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Planejamento familiar, contracepção e esterilização humana: considerações à luz da Constituição Brasileira de 1988

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VANESSA GERMANO DOS SANTOS

PLANEJAMENTO FAMILIAR, CONTRACEPÇÃO E ESTERILIZAÇÃO HUMANA: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

Três Passos (RS) 2017

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VANESSA GERMANO DOS SANTOS

PLANEJAMENTO FAMILIAR, CONTRACEPÇÃO E ESTERILIZAÇÃO HUMANA: CONSIDERAÇÕES À LUZ DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Ester Eliana Hauser

Três Passos (RS) 2017

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Dedico este trabalho a todos, principalmente aos meus pais, que de uma forma ou outra me auxiliaram e ampararam-me durante estes anos da minha caminhada acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

A Deus por sempre acompanhar, iluminar e proteger minha caminhada.

A minha orientadora Ester Eliana Hauser por ter sido uma inspiração, pela sua dedicação e amor pelo direito, e principalmente por ter me auxiliado nesse projeto tão especial.

Aos meus pais, por cada noite que passaram em claro trabalhando para poder me dar uma formação.

Aos amigos e familiares que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de construção deste trabalho, meu muito obrigado!

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“Família é quem você escolhe pra viver Família é quem você escolhe pra você Não precisa ter conta sanguínea

É preciso ter sempre um pouco mais de sintonia”. (O Rappa)

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica faz uma análise sobre a nova concepção de família trazida pela Constituição Brasileira de 1988 que aponta para a recepção a novas formas de família, para a igualdade de direitos e responsabilidades entre homens e mulheres e para a noção de paternidade responsável e menciona que o Estado deve proporcionar recursos educacionais e científicos para o exercício do direito de planejamento familiar. Também, discute e analisa a tarefa de controle da gravidez indesejada, os métodos contraceptivos e a esterilização humana a partir do que dispõe a lei brasileira, bem como as demais questões que envolvem o tema da paternidade/maternidade responsável.

Palavras-Chave: Planejamento familiar. Igualdade de direitos. Paternidade responsável. Gravidez indesejada.

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ABSTRACT

The present monographic research makes an analysis on the new conception of family brought by the Brazilian Constitution of 1988 that points to the reception of new forms of family, the equality of rights and responsibilities between men and women about notion of responsible paternity and mentions that the State should provide educational and scientific resources for the exercise of the right to family planning. Also, it discusses and analyzes the task of controlling unwanted pregnancies, contraceptive methods and human sterilization from the Brazilian law, as well as the other issues that involve the topic of responsible parenthood.

Keywords: Family planning. Equal rights. Responsible parenthood. Unwanted pregnancy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...9

1 A NOVA CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA E O DIREITO AO PLANEJAMENTO FAMILIAR NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988...11 1.1 Igualdade, liberdade, dignidade humana e autonomia de vontade como valores fundamentais do Estado Democrático de Direito...11 1.2 A nova concepção de família na Constituição Federal de 1988...16 1.3 Direitos reprodutivos e planejamento familiar...21 1.4 Igualdade de gênero e paternidade responsável: a perspectiva legal e a realidade brasileira...25

2 CONTRACPÇÃO E ESTERILIZAÇÃO HUMANA: CONSIDERAÇÕES À LUZ DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS...30 2.1 Dignidade humana, sexualidade e direito à contracepção...30 2.2 Métodos contraceptivos...36 2.3 A esterilização como prática contraceptiva e a Lei do Planejamento familiar (Lei 9.263/96)...41 2.4 Planejamento familiar e a interrupção voluntária da gestação: a questão do aborto consentido...46 2.5 Planejamento familiar e igualdade de gênero: o papel dos homens no processo de planejamento familiar e na paternidade responsável...50

CONCLUSÃO...54

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como objeto de estudo o planejamento familiar, as diferentes formas de contracepção e especialmente a esterilização humana, todos à luz da Constituição Brasileira de 1988. Também, analisa os papeis de homens e mulheres e suas influências em decisões importantes quanto ao planejamento familiar.

O interesse sobre o tema do trabalho surge com a apreciação sobre a nova concepção de família e o planejamento familiar à luz da Constituição de 1988. A presente monografia analisará seus objetivos e os direitos e garantias fundamentais que protegem o núcleo familiar independentemente de como ele forma, o que traz ainda mais apreço pelo assunto. Também, há um entusiasmo em exibir o quão importante é a igualdade de gênero para um bom desenvolvimento familiar e para o planejamento deste. Por fim, dedicar-se em mostrar como é significativo uma paternidade responsável.

Seu objetivo é apresentar e discutir, a partir da nova concepção de família consagrada pela Constituição Brasileira 1988, e tendo como referência os direitos fundamentais a igualdade, a liberdade, a dignidade e a autonomia de vontade, a questão da contracepção e da esterilização humana, analisando sua influência no exercício ao direito de planejamento familiar e o papel de homens e mulheres neste processo.

No primeiro capítulo será abordado que a Constituição Brasileira de 1988 trouxe uma nova concepção de família, ao consagrar, em seu texto, a igualdade de direitos e

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obrigações entre homens e mulheres, ao reconhecer a união estável como entidade familiar e ao identificar como comunidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus dependentes.

Finalizando o estudo, o segundo capítulo abordará a liberdade sexual e contraceptiva, discutindo este tema a partir da igualdade de direitos e responsabilidades entre homens e mulheres e para a noção de paternidade responsável e mencionará que o Estado deve proporcionar recursos educacionais e científicos para o exercício do direito de planejamento familiar.

Em se tratando os objetivos gerais, a pesquisa restou de forma exploratória e empregou no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Em sua realização, foi desfrutado o método de abordagem hipotético-dedutivo, observando uma seleção de bibliografia e documentos afins à temática e em meios físicos e na Internet, reflexão crítica sobre o material selecionado e exposição dos resultados obtidos através de texto escrito monográfico.

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1 A NOVA CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA E O DIREITO AO PLANEJAMENTO FAMILIAR NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

A Constituição Brasileira de 1988 trouxe, em seu texto, uma nova concepção de família não apenas ao consagrar a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, mas também ao reconhecer a união estável, ao incorporar novas formas de família e ao identificar como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus dependentes.

O texto também inovou ao assegurar o direito ao planejamento familiar, fundando-o nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Apesar desta nova concepção, verifica-se que as pessoas, em geral, desconhecem seus direitos e obrigações e, por falta de conhecimento ou por medo, não lutam ou responsabilizam-se adequadamente por sua efetivação. A nova concepção de família na Constituição de 1988 mostra que a busca pelos direitos vale a pena.

Contudo, apesar das conquistas e do que já está consagrado na legislação brasileira, ainda há muito a se fazer, em especial no que tange aos direitos de igualdade e a autodeterminação, entendida como direito de fazer o que se quer com o próprio corpo, em especial quanto ao exercício da sexualidade e aos direitos reprodutivos. Outrossim, há um grande enfrentamento contra a discriminação e preconceitos com relação a igualdade de gênero, havendo necessidade de uma sociedade livre e igualitária.

1.1 Igualdade, liberdade, dignidade humana e autonomia de vontade como valores fundamentais do Estado Democrático de Direito

A constituição brasileira de 1988 reconheceu o Brasil como um Estado Democrático de Direito e inseriu em seu texto um conjunto de direitos e garantais fundamentais considerados essenciais ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana.

Entre os valores fundamentais encontram-se os princípios da dignidade, da igualdade e da liberdade, “bem como os princípios da proibição de retrocesso social e da proteção integral a crianças e adolescentes” (DIAS, 2016, s.p.) Estes são exemplos de princípios que independentemente da situação, sempre irão prevalecer e que tem fundamental importância no âmbito familiar.

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O princípio da dignidade humana é um dos mais nobres. Nesse sentido Bittar (apud, DIAS, 2016, s.p.), afirma que “o respeito à dignidade humana é o melhor legado da modernidade, que deve ser temperado para a realidade contextual em que se vive.”. Dito isso, a dignidade da pessoa humana é um princípio constitucional que a Constituição Federal de 1988 nos presenteou, pois em seu artigo 1º refere:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; [...] (BRASIL, 1988).

Nesse sentido, para Sarlet (2013, p. 20) a dignidade constitui

[...] uma qualidade inata (natural) do ser humano, como algo inerente à própria condição humana, parece correto afirmar, já em outro sentido, que a dignidade representa um valor especial e distintivo reconhecido em cada ser humano como sendo merecedor de igual respeito, proteção e promoção. Além disso, não se deverá olvidar que a dignidade constitui atributo reconhecido a qualquer ser humano, visto que, em princípio, todos são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas e integrantes da comunidade humana, ainda que não se portem de forma igualmente digna nas suas reações com seus semelhantes ou consigo mesmos. Que tal premissa é particularmente cara ao domínio do direito penal resulta evidente, pois implica, em linhas gerais e aqui sumariamente esboçadas, que mesmo alguém que pratique crimes que possam ser qualificados como cruéis e desumanos segue sendo pessoa e segue sendo titular de uma dignidade, sujeito, portanto, de um direito a não ser ele próprio tratado de forma indigna.

A importância deste direito fundamental é grande e isso se deve a quão relevantes as pessoas se mostraram na Constituição de 1988, isso porque, segundo Kant (apud SILVA, 1998 p. 90) “o homem não é uma coisa, não é, por consequência, um objeto que possa ser tratado simplesmente como meio, mas deve em todas as suas ações ser sempre considerado com um fim em si”.

Portanto, o porquê do fundamento dignidade da pessoa humana relaciona-se a definição de dignidade, qual seja, “é atributo intrínseco, da essência da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente. Assim a dignidade entranha e se confunde com a própria natureza do ser humano.” (KANT, apud SILVA, 1998, p. 91).

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Ademais, no que se refere a igualdade na justiça, o tratamento igualitário foi uma novidade da filosofia nos séculos XVII e XVIII “consagrada em todas as Declarações de Direito do Homem, que se seguiram às Revoluções Liberais, até se converter um dogma jurídico-político nos Estados Modernos.” (TABORDA, 1998, p. 250-251).

Ainda, apesar de os estudos da ciência referir que ninguém é exatamente semelhante a outro ser humano, que não existe nenhum ser igual a outro, no direito todos são iguais (TABORDA, 1998). Veja-se, a Constituição Federal, em seus artigos 3º e 5º, mencionam:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...] IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. [...] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (BRASIL, 1988).

Isso significa que perante a lei, todos são iguais porque “todos os indivíduos são dotados de igual valor e dignidade.” (BARROSO, 2011, p. 120). Mas a igualdade exige também o reconhecimento das diferenças, pois é necessário tratar os desiguais desigualmente para haver igualdade material. Porém, a realidade não é tão bela quanto a norma, tendo em vista que o tratamento deve ser igual a todos, ensejando a qualquer indivíduo uma igualdade efetiva perante os bens da vida (TABORDA, 1998).

Desse modo, as normas devem ser elaboradas e interpretadas com base na Constituição. Com intuito de afirmar a igualdade material são previstos direitos sociais e também são recomendadas ações afirmativas, no sentido de superação das desigualdades historicamente construídas e que relegaram grupos sociais a condição de subordinação ou de desigualdade concreta. Deste modo as ações afirmativas é que fazem a diferença (LENZA, 2011).

Aliás, a ideia de igualdade sempre teve interligada com a ideia de liberdade. Começando pela política, onde o homem passa a ser visto como sujeito de direitos e as distinções entre governados e governantes diminuem. Haja vista que a igual atuação dos cidadãos na democracia é a forma de possibilidade de assunção dos governantes (TABORDA, 1998).

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O valor da liberdade na Constituição está presente no artigo 5º, em diversos incisos. No inciso II está consagrado o direito à liberdade de autodeterminação, quando se afirma que “II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; [...]”. Do mesmo modo, nos incisos IV e VI estão previstas a liberdade de manifestação de pensamento e de consciência. Segundo eles “IV- é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e “VI- é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (BRASIL, 1988).

Os incisos IX, XV, XVI e XVII do art. 5º asseguram, respectivamente, a liberdade de manifestação da atividade intelectual, o direito de ir e vir e o direito a liberdade de reunião e associação.

[...] IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; [...] (BRASIL, 1988).

A consagração dos direitos de liberdade está vinculada com a ideia de um Estado liberal, pois a eficácia dos direitos fundamentais “tem por efeito impedir interferência estatal na vida privada dos cidadãos.” (LEITE, 2011, p. 34).

A liberdade é uma bandeira levantada para proteger os bens mais preciosos dos seres humanos frente aos abusos ou intervenções excessivas do Estado. Quem viola a liberdade de um homem, viola sua essência mais profunda (SIMMEL, 2005).

Quanto mais o Estado permite o homem ser quem ele realmente é, mais forte ele fica, e mais contribuição ele pode dar. Isso quer dizer, que os indivíduos não necessitam de intervenções reguladoras em suas relações pessoais. A inserção do Estado na vida pessoal das pessoas gera um fraco resultado de desenvolvimento (SIMMEL, 2005).

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Diante disso, deve-se deixar que o homem haja de acordo com a sua personalidade. Isso não significa que as pessoas não têm que seguir nenhuma regra ou norma, contudo, quer dizer que cada um tem uma forma de pensar, e isso é natural, ninguém é igual ou tem que agir da mesma forma o tempo todo. A singularidade de cada um aperfeiçoa e engrandece a sociedade, contanto que se permita isso, que se permita a liberdade.

Seguindo nessa mesma linha, qualquer pessoa é autônoma, capaz de decidir sobre coisas pessoais e escolher seu próprio caminho no mundo. Respeitar isso é ter consideração acerca de suas escolhas. Com relação a isso a autonomia de vontades é um direito fundamental em nosso Estado Democrático de Direito (GOLDIM, 2004).

O princípio da autonomia de vontade vem do interesse de construir regras para benefício próprio, “criar suas próprias regras”, segundo Segre, Leopoldo e Schramm (2009):

[...] "autonomia" vem do grego autonomia, palavra formada pelo adjetivo pronominal autos _ que significa ao mesmo tempo "o mesmo", "ele mesmo" e "por si mesmo" _ e nomos _ que significa "compartilhamento", "lei do compartilhar", "instituição", "uso", "lei", "convenção". Nesse sentido, autonomia significa propriamente a competência humana em "dar-se suas próprias leis". Filosoficamente, "autonomia" indica a condição de uma pessoa ou de uma coletividade, capaz de determinar por ela mesma a lei à qual se submeter. Seu antônimo é "heteronomia".

Por isso esse princípio é fundamental na Constituição Brasileira de 1988, pois a autonomia de vontade não é um princípio especifico do Direito, mas de toda e qualquer área ou ciência. As discussões sobre autonomia, desde sempre envolveu com uma questão de liberdade, à vista disso, tem-se a visão que “a humanidade atinge a maturidade quando o homem obedece às normas de sua própria razão.” (SEGRE, LEOPOLDO, SCHRAMM, 2009, s.p.).

Nesse sentido, Rousseau citado por Segre, Leopoldo e Schramm (2009, s.p.), refere que “o cidadão é ao mesmo tempo soberano porque legisla e súdito porque está vinculado a esta legislação, isto é, o fundamento da obediência à lei está em que aquele que a obedece participou de sua formulação”. Ainda, para Kant (apud SEGRE, LEOPOLDO e SCHRAMM 2009, s.p.) “a razão prática tem a capacidade de dar-se suas próprias leis. A autonomia deriva de que aquele que obedece à lei obedece apenas a si próprio, ou seja, é livre.”.

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1.2 A nova concepção de família na Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 1988 traz vários dispositivos concernentes a família e ao desenvolvimento familiar, a princípio, pode-se citar o artigo 226, que refere:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (BRASIL, 1988).

Durante vários séculos somente a família matrimonial, constituída entre o homem, a mulher e os filhos havidos na constância do casamento era considerada “normal”, sendo qualquer outro tipo de núcleo familiar, alvo de preconceito. “A Constituição de 1988 foi um marco normativo que possibilitou a ampliação do conceito de família”, esta trouxe novos paradigmas de família, novos conceitos e concepções libertadoras para muitos. Isso não significa que o antigo conceito decaiu, porém, significa que todos os modelos estão corretos. “É um pluralismo diversificado que mostra a possibilidade de autonomia de vontade, haja vista que ao indivíduo é permitido a escolha da própria organização familiar [...]” (MENEZES, 2009, p. 119-132).

Os princípios de igualdade, liberdade, autonomia de vontade e principalmente da dignidade humana foram inspirações para que as pessoas pudessem viver de acordo com que cada um acredita ser correto, levando sempre e principalmente, em consideração o afeto. Desse modo a entidade familiar ultrapassa qualquer preceito judicial, sendo essencial o elo de sentimento que há entre os componentes do grupo familiar (ALVES, 2007).

Nesse sentido, a organização familiar alterou-se em relação às mudanças sociais, sobre isso Hironaka (apud Alves, 2007) menciona:

[...] é uma entidade histórica, ancestral como a história, interligada com os rumos e desvios da história ela mesma, mutável na exata medida em que mudam as estruturas e a arquitetura da própria história através dos tempos (...); a história da família se confunde com a história da própria humanidade

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Apesar disso, por um tempo, “equivocadamente, pretendeu controlar a dinâmica social, pois tentou impor à sociedade um conceito único de família ao prever que apenas o casamento poderia legitimar a formação deste ente”. Nesse seguimento, Alves (2007) narra que:

A escolha do casamento como meio único de constituição da família deu-se por dois motivos essenciais. O primeiro foi o fato de, em decorrência da sociedade brasileira sempre ter tido a propensão de cultivar as tradições cristãs, tal instituto já se encontrar impregnado na cultura nacional. O segundo motivo reside na solenidade e publicidade inerentes ao rito matrimonial: essas características, por certo, gerariam uma segurança jurídica, a qual era favorável à manutenção do compromisso assumido pelos nubentes.

Diante disso, vê-se que nessa época a felicidade e o afeto não eram avaliados antes da formação de uma entidade familiar. Eram fingidos o amor e a felicidade entre os membros das famílias, pois na separação um componente, geralmente a mulher, perdia automaticamente a guarda dos filhos, os direitos ao nome de casado e aos alimentos (ALVES, 2007).

Toda essa situação de preconceitos perdurou até o século XX, momento em que a Constituição de 1988, inspirada em movimentos sociais e feministas, chegou com novos paradigmas e possibilidades de liberdade pessoal. Assim, atualmente as relações familiares são mais verdadeiras, pois levam em consideração o sentimento de afeto e o desejo de permanecer unidos e não um sentimento de escravidão de ter obrigação de permanecer ao lado de pessoas que só lhe fazem mal (ALVES, 2007).

A partir desse pressuposto a família sobreveio na Constituição de 1998 com:

[...] papel único e específico de fazer valer, no seu seio, a dignidade dos seus integrantes como forma de garantir a felicidade pessoal de cada um deles. A construção de sonhos, a realização do amor, a partilha do sofrimento, enfim, os sentimentos humanos devem ser compartilhados nesse verdadeiro LAR, Lugar de Afeto e Respeito. (ALVES, 2007).

Também nessa linha de pensamento Azevedo (apud, ALVES, 2007) ressalta que “o amor é mais importante do que tudo na família (...) o mútuo auxílio material e espiritual entre os esposos, sua convivência amorosa, é mais importante do que a própria formalidade que faz nascer a família”.

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Em razão disso existe um novo paradigma de família, aquele que reconhece a união estável (art. 226, parágrafo 3º), a família monoparental (art. 226, parágrafo 4º) e a união entre homossexuais.

Quanto à união entre homossexuais, apesar de ainda haver muitos argumentos preconceituosos com relação a esse tema, o mais utilizado é com referência a procriação. Todavia, se existe um relacionamento firme, duradouro e com intuito de constituir uma família, ela pode ser constituída por outros meios (BARROSO, 2011, p. 122).

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a união civil entre pessoas do mesmo sexo, afirmou a relevância social e jurídico-constitucional da questão, atribuindo valor legal as uniões homoafetivas, reconhecendo-as como entidade familiar.

Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual. Os homossexuais, por tal razão, têm direito de receber a igual proteção tanto das leis quanto do sistema político-jurídico instituído pela Constituição da República, mostrando-se arbitrário e inaceitável qualquer estatuto que puna, que exclua, que discrimine, que fomente a intolerância, que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual. RECONHECIMENTO E QUALIFICAÇÃO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR. - O Supremo Tribunal Federal - apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios esapoiando-senciais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) - reconhece assistir, a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em conseqüência, verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares. (BRASIL, 2011).

Deste modo a corte máxima brasileira passou a reconhecer as uniões homoafetivas o mesmo regime jurídico das uniões estáveis entre pessoas de gênero diferente. Nestes termos:

A extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da própria Constituição da República (art. 1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à

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qualificação das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie

do gênero entidade familiar. - Toda pessoa tem o direito

fundamental de constituir família, independentemente de sua orientação sexual ou de identidade de gênero. A família resultante da união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de sexo distinto que integrem uniões heteroafetivas. (BRASIL, 2011).

Tal interpretação também foi pautada no direito a felicidade e ao afeto como um dos principais fundamentos da família.

O reconhecimento do afeto como valor jurídico impregnado de natureza constitucional: um novo paradigma que informa e inspira a formulação do próprio conceito de família. Doutrina. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. - O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina. - O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. - Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. (BRASIL, 2011).

Em atenção à dignidade da pessoa humana e a liberdade é que se deve dar mais proteção e estimulo às minorias, baseado na felicidade das pessoas, o bem mais precioso que se pode carregar dentro de cada indivíduo.

A proteção das minorias e dos grupos vulneráveis qualifica-se como fundamento imprescindível à plena legitimação material do Estado Democrático de Direito. - Incumbe, por isso mesmo, ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guarda da Constituição (o que lhe confere “o monopólio da última palavra” em matéria de interpretação constitucional), desempenhar função contra majoritária, em ordem a dispensar efetiva proteção às minorias contra eventuais excessos (ou omissões) da maioria, eis que ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, à autoridade hierárquico-normativa e aos princípios superiores consagrados na Lei Fundamental do Estado. Precedentes. Doutrina. (BRASIL, 2011).

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Em que pese não haver, no Brasil, norma específica mencionando a possibilidade de relacionamento homoafetivo, pois ainda há incertezas em relação a como o Direito deve lidar com o tema, as decisões do Supremo Tribunal Federal têm sido importantes para reconhecer esta nova forma de entidade familiar, em que pese às dificuldades de aceitação social. Contudo a ideia é criar uma sociedade sem preconceito ou discriminação. (BARROSO, 2011).

Porém a ausência de preceitos normativos não pode ser um empecilho para possibilidade de pessoas do mesmo sexo formar uma entidade familiar. Barroso (2011, p. 106) expõe duas teses para possibilitar resoluções:

A tese principal é a de que um conjunto de princípios constitucionais impõe a inclusão das uniões homoafetivas no regime jurídico da união estável, por se tratar de uma espécie em relação ao gênero. A tese acessória é a de que, ainda quando não fosse uma imposição do texto constitucional, a equiparação de regimes jurídicos decorreria de uma regra de hermenêutica: na lacuna da lei, deve-se integrar a ordem jurídica mediante o emprego da analogia. Como as características essenciais da união estável previstas no Código Civil estão presentes nas uniões estáveis entre pessoas do mesmo

sexo, o tratamento jurídico deve ser o mesmo.

Apesar da falta de normas nesse sentido, o Estado tem tido uma postura de grande reconhecimento nas relações homoafetivas. Contudo não se pode dizer que esse seja uma posição dominante. Nesse aspecto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CÍVEL. CASAMENTO HOMOSSEXUAL. HABILITAÇÃO.

AUSÊNCIA DE POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.

ENTIDADE FAMILIAR. NÃO CARACTERIZAÇÃO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 226, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 1.514, 1.517, 1535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL QUE TIPIFICAM A REALIZAÇÃO DO CASAMENTO SOMENTE ENTRE HOMEM E MULHER. Ao contrário da legislação de alguns países, como é o caso, por exemplo, da Bélgica, Holanda e da Espanha, e atualmente o estado de Massachussetts, nos USA, que prevêem o casamento homossexual, o direito brasileiro não prevê o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Na hipótese, a interpretação judicial ou a discricionariedade do Juiz, seja por que ângulo se queira ver, não tem o alcance de criar direito material, sob pena de invasão da esfera de competência do Poder Legislativo e violação do princípio republicano de separação (harmônica) dos poderes. (RIO GRANDE DO SUL, 2009).

Deste modo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve uma posição diversa da corte máxima brasileira sobre as uniões homoafetivas, pois a decisão baseou-se somente em dispositivos legais. Nestes termos:

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Ainda que desejável o reconhecimento jurídico dos efeitos civis de uniões de pessoas do mesmo sexo, não passa, a hipótese, pelo casamento, instituto, aliás, que já da mais remota antiguidade tem raízes não somente na regulação do patrimônio, mas também na legitimidade da prole resultante da união sexual entre homem e a mulher. Da mesma forma, não há falar em lacuna legal ou mesmo de direito, sob a afirmação de que o que não é proibido é permitido, porquanto o casamento homossexual não encontra identificação no plano da existência, isto é, não constitui suporte fático da norma, não tendo a discricionariedade do Juiz a extensão preconizada de inserir elemento substancial na base fática da norma jurídica, ou, quando não mais, porque o enunciado acima não cria direito positivo. Tampouco sob inspiração da constitucionalização do direito civil mostra-se possível ao Juiz fundamentar questão de tão profundo corte, sem que estejam claramente definidos os limites do poder jurisdicional. Em se tratando de discussão que tem centro a existência de lacuna da lei ou de direito, indesviável a abordagem das fontes do direito e até onde o Juiz pode com elas trabalhar. (RIO GRANDE DO SUL, 2009).

Com isso pode-se dizer que qualquer pessoa tem livre arbítrio para decidir com quem se relaciona ou como se relaciona. O principal estímulo na briga pelo poder de decidir como e quando se deve formar um núcleo familiar é a felicidade.

Contudo, o que realmente importa é ter família, pertencer a algum grupo social que lhe dá amor, paz e segurança, não como ele é formado. Nessa linha, Alves (2007, s.p.) menciona “entende-se que a família não é apenas uma instituição de origem biológica, mas, sobretudo, um organismo com nítidos caracteres culturais e sociais”.

Assim, a família é um núcleo social, no qual se aprende como se viver em sociedade. Nesse núcleo familiar as pessoas têm deveres constitucionais “de assegurar às crianças a sociabilidade, a educação básica, e a saúde, bem como o de proteção e cuidado com a pessoa do idoso” (MENEZES, 2009, p. 119-132), não importando como ela é formada.

1.3 Direitos reprodutivos e planejamento familiar

Os direitos reprodutivos têm relação à igualdade, à liberdade e à autonomia de vontade e não com sujeição a uma lei exterior ou à vontade de outrem. Nesse ponto de vista, Mattar (2008, p. 61) descreve:

Os direitos reprodutivos referem-se, resumidamente, ao direito de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade

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de ter filhos, bem como o direito a ter acesso à informação e aos meios para a tomada desta decisão.

Contudo, anteriormente as mulheres eram submetidas a regras impostas pela sociedade, não tinham domínio sobre seus próprios corpos sendo que tais submissões, muitas vezes, eram impostas a elas com violência para manter-se a mulher como “deveria ser”, com uma visão conservadora (ÁVILA, 2003).

Até o século XVII, o humano era representado pelos homens, pois se entendia que a mulher era um corpo de homem não desenvolvido. Somente no século XVIII que a mulher começou a ser reconhecida como sexo biológico diferente (VILLELA; ARILHA apud MATTAR, 2008).

Nesse sentido, passou-se a pensar que o papel da mulher era procriar e cuidar dos filhos zelando pelo seu desenvolvimento. Com isso, acreditava-se que elas não seriam capazes de realizar qualquer outra função e que aos homens incumbia o papel de realizar toda e qualquer outra função (MATTAR, 2008).

Entretanto, segundo Mattar (2008), a partir da segunda metade do século XX, o excessivo crescimento populacional começava a preocupar, o que fez com que medidas preventivas e paliativas fossem consideradas necessárias, não tanto para assegurar proteção à saúde da mulher ou para assegurar-lhe autonomia reprodutiva, mas, sobretudo para frear o crescimento desenfreado. Assim, o desenvolvimento da ciência farmacêutica aliada à outra visão sobre o crescimento populacional permitiu que se considerasse a possibilidade de dar à mulher a autodeterminação reprodutiva, limitando o número de sua prole.

“O movimento populacional, durante a década de 60, chamado de neomalthusiano previu que se não fosse revertida a curva de crescimento populacional o mundo se destruiria.” (MATTAR, 2008, p. 67). Com base nisso, foram criados métodos contraceptivos para garantir os direitos reprodutivos e, além disso, estabeleceu-se que aos casais e aos indivíduos deveriam ser fornecidas informações e educação para o melhor uso desses métodos.

Com relação a isso, a mulher passou a ter direito a serviços de saúde, sendo que qualquer restrição vinculada ao acesso passou a ser considerado como violação aos direitos

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humanos. A relação entre saúde e direitos reprodutivos exigiu que se passasse a pensar nas necessidades criadas pela vivência reprodutiva, o que exigia ações do Estado construir políticas destinadas ao bem-estar em todos os campos “gravidez, parto, puerpério, aleitamento materno, concepção, contracepção, aborto, doenças sexualmente transmissíveis e a violência sexual” (ÁVILA, 2003, p. 468).

É importante lembrar a influência positiva que a atuação do Estado nesse sentido gera na vida das pessoas, tendo em vista que tratamentos relacionados à saúde na vida reprodutiva não só proporcionam uma vida saudável, mas também deixa a mente saudável (ÁVILA, 2003). Igualmente é essencial um tratamento psicológico, isso fornece uma segurança para os indivíduos, deixando-os com mais confiança para ter uma boa atuação com relação à vida reprodutiva.

Ademais, quanto a ideias contemporâneas, a ideia de planejamento familiar também nasce com a crise do crescimento populacional e visa permitir a aplicação de procedimentos contraceptivos para limitar o número de filhos por família.

Atualmente o planejamento familiar é um tema cotidiano, tendo em vista a abordagem da imprensa com relação aos temas como “mortalidade materna, aborto, esterilização, reprodução assistida ou outros relacionados à procriação” (COSTA, 2009, s.p.).

Os critérios usados por famílias ou casais para definir quantidade de sua prole varia entre a renda, no qual o princípio da sustentabilidade familiar está presente, e o bom desenvolvimento de seus membros, além de elementos étnicos, religião, e de classe social. Apesar das famílias possuírem rituais, valores e uma dinâmica própria, o interesse e motivos de planejamento familiar mudaram com o passar dos anos (SANTOS; FREITAS, 2011).

A correta perspectiva do sistema familiar deveria ser determinada com o conjunto de pessoas que dividem o dia a dia, desenvolvendo uma elevação na qualidade de vida e do bem-estar de seus membros. Nesse sentido, Costa (2009, s.p.) traz um conceito de planejamento familiar “[...] planejamento familiar não se restringiria apenas aos aspectos procriativos, mas abrangeria o conjunto das necessidades e aspirações de uma família, incluindo moradia, alimentação, estudo, lazer, etc.”

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O planejamento familiar, na Constituição de 1988, está consagrado no artigo 226, § 7º:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (BRASIL, 1988).

Planejamento familiar é, portanto “(...) mais do que contracepção, é também concepção, ou seja, um projeto global de vida que envolve pais, filhos, sociedade e Estado, com o conjunto de respectivos direitos e deveres” (CASTANHO, 2014, p. 15).

A partir desse pressuposto, pode se dizer que planejar é conduzir um projeto, um projeto para vida inteira, pois não se planeja uma família pensando-se no seu fim, mas no futuro. Contudo, nesse planejamento deve haver direito à liberdade, a fim dela poder ser desfeita quando qualquer uma das partes assim decidir, para o bem dela ou para o bem comum (CASTANHO, 2014).

A família, ao longo dos anos, passou por várias alterações, evidenciando mudanças em sua estrutura organizacional e em sua maneira de viver, deixando de ser uma família patriarcal, considerando a emancipação feminina. Além disso, em que pese às mudanças mencionadas.

[...] ao longo dos tempos, o instituto da família mantém grande importância perante o Estado, por desempenhar importante papel social, mormente no que diz respeito à promoção da dignidade da pessoa humana e integração de seus membros junto à sociedade (CASTANHO, 2014, p. 21).

No que diz respeito à emancipação feminina na instituição familiar, esta não chegou aos lares somente pela vontade das mulheres em participar da administração do lar, mas também por força de políticas públicas de controle. Este é o sentido da abordagem de Castanho (2014) quando observa que:

No século XIX, marcado pela atuação da medicina higienista, a mulher, vista como forte aliada para o exercício do controle dentro do grupo familiar, foi encorajada à nova disciplina doméstica que incluía a administração do lar, cuidados com alimentação, higiene, gestação e educação das crianças - os adultos do futuro. Este novo papel atribuído à mulher permitia que ela fosse reconhecida e valorizada na sociedade, e ser uma boa mãe lhe trazia uma

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condição de prestígio social. Aos poucos a mulher deixou de ser vista apenas como objeto decorativo ou mera reprodutora no seio da família [...] (CASTANHO, 2014, p. 25).

Nota-se, dessa forma, que a inserção da mulher na administração do lar veio com um grande interesse, a preocupação que os homens tinham com quem estava educando e criando o futuro do mundo, as crianças. Nessa época, também se percebeu que casamentos arranjados e consanguíneos geravam crianças mentalmente perturbadas ou doentes. Com isso, passou-se a ser considerada a possibilidade do casamento entre homens e mulheres que tinham sentimentos recíprocos (CASTANHO, 2014).

Esta é a realidade que hoje se vivencia, ao menos no plano normativo. Com o reconhecimento dos direitos das mulheres e da igualdade a Constituição Brasileira de 1988 reconheceu novos modelos de família, a serem construídos a partir da perspectiva afetiva e orientados pelos valores da igualdade, da liberdade e da autonomia de vontade, nos quais o planejamento familiar deve se fazer presente como uma responsabilidade compartilhada.

Contudo, apesar do novo parâmetro de planejamento familiar proposto, a realidade ainda é bem diferente. Isso porque algumas famílias de baixa renda ainda têm dificuldades em realizar esta espécie de planejamento, tendo em vista que em alguns lugares do país a taxa de fecundidade ainda é alta, seja por uma questão cultural ou por falta de políticas públicas efetivas. E também porque a responsabilidade pelas questões reprodutivas ainda recai de modo quase exclusivo por sobre a figura feminina.

1.4 Igualdade de gênero e paternidade responsável: a perspectiva legal e a realidade brasileira

Apesar da igualdade de gênero estar prevista na Constituição Brasileira de 1988 e o planejamento familiar ser considerado responsabilidade do casal, observa-se, na prática, que incumbe preferencialmente às mulheres a responsabilidade por grande parte das questões que se referem à família. Isso deriva, em grande medida, das diferenças ainda existentes entre os gêneros, o que faz com que mulheres sejam vistas não apenas como subordinadas ou inferiores, mas especialmente como as maiores responsáveis pelas questões familiares.

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As expressões gênero e sexualidade não significam a mesma coisa. Sobre esta questão Facio e Fries (1999, p. 14) mencionam que “El origen del concepto de género y su distinción del de sexo se debe a investigaciones em torno a varios casos de niñas y niños que habían sido asignados al sexo al que no ertenecían genética, anatómica y/u hormonalmente.”. Ou seja, o gênero não tem base biológica, mas deve-se a construção cultural, e tem por base aspectos sentimentais, sociais, e sexuais e tem por base os comportamentos socialmente atribuídos a homens e mulheres, ao passo que o sexo se refere a condição biológica do indivíduo.

A diferença dos gêneros sempre esteve presente no mundo, tendo sido construída a partir das relações desiguais de poder existentes na sociedade. Sobre tal questão Facio e Fries (1999, p. 6) referem que:

la diferencia mutua entre hombres y mujeres se concibió como la diferencia de las mujeres con respecto a los hombres cuando los primeros tomaron el poder y se erigieron en el modelo de lo humano. Desde entonces, la diferencia sexual ha significado desigualdad legal em perjuicio de las mujeres.

Janet Saltzmann (apud FACIO e FRIES,1999, p. 6) também mencionam que em todos os lugares existe uma distinção entre homens e mulheres, e sempre há uma inferioridade com relação as mulheres. No texto também é referido que isso é uma coisa cultural e que em todos os lugares têm algumas características comuns, quais sejam:

1) una ideología y su expresión en el lenguaje que explícitamente devalúa a las mujeres dándoles a ellas, a sus roles, sus labores, sus productos y su entorno social, menos prestigio y/o poder que el que se le da a los de los hombres; 2) significados negativos atribuidos a las mujeres y sus actividades a través de hechos simbólicos o mitos (que no siempre se expresan de forma explícita); y 3) estructuras que excluyen a las mujeres de la participación en, o el contacto com los espacios de los más altos poderes, o donde se cree que están los espacios de mayor poder tanto en lo económico y lo político como en lo cultural. [...] 4) el pensamiento dicotómico, jerarquizado y sexualizado, que lo divide todo em cosas o hechos de la naturaleza o de la cultura, y que al situar al hombre y lo masculino bajo la segunda categoría, y a la ujer y lo femenino bajo la primera, erige al hombre en parámetro o paradigma de lo humano, al tiempo que justifica la subordinación de las mujeres en función de sus pretendidos “roles naturales.

Desse modo, pode-se perceber que apesar dos motivos, a diferença de gênero é cultural, pois está historicamente enraizada, não sendo só “coisa” de homem, mas de todos. Uma alteração de papeis não basta, porém, uma reorganização da sociedade em vários pontos,

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como religião, ciência, política, economia, etc. talvez fosse uma solução (FACIO; FRIES 1999).

Nesse sentido, ocorreu a elaboração de leis para haver igualdade de gênero, com a intenção de “[...] promover la realización personal y colectiva de quienes hacen parte de una comunidad, en paz y armonía.” (FACIO; FRIES, 1999, p. 7). Contudo, a finalidades dessas ainda não se cumpriu.

Apesar dos vários comentários machistas e preconceituosos sobre o feminismo, foi através dele que o assunto “igualdade de gênero” se sobrepôs perante o mundo. Assim, uma maneira melhor de lidar com a função social das leis sobre igualdade de gênero é encarar a diversidade como uma circunstância boa (FACIO; FRIES, 1999).

O projeto feminista não tem só intuito de elevar o sexo feminino, pois analisa também as diferentes formas de ser homem e mulher, colocando-se contra as ações convencionais/tradicionais de ambos os sexos, buscando desmantelar relações sociais cotidianas baseadas na desigualdade e na subordinação feminina. (SANTAMARÍA; SALGADO; VALLADARES, 2009).

Ademais, essas relações diversificadas não devem se limitar apenas na interação do lar, mas isso está relacionado a um sentido amplo, referindo-se ao trabalho, centro comercial e qualquer outra instituição em que haja um convívio de pessoas, um pluralismo de gêneros (SANTAMARÍA; SALGADO; VALLADARES, 2009).

A igualdade entre os gêneros não deveria ser tão complicada, porém para alguns ainda é difícil admitir que uma mulher tenha o direito de optar pelo trabalho ao invés de cuidar do lar. Para um homem comum, aquele que não se diz apto para cuidar do lar e trabalhar, é complicado admitir que uma mulher o faça com tanta presteza.

Apesar de tamanha mudança no mundo atual, ainda se escuta muito do sexo masculino “eu não vou fazer isso, é coisa de mulher” (referindo-se as tarefas domésticas). O mais triste é que ainda há várias culturas no ocidente que não permitem que uma mulher sequer saia de casa com a face exposta, imagina trabalhar fora ou ter uma social como a do homem.

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Além de todos os direitos iguais que se luta pelo sexo feminino, o maior de todos dos enfrentamentos relaciona-se ao seu próprio corpo, o livre acesso e poder decisão. O poder de decidir sobre métodos contraceptivos e esterilização (SANTAMARÍA; SALGADO; VALLADARES, 2009).

Nesse contexto, com relação aos direitos reprodutivos e as decisões relacionadas à família, mostra-se um predomínio das mulheres nos grupos de planejamento familiar que se reitera em vários serviços. O mais enigmático é como as mulheres brasileiras conseguem dar conta de ligar com a reprodução em uma escassa ou quase nula participação masculina. Desde sempre a mulher lidou com os problemas do lar sozinha, enquanto os homens trabalhavam, ela ficava em casa com os filhos tomando conta da casa. Atualmente esta cultura ainda está presente, pois além da vida no mercado do trabalho, a mulher tem as tarefas internas familiares. Isso expõe que apesar de tantas conquistas o machismo é muito presente como forma de dominação do homem sobre a mulher (MARCOLINO; GALASTRO, 2001).

A luta feminina é por um envolvimento maior do homem no planejamento familiar, partindo do pressuposto que a concepção é resultante da interação sexual entre homem e mulher e que por sua natureza depende de esforços dos parceiros igualmente envolvidos. Entretanto, o papel limitado que os homens desempenham na contracepção apresenta a falta de interesse dos homens em planejar suas famílias (MARCOLINO; GALASTRO, 2001).

Acerca da visão dos homens na participação do planejamento familiar, Marcolino e Galastro, mencionam que (2001, p. 82):

A maioria dos discursos dos homens aponta a sua participação no planejamento familiar como consequência de sua preocupação com as condições financeiras para cuidar da família. Essa preocupação é decorrente do papel que a sociedade atribui ao homem, como o principal provedor da família.

Diante disso, nota-se que os padrões culturais em vários grupos de uma mesma sociedade é uma participação limitada do homem, manifestando que para ele tem maior relevância uma paternidade positiva na esfera patrimonial. O gênero masculino sente que sua responsabilidade é apenas financeira (MARCOLINO; GALASTRO, 2001).

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Os papeis que os homens e mulheres assumiam e que muitos ainda assumem atualmente mostram que há necessidade de uma maior responsabilidade masculina no planejamento familiar, na escolha de métodos de contracepção, na criação e educação dos filhos e nas tarefas domésticas. É um reexame de papeis que deve ser feito com cautela, devendo o homem encarar a família como uma atribuição em todos os acontecimentos do lar, percebendo que seu encargo não é apenas financeiro. Quanto à mulher, deve haver uma imposição por sua parte para que isso ocorra de uma maneira satisfatória para ambos (MOREIRA; ARAÚJO, 2004).

A sociedade evoluiu muito em pouco tempo, principalmente com relação à igualdade de gênero, porém a mulher ainda é principal responsável pelas questões reprodutivas e tarefas do lar. Entretanto, a culpa não é só do homem, predominantemente as assistências e programas quanto ao planejamento familiar são voltados com maior relevância para as mulheres, não sendo uma visão somente masculina, mas uma questão cultural (MARCOLINO; GALASTRO, 2001).

Assim, vê-se a importância da igualdade de responsabilidades nesse campo, principalmente para uma melhor estruturação familiar.

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2 CONTRACEPÇÃO E ESTERILIZAÇÃO HUMANA: CONSIDERAÇÕES À LUZ DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O princípio da dignidade da pessoa humana é inerente à pessoa e está elencado no rol de direitos fundamentais da Constituição Brasileira de 1988. Em prol desse princípio, podemos englobar vários direitos pertencentes ao povo brasileiro.

Apesar de discriminações, o direito a sexualidade é um direito fundamental à pessoa e nega-lo a qualquer um, por sua opção sexual, raça, gênero, ou deficiência é preconceito. Nesse sentido, o Estado deve fornecer a todos, indiscriminadamente, políticas públicas satisfatórias em relação à sexualidade com segurança e métodos contraceptivos adequados a cada tipo de pessoa, seja ela mulher ou homem.

Além disso, apesar de muitas tentativas e muitas mudanças, ainda há muito a se discutir e rever conceitos culturais quando o assunto é igualdade de gênero, principalmente no que se refere ao planejamento familiar. A paternidade responsável é importante para a criação e educação dos filhos, tanto quanto no auxílio à mulher em todas as etapas do planejamento familiar, do método contraceptivo até ao número de filhos do casal.

2.1 Dignidade humana, sexualidade e direito à contracepção

A dignidade humana é um dos fundamentos da nossa Constituição Federal e está protegida por ela, reconhecida sua existência e eminência, é valor supremo da ordem jurídica. A dignidade é um dos princípios gerais do direito, não estando posta somente na Constituição de 1988, como nas muitas doutrinas jurisdicionais por ser um dos conceitos que estrutura o ordenamento (SILVA, 1998).

Posto, então, este princípio em nossa Constituição, deixa de ser apenas um fundamento da ordem jurídica, mas igualmente da ordem social e cultural, tendo sua natureza de valor supremo “que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida” (SILVA, 1988, p. 92).

O princípio da dignidade da pessoa humana é muito discutido, por ser defensor dos “criminosos”, ocorre que, a dignidade não é um atributo intrínseco do comportamento da

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pessoa. Esse fundamento do Estado Democrático de Direito é direito fundamental e não pode se apartar da ordem jurídica tendo em vista o comportamento humano (SILVA, 1998). Nesse sentido:

A dignidade acompanha o homem até sua morte, por ser essência da natureza humana, é que ela não admite discriminação alguma e não estará assegurada se o indivíduo é humilhado, discriminado, perseguido ou depreciado, pois, como declarou o Tribunal Constitucional da República Federal da Alemanha, “à norma da dignidade da pessoa humana subjaz a concepção da pessoa coo um ser ético-espiritual que aspira a determinar-se e a desenvolver-se a si mesma em liberdade”. Aliás, Kant já afirmava que a autonomia (liberdade) é o princípio da dignidade da natureza humana e de toda natureza racional, considerada por ele um valor incondicionado, incomparável, que traduz a palavra respeito, única que fornece a expressão conveniente da estima que um ser racional deve fazer dela (SILVA, 1998, p. 93).

O reconhecimento da dignidade humana resulta-se da “evolução do pensamento humano a respeito do que significa este ser humano e de que é a compreensão do que é ser pessoa e de quais os valores que lhe são inerentes” (SARLET, 2007, p. 362). Assim, não há como desconhecer a proteção a promoção da dignidade da pessoa no Direito.

Nessa perspectiva, Jürgen Habermas apud Sarlet (2007, p. 371-372) refere:

[...] considerando que a dignidade da pessoa, numa acepção rigorosamente moral e jurídica, encontra-se vinculada à simetria das relações humanas, de tal sorte que a sua intangibilidade (o grifo é do autor) resulta justamente das relações interpessoais marcadas pela recíproca consideração e respeito, de tal sorte que apenas no âmbito do espaço público da comunidade da linguagem, o ser natural se torna indivíduo e pessoa dotada de racionalidade. Assim, como bem destaca Hasso Hofmann, a dignidade necessariamente deve ser compreendida sob perspectiva relacional e comunicativa, constituindo uma categoria da co-humanidade de cada indivíduo.

Quanto à dignidade humana referente à sexualidade, em nosso ordenamento jurídico, “a pretexto de dar proteção à sexualidade”, por muito tempo, foram mantidos dispositivos com o teor “mulher honesta” em uma concepção ultrapassada de dominação masculina (TORRES, 2011). Nessa continuidade:

[...] a edição da Lei n. 11.106/2005, para que alguém fosse condenado pelo crime de rapto (Código Penal, artigo 219. Raptar mulher honesta,

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mediante violência, grave ameaça, para fim libidinoso: Pena – reclusão, de dois a quatro anos), mesmo havendo violência ou grave ameaça, era preciso demonstrar que a mulher raptada era honesta (TORRES, 2011).

Os padrões eram rigorosos, a expressão sobre a sexualidade feminina não podia ser exposta, sujeitando-as ao um controle absoluto, “a virgindade da mulher era considerada como um bem ou um valor, na sua dimensão jurídica e social” (TORRES, 2011).

[...] apesar da extinção desses dispositivos androcêntricos, revogados em 2005, o sistema penal brasileiro continuou convivendo com a ultrapassada concepção de que a sexualidade deveria ser controlada por uma pauta moral de comportamento, segundo padrões ditados pela ideologia patriarcal. Assim, os delitos contra a liberdade sexual continuaram inseridos no capítulo dos crimes contra os costumes. E foi somente no final da primeira década do século XXI, com a aprovação da Lei n. 12.015, de 7 de agosto de 2009, que a sexualidade abandonou a antiga e patriarcal concepção de crimes contra os costumes e passou a cuidar da proteção da sexualidade no âmbito da dignidade sexual (TORRES, 2011).

Com efeito, a dignidade da pessoa humana é reconhecida em nossa Constituição como “princípio fundamental e norteador de todo o sistema jurídico, político e social do país”. A sexualidade e a plena vivência de sua saúde sexual fazem parte do seu humano, sendo digna de respeito e reconhecimento pela sociedade brasileira e apesar de muitos desafios “o Brasil, têm o dever de proteger tais direitos” (TORRES, 2011).

A sexualidade, como direito e valor inerente à dignidade humana passou a ser discutida no momento em que se passou a reconhecer o direito sexual da mulher. “A Primeira Conferência Internacional de Direitos Humanos (Teerã, 1968) reconheceu a importância dos direitos humanos da mulher” (RIOS, 2006).

Em 1993, a Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, declarou que os direitos humanos das mulheres são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos, sendo dever sua participação em igualdade de condições sociais e a erradicação de todas as formas de discriminação baseadas no sexo e d todas as formas de violência contra a mulher (RIOS, 2006).

Em 1994, na Conferência Mundial sobre População e Desenvolvimento (Cairo), discutiu-se a faculdade de “desfrutar de uma vida sexual satisfatória e sem riscos”. Na mencionada conferência, foi verificada também a importância de relações de gênero de uma

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forma mais igualitária, desprendido de discriminação e violências (VENTURA apud RIOS, 2006).

É de ressaltar que (1) a sexualidade foi abordada nos instrumentos internacionais a partir da legítima e necessária preocupação com a situação da mulher, (2) que essa preocupação engendrou, a parir do espectro dos direitos reprodutivos, a noção de direitos sexuais e que, todavia, (3) essa perspectiva necessita ser alargada para o desenvolvimento de um direito da sexualidade. Tudo isso sem esquecer que, mesmo na Conferência de Pequim, onde a idéia de direitos sexuais começa a aparecer de modo mais claro, ela ainda está associada muito proximamente à de saúde sexual (RIOS, 2006). (grifei)

A questão da sexualidade da mulher não foi somente discutida em conferências mundiais, mas também foi posta em questão por pessoas públicas que atuam em diversas áreas. Um exemplo disso é o ícone Madonna que relata sobre a realidade de sua vida como mulher forte e expressiva:

Eu me inspirei, é claro, em Debbie Harry e Chrissie Hynde e Aretha Franklin, mas meu muso verdadeiro era David Bowie. Ele personificava o espírito masculino e feminino e isso me agradava. Ele me fez pensar que não havia regras. Mas eu estava errada. Não há regras se você é um garoto. Há regras se você é uma garota. Se você é uma garota, você tem que jogar o jogo. Você tem permissão para ser bonita, fofa e sexy. Mas não pareça muito esperta. Não haja como você tivesse uma opinião que vá contra o status quo. Você pode ser objetificada pelos homens e pode se vestir como uma puta, mas não assuma e se orgulhe da puta em você. E não, eu repito, não compartilhe suas próprias fantasias sexuais com o mundo. Seja o que homens querem que você seja, e mais importante, seja alguém com quem as mulheres se sintam confortáveis por você estar perto de outros homens. E por fim, não envelheça. Porque envelhecer é um pecado. Você vai ser criticada e humilhada e definitivamente não tocará nas rádios (CICCONE, 2016).

O direito a sexualidade, no âmbito jurídico chega por meio de casos práticos, demandas específicas que representam lutas e reivindicações, especialmente no que diz respeito a contraceptivos e esterilização. Tais discussões mostram-se necessárias a respeito da expressão sexual, sendo que esta deve ser compreendida de uma forma ampla, abraçando todas as orientações sexuais (RIOS, 2006).

Como já mencionado, as várias e distintas demandas dizem respeito a todas as orientações sexuais, sejam elas, homossexual, heterossexual, bissexual, transexualidade e travestismo. Portanto, deve-se fixar compreensão desses direitos, especialmente por já serem

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reconhecidos constitucionalmente “em um texto jurídico fundamental aberto a novas realidades históricas, têm a vocação de proteger a maior gama possível de situações” (RIOS, 2006, s.p.).

Dispositivos constitucionais dessa espécie fornecem bases sólidas e terreno fértil para o reconhecimento dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos, na perspectiva aqui defendida. Todavia, para sua concretização e efetividade, esses dispositivos fundamentais, nacionais e internacionais, precisam ser objeto de estudo e sistematização, demandando reflexão teórica na academia e compromisso por parte dos operadores do direito (RIOS, 2006, s.p.).

Nesse contexto, pode-se dizer que a ideia de direito a sexualidade está baseada e difundida em uma abordagem radicada nos princípios da igualdade, da liberdade e à dignidade, podendo, dessa forma, enfrentar desafios teóricos e práticos que as várias orientações produzem nas sociedades contemporâneas. Nota-se que “não se trata de dissolver qualquer rol de direitos sexuais [...] objetiva-se, isso sim, alargar sua compreensão e aprofundar sua compreensão por meio de referenciais principiológicos mais coerentes e sistematizados” (RIOS, 2006).

No que se refere aos direitos à contracepção, atualmente, a nossa legislação não permite interferência do Estado em decisões que envolvem a quantidade de filhos que um casal deseja possuir. Contudo, o exercício de sua prole é vigiado continuamente pelo Estado, sendo que a este é permitido somente interver de modo indireto, por meio de ações preventivas, métodos educacionais e contraceptivos (CASTANHO, 2014).

O Estado passa a intervir nos processos populacionais de natalidade, mortalidade e longevidade e, de forma imanente, passa a normalizar a conduta social, prevendo e regulando tanto os comportamentos individuais (pelo exercício do poder disciplinar) quanto os comportamentos coletivos (pelo exercício do biopoder). O objetivo dessas intervenções está no intuito de “encaixar” a todos em curvas normais estatisticamente pré-estabelecidas, sempre em nome de preservar e garantir a vida. (WEBER, 2006, p. 149, apud CASTANHO, 2014, p. 31)

Evidências históricas demonstram que as famílias de padrões mais elevados apresentaram um declínio no número de filhos por casal (CASTANHO, 2014). Será que esses dados nos mostram que famílias com uma renda maior evita crianças? Ou mostra-nos que há falta preparação, educação, informação e auxílio em áreas com população menos favorecida?

(35)

Existem vários fatores relacionados ao controle de natalidade, fatores que envolvem a recursos naturais, como a baixa produção de alimentos comparada ao crescimento populacional ou até mesmo o empobrecimento da população (CASTANHO, 2014).

Ao discutir tal questão, Castanho (2014) observa que o aspecto central que envolve os padrões de natalidade não é quantidade de contraceptivos disponíveis, nem a utilização de métodos coercitivos a fim de que as famílias diminuam o número de filhos, mas o aspecto cultural e educacional que permita discutir com a população sobre as consequências que um número elevado de filhos pode produzir, em especial quanto a condições de miserabilidade e precariedade de educação e saúde (CASTANHO, 2014).

É importante que os futuros pais tenham consciência e preocupem-se com a condição de subsistência de sua prole, realizando um planejamento baseado em um comprometimento de seus membros, incluindo pai e/ou mãe.

Apesar dos problemas acima citados, quanto ao crescimento populacional, havia uma época em que o Estado tinha grande interesse em povoar o país com intuito de desenvolvê-lo, assim estimulavam a ultra população (CASTANHO, 2014).

A ordem institucional inaugurada com a revolução de 1930 incluiu, dentre suas inovações legais, dispositivos que podem ser considerados, pelo menos em primeira aproximação, “pró-natalistas” [...]. As preocupações com a formação eugênica da “raça brasileira” fizeram também presentes, como pode ser constatado no texto do artigo 138 da Carta Constitucional de 1934¹². (FONSECA SOBRINHO, 1993, p. 67-68, apud CASTANHO, 2014, p. 47).

Apesar de a igreja posicionar-se de forma contraria a métodos anticoncepcionais artificias, em geral os cristãos não são contrários ao planejamento familiar, pois a igreja observa a evolução do comportamento social, verificando “o impacto que representaria o aumento populacional no mundo, e suas repercussões na vida familiar, especialmente nas camadas mais necessitadas.” (CASTANHO, 2014, p. 51).

Em 1983, após décadas de indefinição quanto ao assunto, o governo brasileiro resolveu, pela primeira vez, incluir o “Planejamento Familiar” como um dos itens da pauta de atividades de assistência à saúde, sob sua responsabilidade. Isto se deu através da criação do PAISM – Programa de

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