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Conclusões provisórias - eixo 2

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A temática que circunscreve esse eixo é a da aventura. Entretanto ela não esgota os sentidos expostos e articulados nesses seis episódios. Cada um deles, a seu modo, apresenta uma perspectiva diferente que anime essa imbricação de um gênero tipicamente burguês, a aventura (ou o moderno conto de aventura), dentro do seio da Ficção Científica. Cada um deles, novamente, a seu modo, traz a perspectiva da aventura para dentro das problemáticas do capitalismo tardio e da modernidade transformada pela Segunda Guerra Mundial. Cada episódio narra uma aventura mas uma em forma sempre de viagem. Os casais de “Third from the Sun”, as equipes de “And When the Sky was Opened”, “I Shot an Arrow Into the Air”, as duplas de “The Invaders” e “Little People” e, finalmente, os solitário Adam e Eve de

“Probe 7 - Over and Out”: todos embarcam em viagens voluntárias, onde deveria ou

poderia existir uma “situação que se deixa para trás com gosto, ao menos não de má-vontade” (BLOCH, 2005, P.360). Para os casais era uma questão de sobrevivência, para as equipes uma questão de dever a ser executado pela glória de uma nação ou espécie, para as duplas era a investigação científica e para Adam Cook fora apenas o acaso (para Eve Norda fora o mesmo caso das famílias Riden e Sturka). Em cada caso, vê-se, há uma articulação diferente.

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Diferentemente da viagem das famílias Sturka e Riden, as equipes de “And

When the Sky was Opened”, “I Shot an Arrow Into the Air” ou mesmo a dupla de “The Little People”, estão em viagens de obrigação. “A viagem é, para todos eles,

fábrica, não uma faixa [Band] azul que a primavera faz esvoaçar novamente pelos ares” (BLOCH, 2005, p.360). Em dois desses episódos, “The Little People” e “I Shot

an Arrow Into the Air”, isso fica especialmente claro nas atitudes de Corey e de Peter

através dos episódios e nos seus encontros finais com um momento de reversão.

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Para Corey e Peter a viagem, ou, no caso específico do navegador Peter Craig, esta viagem, é um deslocamento cognitivo. Apenas quando naufragados em um outro planeta é que eles podem realizar uma vista por cima sobre suas próprias vidas (para não dizer, sobre a natureza em si). “No mundo privado-burguês, a viagem é a primavera que renova tudo, a única” (BLOCH, 2005, p.361). No caso destes dois astronautas-aventureiros ela renova, para um, a importância dos laços que não podemos (ou devemos?) romper com os outros, com aquelas coisas que dão sentido à vida em sociedade. Para outro, a renovação chega de forma total (que acaba com sua própria morte) na forma do eterno mais forte, poderoso ou simplesmente maior que impera na natureza. De fato, naquele planeta, naquela parada de emergência, tudo se renova para todos os envolvidos. Para os pequeninos a surpresa e o terror de um gigante que os domina e ameaça, para o piloto Fletcher renova-se a compreensão da espécie que ele compõe através de uma observação sobre a constituição psicológica do homem e, finalmente, para o próprio Peter Craig, como para Corey em “I Shot an Arrow Into the Air”, renova-se a importância da agregação de valores na construção de nós mesmos, renova-se, de fato, a promessa de que o homem pode ser melhor do que ele é se ele simplesmente se esforçar para isso. Apenas poder, não aquele verdadeiro, que é a ação humana em uníssono, mas aquele que toma o poder do verdadeiro pela via da violência não pode fazer de Craig um deus, nem ao menos que ele seja visto como um (coisa que fica evidente quando os pequeninos simplesmente tombam sua estátua quando percebem que ele foi destruído pelos gigantes de segunda

magnitude ao invés de adorá-la como uma divindade que eles perderam e/ou

aguardam o retorno). “Nenhuma quantidade de poder pode fazer alguma coisa digna de ser adorada se ela possui o caráter moral de um homem do espaço megalomaníaco” (SMUTTS, In: CARROL e HUNTER, 2009, p.159/loc. 2397).

Para os três astronautas de “And When the Sky was Opened” nenhuma cognição resta. Seu encontro com o espaço exterior só pode ser circunscrito pela tese da incognoscibilidade (ou Unknowability Thesis) de Stanislaw Lem. “Onde não 67 existem homens, não pode existir razão acessível ao homem” (LEM, Stanislaw apud JAMESON, 2005, p.111). Para o trio Harrington, Forbes e Gart não há deslocamento possível. Sua viagem jamais poderá ser narrada, num auto da diáspora, como em

“Third from the Sun”, um testamento criminal, como em “I Shot an Arrow Into the Air”,

como um conto cautelar, nas notícias que Fletcher pode trazer sobre Peter Craig em

“The Little People”, e nem mesmo como um mito, como em “Probe 7 - Over and Out”. Não há ninguém que possa narrar a história desse trio de astronautas pois

eles, sua missão e até mesmo a nave espacial que pilotaram não existem mais. Foram removidas da história. Nada resta deles. Ao saírem do planeta eles literalmente o deixam para trás. Deixam, na verdade, apenas a audiência, espectadora dessa história impossível, com a mensagem cautelar de que todas as ações humanas, até mesmo as mais gloriosas, podem desaparecer completamente.

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E é exatamente desse aniquilamento que as famílias Sturka e Riden escapam. Nesse contexto, o “estranhamento é […] o exato oposto da alienação” (BLOCH, 2005, p. 361) e “o conto de gerenciamento tecnológico

Esta tese é tratada em profundidade por Fredric Jameson em “Archaelogies of the Future” (ou

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“Arqueologias do Futuro”) (2005), que reserva um capítulo, o oito, para o trato dessa questão. Essa tese é postulada através da narrativa de “Solaris" (1961), romance de Stanislaw Lem que seria adaptado para o cinema por Andrei Tartovsky (em 1972) e novamente por Steven Soderbergh (em 2002). Em todas as versões conta-se a história de astronautas que habitam uma estação espacial na orbita de um planeta alienígena chamado Solaris. O planeta é completamente coberto por um estranho oceano que se comporta como uma coisa só, tomando diversas formas, de cidades inteiras até pessoas que ela projeta na estação espacial. Logo fica claro de que se trata de uma forma de vida alienígena que pode possuir algum tipo de inteligência, mas que é tão incrivelmente diferente que não pode compreender os humanos e nem o humanos a ela. Por isso ela projeta cópias humanas, baseadas nas memórias dos astronautas que o ser alienígena parece conseguir sentir ou

ler sem nunca jamais realmente entender. O próprio Lem explica:

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"A mente humana só é capaz de absorver um certo número de coisas em certo tempo. Nós vemos o que está acontecendo na nossa frente no aqui e agora, e não conseguimos perceber simultaneamente uma sucessão de processos, não importando o quão integrados e complementares. Nossas faculdades de percepção são limitadas mesmo em relação a fenômenos relativamente simples. O destino de um único homem pode ser rico em significado, o de algumas centenas menos, mas a história de milhares ou milhões de homens não significa nada, em nenhum senso adequado do mundo. [...] Nós observamos apenas uma fração do processo, como ouvir a vibração de uma corda numa orquestra de supergigantes. Nós sabemos, mas não conseguimos entender, que acima e abaixo, além dos limites da percepção ou imaginação, milhares e milhões de transformações simultâneas acontecem, interligadas como trilha sonora composta por contrapontos matemáticos. Isto já foi

justificado da natureza” é preservado como “mito da expansão imperial de sociedades ocidentais tecnicamente racionais” (CSICSERY-RONAY, Jr., 2008, p.239) ao mesmo tempo em que é amplamente criticado. A catástrofe, que dá um dos nomes associados a esse período, a era nuclear, e a emancipação do homem, que lhe dá seu outro nome, era espacial, são conjugadas em uma crítica à dualidade utópica (utopia/distopia) contida nos anseios da época.

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“As ansiedades da época sobre holocausto nuclear eram misturadas com uma certa fé na habilidade da ciência de fazer a vida melhor em todos os níveis, de avanços mundanos na tecnologia de aspiradores de pó e máquinas de lavar, até aparentemente mais profundos melhoramentos nas tecnologias de comunicação, transporte e medicina” (BOOKER, 2001, p. 2).

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Os patriarcas de cada uma dessas família são figurantes dessa preocupação híbrida que povoava o imaginário da época. Cada um desses astronautas é o “homem hábil quintessencial, ao ponto de eles inclusive serem vistos como desorientadamente automáticos. Eles são mostrados sem imaginação poética, na maioria das vezes”, e a exceção é William Sturka, o cientista que não é um astronauta e que encontra a primavera poética em sua desilusão com seu emprego e com o que eles fazem com as boas ideias. Esses aventureiros espaciais “são o sujeito perfeitamente austero e sacrificial do Iluminismo descrito por Horkheimer e Adorno em Dialética do Esclarecimento” (CSICSERY-RONAY, Jr., 2008, p.241). Ao serem apresentados desta forma problematizam ainda outro aspecto da dualidade já contida naquela outra entre o desastre e a esperança: a construção de si mesmo no registro entre individualismo e o dever requerido dos sujeitos como forma de concretização dos programas nacionais e culturais de desenvolvimento e expansão.

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Esse protagonista que é especialista científico e técnico, que é soldado e explorador, encena a certeza de que

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“A vida continua ao nosso redor e não sabe aonde vai. Nós mesmos ainda somos a alavanca e o motor. O sentido externo e especialmente o sentido revelado da vida estão vacilando. Mas as novas ideias finalmente irromperam, nas grandiosas aventuras, no mundo dos sonhos, aberto e inacabado, nas ruínas e escuridão de Satã, provendo o corte consigo mesmo. A vida também continua cingida com desespero, com nosso rancoroso pressentimento, com o tremendo poder da voz humana, de dar nome a Deus e de não descansar até as sombras mais íntimas serem expelidas, até o mundo estar encharcado com aquele fogo que está por trás do mundo ou que deve ser inflamado por ele” (BLOCH, 2000, p.171-172).

3.3 O novo homem presente

Eixo 3 - A metamorfose do homem

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- The Monsters are Due on Maple Street (1960) - The Eye of the Beholder (1960)

- Will the Real Martian Please Stand Up? (1961) - The Obsolete Man (1961)

- Number 12 Looks Just Like You (1964) - The Brain Center at Whipple’s (1964)

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“Sem moral, sem mensagem, sem trato profético, apenas uma simples afirmação de um fato: para que a civilização sobreviva, a raça humana precisa se manter civilizada”.

Narração final de “The Shelter” (ou “O Abrigo”), episódio 78 de The Twilight Zone

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Neste terceiro e último bloco procedemos ao exame da temática da metamorfose do homem contemporâneo. Os episódios que compõe esse eixo, portanto, trazem à tona as transformações essencialmente modernas vividas pelos sujeitos no ocidente na época que poderia-se descrever como contemporânea. É o eixo, de fato, dedicado a abordar os males e progressos da modernidade através da mediação de um recorte de episódios que abordem facetas da história recente e do cotidiano que participam do sentimento de "que algum declínio importante ocorreu durante os últimos anos ou décadas - desde a Segunda Guerra Mundial, ou os anos 1950” (TAYLOR, 1991, p.2) - ou simplesmente de que a ideia e o ideal do que significa ser humano, nos sentidos coletivos e individuais que isso possa acarretar, passou por uma transformação relevante na qual estaria implicada a alienação e, por isso, também a própria questão da identidade e que por sua vez implica uma transformação dos projetos de mundo.

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Este eixo, parece-nos, requer apenas breve introdução pois é a colisão das temáticas subjacentes aos outros dois eixos (em especial a alienação e, por isso mesmo, também a própria questão da construção da identidade e a pervasividade da tecnologia enquanto projeto possibilitador de novos mundos) no que elas aparecem mais claramente. Este, de fato, é um eixo de fechamento, que, pensamos, pode amarrar os dois eixos anteriores e coligir a coerência temática da série.

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Nele personagens e cenários bastante diversos encenam as preocupações essencialmente modernas a respeito do individualismo, da primazia da razão

instrumental e das consequências de uma sociedade industrial e tecnológica e da desagregação dos sujeitos na imaginação política (leia-se também: utópica) e naquilo que podemos compreender como a vida cotidiana dos sujeitos humanos e aquilo mais essencialmente político nelas. A modernidade é o palco no qual o individualismo, ou melhor, a ideia de que cada sujeito humano específico é responsável por si e pela cultura de si mesmo, naquele sentido de produzir e manter a si mesmo, mas, exatamente a causa e consequência dessa ideia é a ruptura com os modos tradicionais de vida e, com isso, a perda dos pontos tradicionais de referência que balizavam a vida humana. Ela também é palco da instrumentalização da razão, o que significa “um tipo de racionalidade que nós interpelamos quando c a l c u l a m o s a m a i s e c o n ô m i c a a p l i c a ç ã o d e m e i o s p a r a u m f i m determinado” (TAYLOR, 1991, p.5). Esta razão instrumental dá frutos na forma da emancipação técnico-científica do homem, mas também achata sua vida e operacionaliza o cotidiano, igualmente afastando-o daqueles referenciais tradicionais e consumindo e colonizando seu tempo de forma, portanto, adequada, o que também o afasta daquele espaço-tempo reflexivo no qual ele possa construir a si mesmo. Esses dois movimentos transformativos são a causa da percepção de que o homem contemporâneo seja uma versão metamorfoseada da idea de homem que se tinha anteriormente nas culturas específicas que vivenciam isso. A consequência é exatamente a terceira preocupação, de que essas transformações da vida cotidiana do homem moderno acarretem também a transformação de seu projeto político (e mesmo, diríamos, existencial) o que, em outros termos, quer dizer que o individualismo e a razão instrumental são fenômenos intercausais que afetam a apreensão e projeção de visões de mundo.

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