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“Estica e puxa”, “ajuste e acordo”: a solução dos “puxadinhos”

No documento Gilberto Luiz Lima Barral (páginas 106-109)

A “Lei dos Puxadinhos”, discutida e aprovada por vários atores, normatiza sobre a ocupação do espaço físico de Brasília. Uma situação de “estica e puxa”, de “ajuste e acordo”, que o arquiteto Sérgio Jatobá chama de “empurra-empurra”, se estabelece:

“Puxadinhos” não previstos tornaram-se um previsível jogo de empurra-empurra entre urbanistas, administradores públicos, fiscais, juristas, cidadãos e comerciantes. Em meio à queda de braços, uma parte da cidade quedou-se desfigurada. Depois de muitas discussões e hesitações, chegou-se a uma legislação distrital para ordenar os puxadinhos e legalizá-los. Buscando conciliar os diferentes interesses, e com a intenção de disciplinar urbanisticamente as ocupações de áreas públicas, o poder público editou a lei. (...). Contudo, uma lei, mesmo quando discutida com a sociedade, nem sempre atende a todos os seus anseios e responde a todas as suas necessidades. A batalha dos “puxadinhos” ainda continua. (JATOBÁ, 2010: 197).

A proliferação do lazer em bares e suas potencialidades, seus conflitos, suas mediações, enquanto evento que reúne pessoas em práticas cotidianas,

permite compreender uma série de aspectos do estar junto, coletivo, da construção da cidade imaginária e da cidade em sua dureza de concreto, vidro e aço.

Uma série de recomendações, avisos e notificações têm ocupado o tempo de trabalho dos proprietários e funcionários dos bares. As regras para o estabelecimento do bar não são novidade. Para esses comércios manterem seu funcionamento cotidiano, é preciso que eles estejam em diálogo permanente com a sociedade e, mais precisamente, com a comunidade local. Os vínculos que os bares criam com seus frequentadores, proprietários, funcionários e comunidade local é o que propicia, em grande medida, sua incorporação aos equipamentos vitais da vida na quadra. O ponto comercial pode se tornar fonte de vida em uma cidade. Os frequentadores, clientes, proprietários e funcionários conhecem, mais ou menos, esses problemas.

A cidade de Brasília, defendida por alguns grupos de moradores, políticos e outras pessoas interessadas, não deve contrariar os critérios do planejamento inicial: o desejo desses é preservar um tipo de cidade e através de coações a partir da “Lei do Silêncio”43, da ordem da vizinhança, da “Lei Seca”44, da racionalização do

espaço construído, e do PDOT45 se posicionam. O engessamento espacial e social é norte. Dentre esses defensores, há quem pense em termos de uma ideologia do “Brasil definitivo”, sintetizado na Capital Federal.

O crescimento dos bares no Plano Piloto sobre os espaços públicos apresenta de início duas polaridades: moradores da cidade de um lado, proprietários e frequentadores de bar na outra ponta. Contudo, há uma outra série de agentes e instituições relacionadas: instituições governamentais; proprietários dos estabelecimentos comerciais; legislação; sindicatos. A discussão sobre o uso do espaço em Brasília é uma questão posta. No caso dos bares, observando mais atentamente, pode-se ver que, há muito, esses comércios ocupam as calçadas

43 A chamada “Lei do Silêncio” no Distrito Federal está normatizada sob a rubrica de Lei de nº 4.092/2008.

44 Lei 9.503/97, a “Lei Seca”, que prevê punição para motoristas que dirigem depois de ingerir bebidas alcoólicas, está prevista no capítulo sobre crimes de trânsito no Código de Trânsito Brasileiro. Partes da referida lei constam dos anexos.

45 O Plano Diretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal (PDOT) foi sancionado no ano de 2010. O objetivo do plano é controlar e planejar o crescimento das cidades do Distrito Federal, para os próximos 10 anos.

públicas e outras áreas como uma espécie de contínuo, de ligação entre o privado e o público, ou semipúblico.

Desde os tempos mais remotos, esses tipos de estabelecimentos comerciais, em várias cidades do mundo, fazem uso da prática de avançar mesas e cadeiras sobre os passeios, os jardins e outras áreas afins. Essa situação pode ser observada em bares de cidades como Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro, e muitos lugares mais. Em gravuras, fotografias e pinturas também se pode encontrar o bar assim representado. Entretanto, o que parece diferente em Brasília é que em torno dessa ocupação do espaço pelo bar, existe uma discussão e um fórum de debate permanente.

Em realidade, os bares ocupam, hoje, a grande maioria das lojas comerciais da cidade. Para além da ocupação em desordem com a ordem planejada, de áreas privadas e públicas nas quadras comerciais e entrequadras, esse tipo de negócio vem alcançando um grande crescimento em Brasília46. Esse

crescimento vem de encontro aos usos dos espaços pretendidos por muitos moradores das superquadras. Pode-se resumir, a partir das observações, que até agora se tratou da forma de interação do bar com o espaço exterior, uma interação sóbria com o público, com a localidade, com a cidade. Há também uma relação do bar com seu espaço interior, uma interação ébria, íntima, onde o lúdico se prolifera, entre as mesas e as pessoas.

Uma síntese dos problemas do bar com seu exterior são: uso e ocupação de áreas públicas por frequentadores, proprietários e funcionários dos bares, moradores locais e demais usuários da superquadra; uso de equipamentos de reprodução sonora ou audiovisual; barulho, agitação e ajuntamentos; horário de funcionamento; “Lei Seca”; insegurança e violência; desvios em relação à ordem visual e estética planejada.

46 O caso do empresário Jorge Ferreira é emblemático desse crescimento. Em 1987, com um primo, abriu seu primeiro bar, o Gordeixo. Dois anos depois, abriu seu segundo restaurante, o Feitiço Mineiro. Em 1998, Jorge abriu o Café do Brasil e, logo em seguida, o Bar do Brasil e depois o Armazém do Ferreira. E não parou aí, abre agora no final do ano o Esplanada, aqui mesmo em Brasília, e “podemos anunciar para quando setembro vier, um novo restaurante, desta vez em São Paulo: Cervejaria Imperial, com direito a um espaço onde está sendo construído o museu da cerveja”. (Jorge Ferreira, empresário do ramo em entrevista em 22/08/2010). r

A ocupação de áreas públicas no entorno dos bares, nos estacionamentos contíguos aos edifícios residenciais tem sido, entre outros, um dos principais problemas nessa relação entre moradores das quadras e frequentadores dos bares. O Decreto 10.828/DF prevê que as áreas dos estacionamentos são de domínio público, portanto podem ser utilizadas por moradores ou frequentadores do comércio e dos bares locais. Entretanto, alguns edifícios residenciais vêm ocupando essas áreas públicas, utilizando de cancelas, cercamentos, equipamentos de “paisagismo” e “jardinagem”. Além de privatizar os estacionamentos públicos, alguns condomínios de blocos residenciais também vêm cercando com grades de ferro os pilotis dessas construções, para evitarem que pedestres circulem pelo local.

No documento Gilberto Luiz Lima Barral (páginas 106-109)