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Homens no bar

No documento Gilberto Luiz Lima Barral (páginas 83-87)

Esse estabelecimento comercial é um misto de bar e mercearia. Uma das principais mercadorias vendidas são galões de 20 litros de água mineral. Este tipo de transação comercial é feito durante o dia, entre as 9h e as 17h, período em que se encontra um funcionário, Bicicletino, que faz entregas em domicílios locais. Como bar, o estabelecimento funciona até, aproximadamente, as 22h. Em dias de jogos de futebol, em especial do campeonato brasileiro, o horário modifica-se um pouco, terminando o expediente por volta das 23h.

1.3.2.4 Bar Só Drinks, onde o time é o Botafogo

Na comercial da quadra 403 N, o bar Só Drinks é o primeiro bar fundado na Asa Norte. Segundo seu proprietário atual,

o bar foi criado em 1974, mas eu comprei faz 17 anos. É o mais antigo da Asa Norte. Foi o primeiro bar a transmitir jogo de futebol. Todo tipo de jogo. Só não tem jogo do Flamengo. Aqui vem muito deputado, senador. A 203 e a 204 é quadra de deputado, pô! Eles

passam aqui bebem seus uísque e depois sobem prá casa. Em dia de jogo, eles param, assistem o jogo. Depois de dois, três uísque eles já tão conversando com todo mundo”. (Da Farmácia, proprietário do bar).

Diferentemente do Bar dos Cunhados, esse estabelecimento é um bar temático, do Botafogo Futebol Clube, time do Rio de Janeiro. Seu proprietário, torcedor fanático do Botafogo, possui seus caprichos e radicalismos; como afirmou acima, não transmite jogos do Flamengo, outro time de futebol do Rio de Janeiro. Esse bar, frequentado em sua maioria por homens, com idades entre 40 e 60 anos, fica em uma quadra comercial bastante movimentada.

Cezinha, um dos seus “frequentadores ilustres”, em uma de nossas conversas fez a seguinte explanação:

outros bares são reconhecidamente tradicionais pelos frequentadores que têm em comum a admiração por um time de futebol, é o caso do Só Drinks, 403 norte, que funciona desde 1977, no mesmo local. É descrito como recanto dos botafoguenses, que são os maiores fregueses, além disto, tem em sua decoração toda a história da equipe descrita em pôsteres colados em suas paredes, juntamente com outros produtos decorativos com escudo do Botafogo (relógios, calendários, copos, etc.). (Cezinha, entrevistado). Localizado em uma loja lateral do Bloco B dessa quadra, o Só Drinks fica na área de interseção entre os blocos, que simula uma esquina, conforme explicado anteriormente. Ao lado direito do bar estão localizadas duas lojas que atraem muito o público feminino: uma farmácia e uma loja de produtos voltados para o corpo, cabelos, produtos de estética, particularmente feminina. O entra e sai de mulheres é texto e roteiro que alimenta a conversa dos frequentadores do bar.

Em uma manhã de sábado, eu estava sentado em uma mesa, bebendo cerveja. Era por volta de 11h quando chegou o “ilustre frequentador” (Cezinha). Ele veio até mim, estendeu a mão e me cumprimentou. Pareceu que ele me conhecia, pois puxou uma cadeira e sentou-se à minha mesa. Pediu uma cerveja ao funcionário do bar e começou a entabular uma conversa sobre uma mulher que caminhava na calçada da quadra.

O proprietário do bar, Da Farmácia, se aproximou e disse para o Cezinha: “poxa, você bebum é chato, hein! Ontem quase que você acaba com meu casamento... querendo dançar com minha mulher; quê isso, cara, você bêbado não dá!”.

Cezinha responde: “Eu dei foi uma ajuda!”.

Para me situar na conversa, perguntei sobre o que havia acontecido. Falei olhando para os dois ao mesmo tempo.

Da Farmácia dirigindo a palavra a mim diz: “Com você eu não quero nem conversa. Quê isso, chega aqui dizendo que roubar faz parte do futebol. Eu nem sei quem você é, primeiro eu queria saber quem você é. Por isso que o Flamengo taí desse jeito”. Essa sua fala dirigida a mim, explico, decorreu de diálogo anterior que havia entabulado com o proprietário do bar, quando cheguei ao estabelecimento, e ele e outro frequentador conversavam sobre futebol.

Respondi-lhe: “mas não é! Roubar faz parte das regras do jogo”, falei olhando na direção de Cezinha, procurando nele alguma adesão, buscando me apoiar nele, para dizer quem eu era, talvez. Eu não conhecia nenhum dos dois. Portanto, não deveria me envolver. Usar o argumento de que roubar faz parte da regra do jogo, pode dizer algo de negativo de minha personalidade ou mesmo indicar a preferência pelo time aludido, o Flamengo. Mas, não era de todo uma fala minha, foi “apenas” uma ação para a interação. Uma fala solta assim, buscando conversar, “puxando assunto”.

Ocorre que as palavras, as brincadeiras, as “conversas moles” também têm peso. A forma como se inicia uma interação, às vezes da maneira mais “ingênua” e desinteressada, pode levar a outros sentidos, a outras interpretações por parte do outro/grupo. Enquanto eu tentava iniciar a conversa com os dois, o Cezinha colocou o jornal Folha de São Paulo sobre a mesa. O jornal trazia uma matéria sobre o escritor Nelson Rodrigues.

Percebendo a dificuldade do primeiro contato, pedi licença a Cezinha, tomei o jornal em minhas mãos de modo interessado, li algumas palavras, depois virei o jornal, manipulando-o distraidamente. Vi um outro artigo de um crítico musical que admiro muito, e há muito tempo não lia seus textos. Fiz um comentário elogioso a esse jornalista, e Cezinha perguntou se eu era da imprensa. Respondi que trabalhava com audiovisual e Internet, mas que também fazia uma pesquisa de doutorado sobre bares.

A conversa avançou com Cezinha encaminhando para o lado do audiovisual, e ele me disse que eu precisava “fazer um vídeo, uma matéria sobre esse bar”. Olhando para o Da Farmácia, ele disse: “o Só Drinks é o bar mais antigo

da Asa Norte, não é Newton? Eu acho que ele foi inaugurado em 1974. Mas o Newton é que sabe essa história. Vem cá, Newton!”.

Enquanto Cezinha falava olhando na direção do proprietário do bar, para chamar sua atenção, eu retirava da mochila o livro que trazia comigo Beirute, bar

que inventamos. Pensei em mostrar meu artigo publicado nesse livro ao Cezinha

para, talvez assim, ganhar credibilidade. Da Farmácia veio em nossa direção, e eu lhe dirigi a palavra, aproximando o assunto para a tese. Mas ele me cortou a conversa dizendo: “todo dia tem gente aqui. É estudante, é jornalista querendo saber das coisas. Eu não gosto nem de falar desse bar. Enquanto eu tiver essa estrutura que eu tenho”.

Da Farmácia explicou, em conversas mais demoradas, a “estrutura” que tinha no bar, e que não gostava. Para ele, o grande problema estava na dificuldade de “conseguir outro funcionário”. Ele era proprietário do Só Drinks, e da farmácia ao lado do bar, mas não podia administrar os dois estabelecimentos como desejava, por isso tinha o “sonho” de conseguir um funcionário que lhe ajudasse nessa tarefa. Os proprietários dos outros bares pesquisados tinham mais sorte com funcionários que ele.

1.3.2.5 Bar Meu Bar, ou bar do Zé

A quadra comercial 408 N é um caso peculiar na cidade de Brasília. Praticamente todo o comércio local é voltado para a atividade de bares. O bar Meu

Bar, de propriedade dos irmãos Zé e Prequeté, mais conhecido como bar do Zé, é o

mais antigo da quadra. Com aproximadamente 14 anos funcionando no comércio local, esse bar viu seu crescimento se expandir, principalmente no início dos anos 2000. Nesse período, uma lanchonete que funcionava em um posto de gasolina dentro da Universidade de Brasília foi fechada, devido à venda de bebidas alcoólicas para os estudantes. E os estudantes, então, logo se transferiram para o bar mais próximo da universidade, no caso o bar do Zé, ou Meu Bar35.

No documento Gilberto Luiz Lima Barral (páginas 83-87)