técnicas de fertilização e de concepção para que haja a reprodução humana, o que conduz à constatação de que o direito brasileiro admite o recurso às técnicas conceptivas como inerentes aos direitos reprodutivos das pessoas (GAMA, 2003, p. 448-449, apud CASTANHO, 2014, p. 82).

Contudo, a dignidade da pessoa humana atuará limitando as atividades no que se refere ao planejamento familiar, principalmente assegurando os direitos fundamentais da figura do filho, “fruto de uma decisão da qual não participou, mas que definirá os rumos dos acontecimentos de sua vida” (CASTANHO, 2014, p. 83).

Nesse sentido, a esterilização humana sempre apresentou controvérsias em diversas áreas. No entanto, a Lei 9.263/96 nos trouxe sua regulamentação, reconhecendo essa pratica como método contraceptivo, porém com limitações (YAMAMOTO, 2011).

[...] Art. 10. Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações: I - em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce; II - risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos [...] (BRASIL, 1996).

Ainda, no mesmo dispositivo legal, constam as condições e vedações relacionadas a esterilização`:

[...] § 1º É condição para que se realize a esterilização o registro de expressa manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após a informação a respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldades de sua reversão e opções de contracepção reversíveis existentes. § 2º É vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores. § 3º Não será considerada a manifestação de vontade, na forma do § 1º, expressa durante ocorrência de alterações na capacidade de discernimento por influência de álcool, drogas, estados emocionais alterados ou incapacidade mental temporária ou permanente. § 4º A esterilização cirúrgica como método contraceptivo somente será executada através da laqueadura tubária, vasectomia ou de outro método cientificamente aceito, sendo vedada através da histerectomia e ooforectomia. § 5º Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges. § 6º A esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização judicial, regulamentada na forma da Lei (BRASIL, 1996).

A leitura do dispositivo acima citado demonstra que no país, encontram-se autorizados, os procedimentos de vasectomia, laqueadura tubária ou outro método aceito na comunidade científica, sendo vedado a histerectomia e ooforectomia.

Quanto às formas de esterilização autorizadas, aparece, em primeiro lugar a ligadura de trompas, que é uma forma de esterilização feminina. Independentemente disso, é usada como contraceptivo definitivo, pois se trata de uma cirurgia realizada com o fim de esterilização voluntária e definitiva “na qual as trompas da mulher são amarradas ou cortadas, evitando que o óvulo e os espermatozoides se encontrem. Há dois tipos de laqueadura: abdominal e vaginal” (RAMOS, 2015, s.p.).

Para a realização da ligadura de trompas há necessidade de a mulher ter mais que 25 (vinte e cinco) anos de idade e um intervalo de 60 (sessenta) dias entre a vontade de realizar até o procedimento cirúrgico (RAMOS, 2015).

Vasectomia “é a ligadura (fechamento) dos canais deferentes no homem [...] na qual é cortado o canal que leva os espermatozoides do testículo até as outras glândulas que produzem o esperma” (RAMOS, 2015, s.p.).

Esse também é um método de esterilização, devendo o homem ter consciência que nunca mais terá filhos, por isso somente é indicado para homens acima de 30 (trinta) anos e que já possuem filhos. O método pode ser revertido, mas não é fácil. Entretanto, há de ser ter um cuidado com a vasectomia, pois alguns espermatozoides ficam armazenados nos dutos ejaculatórios. Assim, são necessárias algumas “ejaculações para que o esperma não contenha mais gametas” (RAMOS, 2015).

Em relação aos métodos vedados no texto legal acima referido, a histerectomia é uma cirurgia realizada para a retirada do útero, tendo três tipos, a total, subtotal e a radical. Porém, esse procedimento é indicado somente para mulheres que com problemas graves de saúde, sendo realizado após tentativas de tratamento infrutíferas (SEDICIAS, 2015). Veja-se:

A histerectomia normalmente é indicada para mulheres com problemas graves na região pélvica, como câncer de colo do útero em estágio avançado, câncer nos ovários ou no miométrio, infecções na região pélvica, miomas uterinos, hemorragias frequentes, endometriose grave ou prolapso uterino. No entanto, a histerectomia só é realizada quando outros tratamentos clínicos não tiveram sucesso e consiste na retirada do útero e, dependendo da gravidade da doença das trompas e dos ovários (SEDICIAS, 2015, s.p.).

Ooforectomia procedimento consistente na ablação dos ovários, também realizado somente quando há risco a saúde da paciente. A cirurgia, igualmente a histerectomia, deve ser o último recurso oferecido à mulher, pois os ovários produzem hormônios e sua falta pode afetar a vida da paciente. Quanto ao motivo que leva a retirada dos ovários, Basbaum, explica:

Os ovários são órgãos “tumorigênicos”, ou seja, podem desenvolver tumores com maios frequência que outros órgãos. Isso acontece porque praticamente em todos os ciclos cresce uma espécie de cisto, cheio de liquido e muito rico em estrogênio, onde se desenvolve o óvulo. O óvulo é liberado quando folículo se rompe, em um processo chamado ovulação. Por vezes a ruptura não ocorre e o folículo pode crescer muito – suas dimensões pode alcançar muitos centímetros, algumas vezes, alçando grandes dimensões. A esses chamados de tumores císticos folicures. [...] Às vezes, após a ovulação, fica um pequeno vaso sangrando dentro do ovário formando o chamado cisto de corpo lúteo, o qual também desaparece depois de uma ou duas menstruações. Ambos são chamados de cistos funcionais e praticamente não requerem cirurgia. Devemos estar atentos para a possibilidade de que os aumentos do ovário causados pelos cistos podem predispor a torções de seu pedículo, interrompendo sua vascularização com consequente necrose ovariana, causadora de dores intensas e completa perda do órgão ([2017], s,p.).

Como se pode observar, os métodos acima relacionados assumem peculiaridades, por isso a decisão sobre sua utilização deve ser tomada de uma forma madura, frequentemente tomada por casais que não têm interesse em ter filhos ou que já estão satisfeitos com sua prole. Não se trata uma liberação da mulher de tomar medicamentos, mas de um método definitivo (CARVALHO; SCHOR, 2005, apud YAMAMOTO, 2011).

Apesar das possibilidades de esterilização, tanto para mulher como para o homem, todos os aspectos relacionados aos métodos devem ser analisados com cuidado pelo casal, dando importância à reflexão sobre o assunto, buscando ter conhecimento, antes de qualquer coisa, sobre os métodos contraceptivos existentes e as complicações que a esterilização acarreta na vida conjugal (CUNHA, 2007; VIEIRA, 2007, apud YAMAMOTO, 2011).

2.4 Planejamento familiar e a interrupção voluntária da gestação: a questão do aborto