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3.1 IDENTIDADE

3.2.5 O estrangeiro-imigrante

Partindo do objetivo inicial da presente pesquisa – verificar a ressignificação da alteridade nas redes sociais –, percebemos que, no contexto da página Humans of New York, que retrata, como o nome diz, os habitantes da cidade de Nova York, o Outro é o que não pertence ao local. O Outro é o estrangeiro ou imigrante.

O estrangeiro nos é próximo, de acordo com Simmel (1983), enquanto sentimos que entre ele e nós ocorrem igualdades sociais, profissionais e simplesmente humanas; por outro lado, quando essas igualdades não existem – o que acontece na maior parte do tempo -, o que

vemos é uma situação de estranheza em relação ao estrangeiro. Se falarmos do gênero “estrangeirismo” (no qual o senso de comunidade é substituído por algo mais amplo), podemos evocar o exemplo da relação dos gregos com os “bárbaros”, e, em geral, todos os casos em que se negam ao Outro as qualidades consideradas propriamente humanas. Neste caso, “o estrangeiro” tem o pior sentido possível, pois não é um membro do grupo (SIMMEL, 1983).

Para Simmel (1983), é interessante observar que uma pessoa pode ser considerada estrangeira pela sua nacionalidade, cidade ou raça diferentes. Independente do motivo de ser considerado estrangeiro, o fato é que é visto não por sua individualidade, mas sim pela sua procedência estrangeira, que se torna um “carimbo”, um estereótipo que se sobrepõe a outras características do indivíduo. A distância em relação ao estrangeiro se baseia, em alguns casos, em elementos socialmente objetivados. Esta configuração encontra-se, por exemplo, no caso do imposto judeu medieval em Frankfurt. Enquanto o tributo pago pelos cidadãos cristãos variava com a classe de contribuição em relação ao estado de fortuna individual, o imposto para cada judeu específico era determinado de uma só vez, independente da condição pessoal de cada indivíduo específico. Neste caso, o judeu era o estrangeiro (SIMMEL, 1983), considerado de tal forma não por causa da sua nacionalidade, mas, sim, por causa da sua religião e cultura.

De acordo com Kristeva (1994), o estrangeiro nas sociedades primitivas era o inimigo. Em alguns momentos da sociedade ocidental, o estrangeiro foi pensado, acolhido ou rejeitado. Em certos momentos, onde um sistema totalitário crescia dentro de algumas nações, ouve, ainda, a possibilidade de uma sociedade sem estrangeiros que já foi cogitada no horizonte de uma religião ou de uma moral. Justamente, “a modificação da condição dos estrangeiros, que atualmente se impõe, leva a refletir sobre a nossa capacidade de aceitar novas formas de alteridade” (KRISTEVA, 1994, p. 9).

Paradoxalmente, é nos países receptores que, muitas vezes, as identidades culturais, étnicas, sociais e nacionais do imigrante tornam-se mais autênticas e reforçadosdo que no país de origem. Isso ocorre pela necessidade de se imprimirum universo simbólico – como vimos anteriormente, as identidades são reforçadas a partir de representações simbólicas –, uma necessidade despertada no momento em que oimigrante se viu lançado na tarefa de construir para si mesmo uma realidadefamiliar, que o fosse uma referência entre tantascoisas novas e desconhecidas encontradas no processo de deslocamento (ESCUDERO, 2016).

O termo “estrangeiro” serve, ainda, como valor metafórico quando conduz os cidadãos a um constrangimento referente à sua identidade sexual, nacional, política, profissional. O termo o empurra para uma identificação (casual, mas intensa) com o Outro.

Como se pode ser estrangeiro? [...] De fato, hoje, a noção de estrangeiro possui um significado jurídico: ela designa aquele que não tem a cidadania do país em que habita. Certamente, tal enquadramento acalma e permite resolver por leis as espinhosas paixões que a intrusão do outro suscita na homogeneidade de uma família ou de um grupo. [...] Por outro lado, por ocupar explicitamente, manifestamente, ostensivamente o lugar da diferença, o estrangeiro lança à identidade do grupo, tanto quanto à sua própria, um desafio que poucos dentre nós estão aptos a aceitar. Desafio da violência: “Não sou como você”. (KRISTEVA, 1994, p. 41)

Hall (2003), no centro dessa discussão, atenta para o fato de que movimento e migração são, justamente algumas das condições que definem a história social da humanidade. As pessoas têm se mudado por diversas razões – desastres nacionais, alterações climáticas, guerras, conquistas, colonização, escravidão, repressão política, guerras, subdesenvolvimento econômico. Assim surgem as sociedades multiculturais (HALL, 2003).

Quando falamos especificamente dos Estados Unidos (conhecido por ser, historicamente, um país construído por imigrantes), vemos que, em nos anos 1990, depois de 50 anos, ele se tornou uma nação para imigrantes novamente. Na década de 1990, a população nascida por estrangeiros chegou a 19,8 milhões ou quase 8% do total de habitantes do país. Em 2005, o número havia crescido para 37 milhões, ou 12.5% do total (PORTES; RUMBAUT, 2006) e, em 2015, eram 43.2 milhões, representando 13.4% da população total40. No século XIX, os imigrantes integravam quase 15% da população, o que demonstra que a imigração contemporânea está se aproximando deste número.

As semelhanças entre a “antiga” e a “nova” imigração incluem os destinos predominantemente urbanos escolhidos pelos recém-chegados e a sua disposição a aceitar trabalhos de baixo salário. As diferenças, contudo, são marcantes: a imigração “antiga” era composta por imigrantes europeus e brancos, enquanto a imigração atualmente é composta por nãobrancos vindos de países considerados de Terceiro Mundo. Como a maioria dos países de origens dos imigrantes é pobre, muitos estadunidenses acreditam que os próprios imigrantes são pobres e nãoeducados. A verdade é que nunca os Estados Unidos receberamtantos imigrantes provenientes de países tão diferentes, e com trajetórias sociais e econômicas tão diversas (PORTES; RUMBAUT, 2006).

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Disponível em: <http://www.pewhispanic.org/2017/05/03/facts-on-u-s-immigrants/>. Acesso em: 19 jan. 2018.