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CAPÍTULO 1. OBJETO DE ESTUDO: O CASO TIFANNY

1.2 Polêmica envolvendo Tifanny

A polêmica sobre a atleta já foi discorrida em outros momentos desde que ela retornou às quadras esportivas (competições de Voleibol) após o processo de transição de gênero. No Brasil, em particular, a situação tomou uma proporção maior após a exposição nas redes sociais do posicionamento da ex-atleta Ana Paula Henkel, no final de 2017. Essa que representou o país na modalidade de voleibol (Barcelona – 1994 e Atlanta – 1996) e no vôlei de praia (Atenas – 2004, Pequim – 2008). No relato da ex-atleta há a exposição de que ela e outras atletas não concordam com o processo de inclusão e jogabilidade de Tifanny Abreu, uma vez que existem superioridade das habilidades físicas. Tal situação levou a ex-atleta a iniciar uma campanha contra a inserção de jogadoras transexuais em competições femininas, considerando neste particular, o caso da jogadora Tifanny. A saber:

Muitas jogadoras não vão se pronunciar, com medo da injusta patrulha, mas a maioria não acha justo uma trans jogar com as mulheres. E não é. Corpo foi construído com testosterona durante toda a vida. Não é preconceito, é fisiologia. Por que não então uma seleção feminina só com trans? Imbatível. (DA SILVA; MOURA; LOPES, 2018, p. 115)

A justificativa de Ana Paula é que o “Corpo foi construído com testosterona durante toda a vida.”, assim, Tifanny teria todas as habilidades físicas provenientes dessa injeção hormonal. Embora tenha ocorrido essa situação e Tifanny tenha realizado os processos de transição de gênero tardiamente, Ana Paula parece desconhecer o impacto que o tratamento e supressão hormonal pode acarretar ao corpo de pessoas transexuais, parece ser meramente especulação. Parece não compreender que há consequências negativas na saúde, performance e qualidade de vida. Para além disso, entendemos que o ciberespaço, sobretudo as redes sociais, possibilita a disseminação de opiniões, ideias e comentários sem que a pessoa tenha

conhecimento técnico e específico sobre determinados casos (RECUERO, 2009a; 2009b; 2014; LÉVY, 2010; MARTINO, 2015; CASTELLS, 2018).

Ana Paula também salientou que é injusto várias atletas terem que se submeter ao processo de testagem hormonal, o conhecido Antidoping, para identificar se os níveis de testosterona estavam em conformidade com o regimento das instituições esportivas. Sobre esses aspectos apontados identifica-se equívocos diante do posicionamento da ex-atleta. Tifanny Abreu, por ser a primeira transexual e participar de uma competição profissional, se submeteu a mais testes hormonais do que o normal para identificar se a atleta estava de acordo com as normativas do COI e da FIVB. As normativas homologadas pelo COI apontam que para a atuação de mulheres transexuais nos esportes, deve-se ter 10 nmol/L de testosterona no sangue. Tifanny estivera abaixo desses indicativos após a transição de gênero, enquadrando-se e tendo aprovação do comitê internacional.

Outro ponto levantado por Ana Paula é de que algumas jogadoras, outras pessoas e instituições não fariam pronunciamentos, devido ao medo com possíveis repercussões. Mesmo com esses receios, algumas jogadoras opinaram sobre a situação, como foi o caso da jogadora Tandara e Sheilla. Os comentários dado por Tandara e Sheilla também seguem na mesma direção daquele de Ana Paula, como segue:

Sheilla, sobre transexual no esporte: “Imagina se vira onda”? (DA SILVA; MOURA; LOPES, 2018, p. 115)

Tandara, “Hoje, independente se a Tifanny faz a diferença ou não, eu discordo da presença dela na Superliga Feminina”. (DA SILVA; MOURA; LOPES, 2018, p. 115)

Similarmente, houve posicionamentos de instituições médicas ligadas ao esporte contrárias à inclusão, contradizendo a decisão do COI. Como foi o caso do posicionamento da Comissão Nacional de Médicos do Voleibol (CONAMEV) e da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), representadas por João Grangeiro e Rogério Friedman, respectivamente (IWAMOTO; ALMEIDA, 2018; KNOPLOCH; FONSECA, 2018).

Mas os posicionamentos a favor e contra o processo de inclusão de Tifanny não permearam somente as atletas e instituições médicas e esportivas, tomando uma enorme proporção nos meios de comunicação e nas redes sociais. Alguns comentários de pessoas fora do universo esportivo foram elencados por Da Silva, Moura e Lopes (2018), e mais uma vez observamos diversas formas de violência e preconceito contra o ingresso de Tiffany.

“A possibilidade de se ter 3 Tandaras em um mesmo time é praticamente nula, mas de ser ter 3 homens travestidos de mulher não”. Daniel Schwartz (DA SILVA; MOURA; LOPES, 2018, p. 116)

“Se tem vagina A Tifanny é mulher. O par de cromossomos é XX. É no que a esquerda, o socialismo e o comunismo transformam as pessoas: em idiotas, ao ponto de terem suas mentes idiotizadas com essa idiotice de trans, ideologia de gênero e afins”. Ivar Assis do Nascimento (DA SILVA; MOURA; LOPES, 2018, p. 116) “Realmente faz história, pois é uma mulher fisiologicamente homem, não adianta só baixar o nível de testosterona, o corpo humano é mais complexo que isso”. Roberto Luiz (DA SILVA; MOURA; LOPES, 2018, p. 116)

“No dia que esse Tifão engravidar e tiver um filho, ou pelo menos menstruar, aí sim, pode ser considerado mulher”. Francisco Alves (DA SILVA; MOURA; LOPES, 2018, p. 116)

Para além desses comentários evidenciados na obra Preconceitos no Esporte: casos do

voleibol de Da Silva, Moura e Lopes (2018), houve um longo e polêmico debate em redes

sociais, como é o caso da página do Facebook, “Quebrando o Tabu”, campo empírico-virtual desta pesquisa. Nessa página houve diversas manifestações favoráveis e contrárias ao processo de inclusão da atleta Tiffany Abreu no Voleibol brasileiro. É evidente que esse processo de não aceitação por parte de diversos atores e instituições não está ligado somente a justificativas biológicas, ou seja, pela defesa de que Tifanny teve influências do hormônio testosterona ao longo da vida e carga cromossômica XY. Refere-se também ao enfrentamento às perspectivas heterocisnormativas15 e culturais que atribuem determinadas características fixas para o que é considerado homem e mulher, que são questionados para além da legitimidade e jogabilidade de Tifanny Abreu, atingindo questões quanto à performatividade de gênero e ao corpo da própria atleta, que chega a ser considerado como um corpo abjeto por muitas pessoas. Toda essa situação com relação à jogadora possibilitou embates sobre gênero e identidades de gênero em um espaço que atende, em grande parte, senão todas, a pessoas cisgêneras.

15 Essa perspectiva entende que a sociedade é regida por normativas e padrões relacionados à heterossexualidade e à cisgeneridade, ou seja, todos aqueles que extraviam dessa normativa são consideradas pessoas desviantes. É válido ressaltarmos que esse pensamento está em consonância com ideias fundamentalistas, tradicionais, patriarcais e machistas. Um exemplo claro sobre essa heterocisnormatividade é o conceito de família proferido por diversas entidades, de que a família só é constituída por homem e mulher, não sendo formado entre homens ou mulheres homossexuais, tampouco por pessoas transgêneras.