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CAPÍTULO 6. LEGISLAÇÕES, ESTIGMAS E PRECONCEITOS RELACIONADOS A

6.2 Estigmas: linguagem de relações

A subcategoria estigma foi definida como forma de apresentar as marcas e símbolos existentes como definidoras de um corpo e/ou sujeito considerado como defeituoso ou mutante. Goffman (1988) retrata que a sociedade constrói mecanismos para categorizar as pessoas, de modo a estabelecer probabilidades de encontrá-las em determinados espaços. O autor (1988) considera que essas “[...] pré-concepções, nós as transformamos em expectativas normativas,

em exigências apresentadas de modo rigoroso.” (p. 5). A sociedade considera indesejável quando uma pessoa se difere dessas pré-concepções, atribuindo-lhe um descrédito.

O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, portanto ele não é, em si mesmo, nem horroroso nem desonroso. (GOFFMAN, 1988, p. 6)

Desse modo, foram codificados 42 comentários para representar a subcategoria estigma, sendo que novamente identificamos as palavras “mulher”, “trans” e “homem” (Quadro 15 e Figura 25) como as mais utilizadas na subcategoria de identidade de gênero.

Quadro 15 _ Frequência de palavras subcategoria estigmas Ordem Palavra Extensão Contagem Palavras similares

1º mulher 6 13 mulher, mulheres

2º trans 5 12 trans 3º homem 5 5 homem 4º jogar 5 5 jogar 5º luta 4 5 luta 6º existe 6 4 existe 7º homens 6 4 homens 8º social 6 4 social

9º esporte 7 3 esporte, esportes

10º lado 4 3 lado, lados

11º lutadora 8 3 lutadora

12º melhor 6 3 melhor, melhores

13º sociais 7 3 sociais

14º times 5 3 time, times

15º aceita 6 2 aceita

16º banida 6 2 banida, banidas

17º biológico 9 2 biológico

18º caso 4 2 caso

19º causa 5 2 causa, causas

20º competir 8 2 competir

Figura 25 _ Nuvem de Palavras: subcategoria estigmas Fonte: Os autores (2019)

[...] coisa que for decidida vai ter retaliações de ambos os lados, motivadas mais por crenças pessoais e causas políticas do que por argumentos científicos. (Ator Y) O mais triste ainda é ver gente atacando a atleta por causa das mesmas crenças pessoais, e porque não aceita a decisão do comitê. (Ator Y)

Repetindo, não é questão social, é médica. É de justiça. (Ator B)

[...] quem tem que achar justo ou não é a mulher que se dispõe a tal. Norma é pra ser cumprida, mulher trans tem que jogar com mulher e não com homem (até porque caso contrário imagina os estigmas ao qual a pessoa teria de passar) . (Ator A)

[...] existe uma corrente sociopsicológica que trás discussões acerca disso, alguns dizem que sim, seria mais promissor se não houvessem tantas distinções. Por outro lado existe uma visão ao qual eu tendo concordar que existem "camadas sociais" invisíveis quiça desvalorizadas justamente por fugirem a "norma social" (Ator A) Não estou afirmando que é machismo mesmo. Só me surgiu essa dúvida se seria biológico, ou se fomos condicionados a isso. (Ator AS)

Semana passada uma lutadora trans nocauteou uma mulher em luta na Asia, o juiz demorou para finalizar a luta, resultado, edema cerebral e morte da lutadora, a mesma só aceitou a luta pq senão a fizesse, seria expulsa da federação do país [...] (Ator CK) Na verdade não existe mulher trans ele é homem e fim de papo! (Ator EL)

[...] esse aue todo e porque ela e talentosissima e uma vencedora, infelizimente a sociedade Brasileira nao aceita ver isso, saber que uma de nos pode sim chegar no topo!!!mas Desculpe vamos cada vez mais mostrar pra voces que podemos muito mais quer voces queiram quer nao!!! (Ator EN)

outro detalhe enquanto homem Tiffany jogou em times menores e não conseguiu melhor colocação. ela tem um formação tão superior que entrou arrebentando no feminino e tá aí, nos melhores times (Ator HE)

ngm está dizendo que Tiffany fez isso de propósito. (Ator HÁ)

Seguindo a sua lógica, não devemos contestar a leis ou a sociedade em que vivemos, já que as instituições superiores já tomaram as decisões sobre tudo. (Ator GI) Não estamos debatendo opiniões, vc esta falando de segregação [...] (Ator GQ)

Bem comum de gente cis, que não faz ideia do que estar em um lugar marginalizado a vida toda. (Ator GQ)

O processo de estigmação está presente em todos os contextos da sociedade e o esporte não se exclui dessa. São construidos estereótipos e ideais vilipendiosos sobre as pessoas transexuais e que acabam por menosprezá-las, marcando negativamente suas vidas. Segundo Da Silva, Bezerra e De Queiroz (2015), “Os processos depreciativos vividos por elas influem em toda a organização de suas subjetividades, construídas ao longo das relações que estabelecem com os outros, com o mundo e consigo mesmas.” (p. 368). Vários desses processos depreciativos acabam por desenvolver sensações de sofrimentos diversos nas pessoas transexuais, e podem culminar no desenvolvimento de alguns transtornos (ansiedade, síndrome do pânico, depressão e outros).

Como colocado pelo ator GQ de que os grupos têm expostos opiniões que acabam por segregar as pessoas transexuais dos esportes. Desse modo, diversos comentários publicados acabam por evidenciar mecanismos de distinção entre as pessoas, incluindo uma ordem biológica. Essa situação estigmatiza as pessoas transgêneras, colocando em uma posição delicada, pois como são consideradas como corpos abjetos não se enquadram dentro dos mecanismos estruturantes. Reforçando as perspectivas ressaltadas anteriormente, esses mecanismos/estruturas estruturantes são construídos culturalmente, tendo uma grande influência das e sobre as posições individuais, como evidenciado pelo ator Y: “O mais triste ainda é ver gente atacando a atleta por causa das mesmas crenças pessoais, e porque não aceita a decisão do comitê.”.

Os sujeitos portadores do estigma da abjeção podem se tornar suscetíveis a prática de discriminação que, além de decretar sua inexistência social, os condenam a uma vida de confronto e enfrentamento que, inclusive, pode gerar o extermínio desse “coletivo anormal” (DO PRADO, 2017, p. 112)

A partir dos posicionamentos de alguns atores e do que é proposto por Do Prado (2017), fica muito irrefutável que a sociedade é organizada em divisões relacionadas com o ser humano. Goffman (1988) deixa claro haver a existência de identidades reais e virtuais, sendo que a real reflete justamente os valores e princípios individuais, enquanto a virtual é uma identidade imaginária que as pessoas constroem para o outro, ou seja, o não verdadeiro eu. Essa noção (que é construída) tem relação com os estigmas que são construídos para com as outras pessoas; a identidade virtual é uma forma de ocultar todo o preconceito existente, a ponto de não expressar o que realmente pensa e/ou sente sobre determinado assunto.

No caso das análises propostas e o espaço em que foi analisado, retornamos a ideia de Recuero (2009; 2014) de que muitas identidades construídas nas redes sociais são verdadeiras e expressam os valores e princípios das pessoas. Entretanto, com a não limitação dos espaços, muitos atores utilizam o ciberespaço e as redes sociais para construir perfis fakes, onde poderão postar o que lhes convém. Sabe-se que há vários perfis que tendem a destilar o ódio e o preconceito contra determinados grupos sociais, incluindo os LGBTQI, reforçando os estigmas sociais, a fim de segregar as pessoas que divergem das normativas. Desse modo, o ciberespaço, por não possuir fronteiras e permitir que as pessoas se escondam atrás dos computadores, se torna um espaço de inúmeros comentários e posicionamentos estigmatizadores, que reforçam a segregação de grupos.

O impacto das fakes news sobre a sociedade também é enorme. As informações que são construídas para consolidar os estigmas existentes têm tido influências negativas sobre os comportamentos e pensamentos da sociedade, corroborando a disseminação da hostilidade, oposição, agressividade etc. “We do know that, as with legitimate news, fake news stories have

gone viral on social media.” (LAZER et al., 2018, p. 1095). O ator CK traz uma informação

que não é verídica, ao ressaltar que houve uma luta entre uma mulher cisgênera e transgênera, resultando na morte da atleta cisgênera. Essa situação já foi comprovada como uma fake news, mas mesmo diante dessa prova muitas pessoas ainda se deixam levar por informações falsas, contribuindo para uma maior estigmatização e discriminação de pessoas transgêneras nos esportes.

As teorias apresentadas e que sustentam a ideia de que há uma distinção entre as estruturas estruturantes que instituem uma heterocisnormativa são tratadas pelo ator A, sobretudo quando aponta que há “camadas sociais invisíveis quiça desvalorizadas por fugirem a norma social”. Goffman (1988), Bourdieu (2002), Fleury e Torres (2010), Courtine (2011), Jesus (2012), Louro (2014), Princípio de Yogyakarta (2014), Butler (2017), De Camargo e Kessler (2017), Dornelles, Wenetz e Schwengber (2017) e Wenetz, Schwengber e Dornelles (2017) tratam que as normativas sociais, sobretudo as referentes a gênero e sexualidade, se organizam de modo a condicionar os comportamentos humanos, categorizando as pessoas dentro de padrões e do binarismo de gênero e sexualidade, o que de fato faz com que alguns grupos não sejam visíveis perante a sociedade.

No caso de pessoas transexuais fica muito claro que a dificuldade de assumir a real identidade, a repulsa existente no ambiente de trabalho, os obstáculos para conseguirem emprego e/ou estudarem, de se desenvolverem socialmente, é proveniente de estigmas atribuídos a esse grupo de pessoas (LANZ, 2015). A procura por procedimentos e tratamentos

para modificarem seus corpos são uma forma de passabilidade com o gênero que se identificam, a fim de não se tornarem alvos de qualquer tipo de violência, bem como uma tentativa de se adequarem às normativas instituídas e diminuírem a possibilidade de serem estigmatizados (LANZ, 2015).

Por fim, quando trazemos a ideia de Bourdieu (2002) sobre a violência simbólica, identificamos que há essa situação com as pessoas transexuais, considerando o número de violências físicas e assassinatos de pessoas desse grupo, assim como as dificuldades e obstáculos que enfrentam dentro da sociedade. Essa violência simbólica está em todos os ambientes, incluindo os esportes, a normatização dos corpos, as habilidades físicas, os questionamentos sobre a legitimação e jogabilidade proferidos por atletas e espectadores. A dificuldade com as normativas que regulamentam a jogabilidade de pessoas transexuais são formas evidentes dessa violência dentro da sociedade. Assim, os estigmas construídos e consolidados pela sociedade fazem parte de um processo de controle social, que considera as pessoas transexuais como uma anormalidade, um corpo abjeto e defeituoso, não aceitas devido à sua transgressão de gênero.