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Os invasores

Em 27 de janeiro de 1961 ia ao ar o décimo quinto episódio da segunda temporada. Dirigido por Douglas Heyes e escrito por Richard Matheson, “The

Invaders” é, em certo sentido, um diálogo. Uma mulher - único ator da peça,

interpretada por Agnes Moorhead que anos depois marcaria a história da TV como Endora, a mãe de Samantha em “Bewitched” (ou “A Feiticeira” como ficou 59

conhecido no Brasil) (1964-1972) e que anos antes interpretara a mãe de Orson Welles em “Citizen Kane” (“Cidadão Kane”) (1941) - morando isolada num casebre ouve sons vindos do telhado enquanto atende suas funções rotineiras. Ela se surpreende ao descobrir dois pequenos invasores - minúsculas figuras de não mais que 10 ou 15 centímetros de altura, metálicas e com dobradiças nas articulações, cabos e luzes brilhantes - saindo da nave e invadindo sua casa.

No Brasil a série ganhou o nome de “A Feiticeira” e foi transmitida pelas emissoras TV Paulista,

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Excelsior, Record, Bandeirante e mais recentemente pela RedeTV!, Rede 21 e Rede Brasil de Televisão. Criada por Sol Saks e estrelada por Elizabeth Montgomery (que também aparece em The

Twilight Zone, no episódio “Two”), no papel de Samantha, Dick York, Dick Sargent e David White

(além de Moorhead), a série contava as aventuras de uma feiticeira casada com um major da Força Área dos Estados Unidos e foi tremendamente popular já na década de 1960. Conteporaneamente a

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Serling apresenta a mulher, cortando vegetais na janela de sua casa.

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“Este é um dos lugares fora-do-caminho, os lugares não visitados, ermos, desolados, morrendo. Isto é uma casa de fazenda, feita à mão, bruta, uma casa sem eletricidade ou gás, uma casa intocada pelo progresso. Esta é a mulher que vive na casa, uma mulher que esteve sozinha por muitos anos, uma mulher forte, simples cujo único problema até este momento era adquirir comida suficiente, uma mulher prestes a encarar o terror que está vindo a ela da... Zona do crepúsculo”.

Ela se assusta com um rugido, como um trovão, que faz sua casa tremer e parece ter vindo do telhado. Ela sobe a escada vertical até um alçapão e lentamente o abre, iluminando o exterior da casa com uma lâmpada (provavelmente de querosene). Lá ela encontra a origem do barulho: um disco voador, com algo como um metro e meio de diâmetro, repousa fazendo movimentos concêntricos sobre o telhado da casa. Ela se aproxima do pequeno disco, tenta tocá-lo com o pé e não percebe que na superfície inferior uma escada se projeta e nela surge uma pequena figura (não mais de 20 centímetros de altura) metálica. Ela retorna até o alçapão e começa a descer quando percebe finalmente a pequena figura metálica por detrás da porta de madeira. Assustada, ela empurra o pequeno invasor pelo vão do alçapão e o fecha. Ela arfa observando se a figura não retornará. Vira os olhos na direção do disco e vê outro homenzinho metálico, andando perto do parapeito do telhado. O homenzinho testemunhara o ataque ao seu companheiro e em uma de suas mãos vemos uma pequena luz piscar seguida de um som estridente. A mulher grita e leva sua mão ao peito com uma expressão de dor. Ela atira a lâmpada que carrega derrubando-o, abre o alçapão e rapidamente desce.

No chão, ao lado da escada, ela encontra um pequeno objeto, um tubo sólido com um pequeno cone na ponta. Ao pegá-lo, ele brilha. Ela o deixa cair e nota que seu braço esquerdo e o lado esquerdo de seu peito estão cobertos de pequenas bolas. Ela se limpa dolorosamente com água de uma jarra perto da janela e um pano pendurado nas escadas. Ela ouve novamente um barulho, dessa vez vindo de outro cômodo, a sala, e, munida de uma pequena vela, sai a procura dos pequenos invasores, tateando no escuro. A tensão vai aumentando e ela finalmente abre a outra porta do cômodo, que dá pra a rua, e lá está o pequeno invasor. Munido de

sua mão se acendendo e o som estridente rompendo o silêncio e antecipando os grunhidos de dor da mulher. Ela fecha a porta e nota algum som vindo debaixo do que passa por um sofá, ao lado da porta. Com uma colher de madeira bastante grande ela sonda a escuridão debaixo do móvel até que algo agarra o utensílio, derrubando-a novamente no chão, dessa vez em cima do banco em que a vela estava. O breu da sala só não é completo por causa da luz que a lareira acesa emite. O trabalho de iluminação, concebido pelo diretor Douglas Heyes, merece menção por sua qualidade e simplicidade e especialmente pela criação de uma atmosfera realmente assustadora.

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Ela engatinha até o lado da lareira e se encolhe, aos prantos. Quando a vemos novamente ela ainda está na sala, encolhida no canto. Quando resolve se levantar nota um deles tentando invadir pela janela, mas não percebe que o outro, nesse ínterim, se apossou de uma de suas facas de cozinha. Ela fecha a janela rapidamente e aproveitando sua distração o outro, provavelmente o que perdera sua arma, levanta uma das tábuas do assoalho e com um movimento rápido ataca-a com a faca, cortando-lhe a perna. Ela cambaleia até outro cômodo, uma espécie de gabinete cheio de ferramentas e outros utensílios, no qual se arma de um machado de lenha. Ela volta até a sala e tenta abrir a porta, mas pelo trinco - um buraco rudimentar pelo qual um pedaço de madeira atravessa a porta e se encaixa num gancho - o invasor enfia a faca, cortando-lhe a palma da mão. Ela volta para o centro da casa e entra em seu quarto onde se encontram uma cama e uma cômoda. Por debaixo das cobertas, no pé da cama, ela nota um deles cautelosamente escalando a estrutura do móvel e se enfiando embaixo de um cobertor. Sem hesitar, ela enrola a figura metálica no cobertor. O invasor reage, rasgando o cobertor com a faca, mas ela o desarma e bate com o cobertor contra a cômoda do lado oposto da sala. Ele para de se mover e vai até a sala onde o coloca, com cobertor e tudo mais, dentro de uma caixa de madeira e a caixa em cima do fogo da lareira. Nisso ela ouve outro estrondo. O outro pequeno invasor explodiu uma parte da porta da casa e dispara contra ela pelo buraco. Ela se arma com o machado de novo e fica esperando, futilmente, que ele entre pelo buraco. A explosão foi uma distração, ele está tentando escalar a casa e voltar para seu disco-voador. Ela o ouve e o segue, e o encontra no momento em que acaba de embarcar na nave. Ela começa a atacar o

espaço-nave e antes que a destrua completamente podemos escutar as únicas linhas de diálogo do episódio. A pequena figura robótica invasora pode ser ouvida enviando, aparentemente por rádio ou alguma forma de comunicação sem fio, uma mensagem.

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"Controle central, responda controle central. Vocês estão me escutando? Gresham está morto. Eu repito. Gresham está morto. A nave está destruída. Incrível raça de gigantes aqui. Raça de gigantes. Não, controle central, sem contra-ataque. Repito, sem contra-ataque. Muito para nós. Muito poderosos. Fiquem longe. Gresham e eu estamos acabados. Acabados... Fiquem longe..."

A mensagem é interrompida pelos golpes de machado que destroem a nave. Quando está acabado, a espaço-nave destruída e a voz silenciada, ela larga o machado e cambaleia para o lado, em direção ao alçapão, e então finalmente conseguimos ver toda a superfície do disco-voador, antes meticulosamente escondida nas sombras e atrás da portinhola de madeira. Nela está escrito "US Air

Imagem 16!

Force Space Probe no.1" ou sonda espacial número 1 da força aérea norte-

americana (imagem 16).

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Os invasores somos nós. As pequenas figuras robóticas são astronautas humanos em visita a um estranho planeta alienígena habitado por fac-símiles humanos de tamanho gigantesco. A mulher interpretada por Moorhead é parte dessa "incrível raça de gigantes". Essa inversão, que se apresenta como uma reversão das expectativas, antecipa a nota final e explicativa de Serling.

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“Estes são os invasores, pequenos seres de um pequeno lugar chamado Terra, que tentaram o passo gigante através dos céus em direção aos pontos de interrogação que brilham e acenam da vastidão do universo apenas para serem imaginados. Os invasores, que descobriram que uma passagem só de ida para além das estrelas tem o preço definitivo. E nós acabamos de ver ele ser computado no registro que cobre todas as transações do universo, uma conta estampada ‘pago na íntegra’, e a ser encontrada... na Zona do Crepúsculo”.

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A exploração espacial leva o homem a encontrar a si mesmo, a encontrar o si- mesmo. Aliás, poderia-se arguir que esses (re)encontros são exageradamente encenados. O homem como exposição de curiosidade e menos como invasor do que como praga doméstica. Ou seja, reencontrado em sua condição animalesca - visto, diríamos, como animal e, não raro, animal violentamente irracional.

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Não há, nem da parte dos astronautas, nem da parte da mulher, qualquer tentativa de comunicação, qualquer tentativa de compreensão. Ela, apresentada quase como primitiva, e eles apresentados como belicosos e inconvenientes invasores. Moorhead confere à personagem uma atuação memorável - seus grunhidos e prantos, sua violência física e desespero emocional transmitem a imagem estereotipada do selvagem invadido. Para ela o encontro é também um encontro com o maior dos medos; o desconhecido com o qual ambos os pólos desse episódio se defrontam é também o chamamento apolíneo a conhecermo-nos a nós mesmos. Esses novos mundos acessíveis ao homem através da ciência e da técnica são, assim, apresentados como possibilidade de auto-conhecimento. Novamente, como na dupla "And When the Sky was Opened" e "I Shot an Arrow Into

the Air", o sentido dos contos cautelares apresentados pela série é propiciar um

estranhamento ou distanciamento com o qual a audiência e os próprios personagens partícipes da narrativa tenham uma experiência cognitiva. O novo - a viagem espacial, outros planetas, outras formas de vida inteligente e, seguidamente, também humanas - executam uma reaproximação do homem consigo mesmo e do indivíduo com os blocos constituintes das configurações identitárias. O Outro é apresentado para que possamos compreender o si-mesmo (o nós mesmos) e as narrativas - explicativas e esperançosas - que compartilhamos acerca do nosso encontro com ele e da construção de nós mesmos. O outro é visto, para os propósitos da narrativa, como o si-mesmo.

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A pulsão utópica contida na exploração espacial delineia-se como igualmente anti-utópica. A busca pela transformação do universo em regime racional deixa entrever a inescapável desesperança da insolubilidade das iniquidades terrestres. Que na vastidão do cosmo possa ser encontrada o topos apropriado para a perpetuação de algum modelo perfectível de sociedade ou vida humana contém a incoerência inegável quanto a possibilidade de perfectibilidade do homem. Veremos mais exemplificações de roteiros semelhantes a seguir, mas é possível afirmar o caráter crítico da apresentação da utopia (no caso específico, de uma utopia perpetrada pela possibildade de visitação de outros planetas) como relacionado com o paradoxo da própria tradição literária e política desse gênero. Como seria possível um arranjo da condição humana realmente perfectível sem acertar a perfectibilidade dos sujeitos humanos? Seria a utopia possível apenas conforme o próprio homem é transformado? Para vivermos em outros mundos, nesse sentido cognitivo de novo

mundo, seria preciso que nos tornássemos também novos homens? Este episódio

não apresenta uma distopia per se, mas sim uma profunda crítica anti-utópica que busca deslocar a audiência através do deslocamento de seus personagens rumo a uma compreensão dos índices que estão contidos nas utopias (no caso, tecnológicas) que amparam o projeto coletivo de exploração espacial.

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Por que Gresham e seu companheiro não deixaram aquele planeta claramente impróprio para humanos da Terra assim que perceberam o horror que teriam de enfrentar quando notaram o gigantismo do confronto com o Outro encarnado naquela mulher simplória? Por que a mulher não fugiu de sua casa,

saindo por uma das portas, chamando ajuda? O binômio contido no termo exploração (exploration/exploitation) remete não apenas àquela ação de expansão territorial (ainda que território possa ser uma abstração subjetiva), mas também ao desenvolvimento e ao auto-conhecimento. Fragmentação das sociedades do dever. A mulher não pode interpelar outro de sua própria espécie pois, possivelmente, passaria como louca - os limites de sociedades arcaicas sendo geralmente física e metafisicamente estanques. Os astronautas não podem fugir pois abdicam a condição de individualidade pelo dever, um dever que os conecta através de um ferramentário tecnológico (o rádio ou similar dispositivo de comunicação sem fio com o qual contatam o controle central) além da proximidade física. Suas conexões com suas configurações ordenam as expectativas em relação aos seus comportamentos. e reconstroem afirmações tipicamente modernas em relação ao homem (e tipicamente modernas em relação a percepção do primitivo). O primitivo não pode deixar de ser primitivo sem deixar a primitividade determinística que o rodeia simbólica e fisicamente. O soldado não pode deixar de ser soldado sem trocar ou abandonar os referenciais que dão valor a sua posição enquanto soldado. Do astronauta humano ocidental é exigido o sacrifício máximo. Do arcaísmo agrário é exigido a defesa da terra (não o planeta, mas o espaço de cultivo em si) como bastião da liberdade individual. Duas narrativas tipicamente norte-americanas - aliás, as duas talvez perenes narrativas constitutivas dos Estados Unidos e que transparecem no pensamento utopista do final do século XIX e início do século XX, nas obras de William Morris ("News from Nowhere", ou “Notícias de Lugar Nenhum”, de 1890) e Edward Bellamy ("Looking Backwards: 2000-1887", ou "Olhando para Trás: 2000-1887”, de 1888).

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É um argumento sobre a construção da identidade que se apresenta inversamente ao visto nos episódios constituintes do primeiro eixo. Naqueles a identidade estava sendo dialogada internamente, a solidão enquanto espaço-tempo, como dito, reflexivo que permite ao homem pesar aquelas configurações e seus componentes que melhor podem contribuir para a boa vida e para a confirmação e manutenção dos valores importantes a essa vida. Aqui a identidade é determinada exteriormente e o diálogo não é entre o homem, enquanto indivíduo pensante racional, senhor de si e construtor de mundos, e as configurações, mas exatamente

entre configurações possíveis. E este diálogo é, finalmente, apresentado enquanto

conflito de duas perspectivas, de socialismo primitivista agrário (Morris) e desenvolvimento técnico e científico ligado ao crescente urbanismo (Bellamy). Que também poderia ser colocado desta forma: idealização da vida rural, simples, e possibilidades infinitas do desenvolvimento urbano, complexo. Dois pontos de vistas comuns à série. De um lado essa utopia de Bellamy, um “prolongamento direto do mundo atual” e erigida por um “exército operário” nas mais diversas funções, operando lado a lado com a máquina que substitui o trabalho humano e o desonera e incentivados pela “competição social no serviço à nação” (BLOCH, 2006, p.167). De outro a resposta de Morris, uma utopia do artesão, do reencontro com a natureza, onde “apenas o trabalho manual torna bom, a máquina é o inferno”, uma utopia erigida pela beleza estética e contra “toda forma de mecanização da existência” e como uma denúncia de uma revolução de medo e autodestruição decorrente do industrialismo “desnatural" (BLOCH, 2006, p.168). Esses dois lados dessa narrativa evidenciam o conflito da aniquilação do homem pela desumanidade do sistema econômico e fabril que torna possível a viagem espacial contra a aniquilação que pretende preservar o homem e abolir a fábrica e o que se considera os horrores da Idade Moderna.

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Analisamos anteriormente, especialmente em "The Mind and The Matter”, e

"Time Enough at Last", a crítica à rotinização contida nos argumentos da série.

Naqueles episódios, a crítica era muito pouco velada. A urbanização e as pressões do capitalismo tardio transformavam as configurações de vida as quais o homem está sujeito. Trabalho, rotina, alienação, esvaziamento de sentido: esse

desencantamento era focado em sua representatividade verossímil. Trabalhadores

de escritórios, indivíduos urbanizados, diretamente sujeitos às pressões de velocidade, eficiência e homogeneidade. Neste episódio, assim como nos dois anteriores, somos apresentados à situações-limite da experiência humana - cientistas altamente especializados, astronautas que são, de fato, técnicos treinados - que apresentam um duplo movimento de estranhamento/distanciamento e visão- por-cima/reaproximação capaz de induzir a uma cognição sobre o todo da condição ocidental. O astronauta, cientista, o expert, também é exposto às mesmíssimas pressões rotinizantes e alienantes que o homem comum. A fratura da tradição

desencanta até mesmo o que aquele ethos idolatrava como condição superior de existência. O aventureiro que parece escapar à rotinização, que literalmente escapa da condição material humana - vis-a-vis: a Terra - é também alienado - alienação

como metáfora contida na presença do homem enquanto alienígena. O cotidiano

remove o indivíduo do mundo e o desliga da coletividade humana, em qualquer nível - do si-mesmo enquanto construído pela interação, em Ferris em "Where is

Everybody?" ou Gregory West em "A World of His Own", da família e da busca lúdica

que constrói o si-mesmo, com Bemis em "Time Enough at Last", etc. - mas a situação excepcional, os pretensos protagonistas de uma história que se auto-define momentaneamente entre era nuclear e era espacial, também.

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E o homem - na verdade, no caso, a mulher - é idealizado numa posição de comunhão com a natureza, com o fruto de seu trabalho, onde a rotina é vita activa necessária à sobrevivência. Mas ele perde seu chão e vê suas configurações desmontadas pela invasão deste outro mundo que apresenta configurações completamente incompatíveis com as adotadas pelo coletivo social ao qual pertence. Reversão muito relevante e, na verdade, outra camada reversiva do argumento do episódio, que apresenta o arcaico como individualista e o futurista como sacrificial, o bucólico como idealizado estado das liberdades pessoais e o urbano tecnocrático como estado do sujeito acorrentado ao dever. Interpenetração: um mundo invade cada um dos pólos desse episódio. O mundo humano invade este outro humano extra-mundano, choque de preocupações extraviadas do milagre do ser e debruçadas apenas com o desenrolar de uma história de apropriação, de se tornar e de desaparecer. O gigantismo e a miniatura são figurantes em uma metáfora rasa: o diferencial de tamanho esmaga qualquer nível organizacional a fim de continuar existindo. Não existindo algum tipo de providência duplamente extra- mundana, além dos combatentes, a interpelação tecnológica da batalha entre o Davi e o Golias termina com seu resultado mais óbvio, o grande esmaga o pequeno, o mais bem adaptado devora o menos capaz. História futura como a presente explicada como processo coerente e unificado.

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Essa apropriação de um das marcas indeléveis da transição entre o moderno conto de aventura e o que passou a propriamente se denominar Ficção Científica,

esse gulliverismo do encontro aterrorizante e satírico é uma interpelação de um sentimento mítico - o encontro com aquilo que é enorme demais para a compreensão, “muito para nós” - que indica a própria vivência do mito, ou ao menos sua pulsão própria, como lugar, no sentido de um espaço físico e de um desdobramento temporal, na vida cotidiana. O processo erotético da narrativa, de 60 constante formulação e resposta de perguntas - quem é essa mulher, quem seriam e de onde vem os pequenos invasores, etc. - mantém em aberto diversas questões ao final do episódio, entretanto elas não são referentes, necessariamente, ao arco narrativo apresentado. Elas não são perguntas apresentadas por essa narrativa que falha em resolver, portanto, o drama que constrói, ela apenas aponta para a resolução e o caráter cognitivo da peça - ou o campo no qual uma resolução pudesse ser alcançada - como estando na relação da audiência com o que o conteúdo dramático do episódio desvela. “O final não surpreende nem aos homens do espaço nem a mulher gigante, apenas a audiência” (PLANTINGA, Carl in: CARROL e LESTER, 2009, loc.677). A surpresa que este episódio oferece é não apenas de perspectiva, mas também de compreensão.

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Este paralelo entre o gigante e a miniatura aparecerá em diversos outros episódios de The Twilight Zone. Nem todos exatamente com a mesma cautela imbuída em sua narrativa. Um deles, que veremos a seguir, parece ser importante para ser apresentado neste eixo e em conjunto com “The Invaders”, pois retomada diversos tropos presentes aqui com um pequeno twist e uma grande inversão.

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O termo é de Noël Carroll (1996, p. 86-90) e é sucintamente explicado por Plantinga (2009 in:

60

Carrol e Lester, 2009, loc.609):

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“A teoria ‘erotética’ da narrativa de Noël Carroll [...] propõe uma progressão