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5. RETRATO SOCIOLÓGICO APLICADO AOS PENTECOSTAIS QUE ESTUDAM

5.2. Fabio Ramos

5.2.3. Estratégias de resistência disposicional

Diante dos desafios que Fabio encontrou na universidade, para evitar a reativação das antigas disposições suspensas, ele utilizou três estratégias de resistência disposicional, sendo a primeira a seleção de amigos. Como dito na seção anterior, no o início do primeiro período o foco de Fabio estava sobre a expectativa dos desafios intelectuais, porém, à medida que o tempo passava e a empolgação de estar em uma universidade federal minimizava, ele percebeu que alguns costumes dos alunos eram incompatíveis com a ética pentecostal, em suas palavras: “eu comecei a selecionar as pessoas com quem eu iria me relacionar, porque eu vi que muitas pessoas não condiziam eu estar próximo daquelas pessoas, entendeu? Aí, foi quando eu comecei a ser mais seletivo, né”.

Na primeira seção, foi dito que um dos aspectos que favoreceu a gênese das disposições ligadas à religião, em Fabio, foi a substituição de amizades não evangélicas por evangélicas, porém agora, na universidade, o ambiente majoritariamente não evangélico parecia desafiar sua fé81 e, por essa razão, uma das estratégias dele foi aproximar-se de pessoas cujas práticas fossem mais compatíveis com a sua.

Por ser tímido, inicialmente ele não se aproximou muito de ninguém da sala, mas, ele diz que esse também foi um momento de analisar o ambiente e ver de quais pessoas seriam mais indicadas a aproximação. A partir dessa análise, ele se inseriu em um grupo do qual participa até hoje e que ele caracteriza assim: “são pessoas mais quietas, mais sérias, assim, na sua”. Além de Fabio, esse grupo é composto por dois evangélicos, dois católicos praticantes e

81 Embora Fabio não tenha estudado em escolas confessionais, ele ressaltou que o ambiente universitário é incomparavelmente mais desafiador do que o da escola.

duas católicas nominais, mas, a despeito da diferença de religião, nunca houve discussão teológica entre eles.

Uma vez que Fabio está distante do contexto que favoreceu a gênese das disposições ligadas à religião, ele tenta criar na universidade um ambiente que seja semelhante a tal contexto. Na igreja ele aprendeu que a “carne milita contra o espírito” e, por isso, uma vez tendo sido “liberto dos desejos carnais”, ele tenta fugir de amizades que o aproximem novamente de tais desejos.

Para Fabio, pequenos descuidos podem causar grandes prejuízos para sua fé, como ele cita o provérbio bíblico: “as más conversações corrompem os bons costumes”. Portanto, sua primeira estratégia de resistência disposicional consiste em afastar as influências que sejam nocivas para sua vida espiritual.

A segunda estratégia de Fabio foi sua participação no intervalo bíblico. Ele não sabia que existia esse tipo de atividade evangélica na universidade, mas, um dia, por acaso, ele disse que ouviu, de longe, uma música evangélica e, com curiosidade, procurou onde estava sendo tocada. Ao encontrar diversos jovens professando a fé publicamente, na universidade, ele se tornou participante assíduo nesses encontros.

No intervalo bíblico, atividades típicas do contexto religioso transcendem esse espaço e chegam ao contexto universitário fazendo com que, mesmo em um espaço secularizado, disposições e práticas religiosas continuem sendo ativadas e não sejam apagadas pelo pertencimento ao contexto acadêmico. É importante lembrar que, antes da universidade, Fabio estudava à tarde e frequentava a igreja, no mínimo, três vezes no meio da semana, porém, após o ingresso na universidade, ele teve sua frequência reduzida apenas aos finais de semana. Portanto, o intervalo bíblico, para Fabio, é como se fosse uma oportunidade de “ir à igreja” e um meio de fortalecer as disposições geradas no contexto eclesiástico. Além disso, o fato de (quase) todos os integrantes do intervalo bíblico serem universitários também possibilita que eles estejam passando por experiências semelhantes e ajudem, espiritualmente, uns aos outros.

Com já foi dito, Fabio é bastante assíduo no intervalo bíblico e, mesmo quando as atividades da semana são mais intensas, ele sempre separa um tempo para participar. Normalmente ele chega à universidade às dezesseis horas e fica estudando na biblioteca até a hora da aula, mas, nas quartas-feiras, esse horário é antecipado para dezoito horas, que é o horário do intervalo bíblico. Para ele:

Num ambiente tão pesado, que as drogas são soltas, o convite ao sexo fácil é constante, os barzinhos tão sempre lá, as músicas do mundo, você encontrar um grupo que tá orando, que tá buscando a Deus é muito bom... é bom pra a gente, que é fortalecido e é bom pra as pessoas, que tão ouvindo e podem ser ajudadas de alguma forma, tipo, o camarada tá passando por um problema, Deus pode usar uma palavra, um louvor, uma oração, pra falar com ele ou com ela.

Contudo, a despeito de reconhecer a importância do intervalo bíblico, Fabio diz que muitas pessoas da universidade não veem essa reunião com bons olhos. Embora não tenha constatado grandes desafios intelectuais para a fé cristã, ele diz que, na universidade, existe uma certa intolerância com muitas práticas e valores cristãos e, por isso, ele a chama de incoerente, visto que fala em liberdade, mas “persegue” o cristianismo82.

Segundo Fabio, embora o intervalo bíblico não tenha caráter primariamente proselitista e muito menos intolerante, muitas pessoas criticam o fato de a universidade pública e laica ser utilizada para fins religiosos e, por isso, ele diz que várias pessoas são preconceituosas com tais reuniões:

As pessoas olham pra a gente como se aquilo que a gente tá fazendo fosse algo muito errado. Eu sempre observo essa postura das pessoas. [...] nesses dias, mesmo, estavam criticando nas redes sociais. Pra mim não vale a pena você tá discutindo no facebook, mas existem pessoas no grupo que dizem “ah, lá no facebook tão metendo o pau no intervalo bíblico”, “que tá tentando catequizar a universidade, tá tentando trazer o cristianismo pra universidade”, “vão lá, gente, vamos defender a gente”. Pra mim não vale a pena tá nesse debate que não vai a lugar nenhum.

A despeito de todas essas questões, pode-se perceber que o intervalo bíblico tem uma função muito importante na resistência disposicional de Fabio diante dos desafios da universidade. A terceira estratégia dele é a participação mais efetiva na igreja nos fins de semana e nas atividades devocionais no meio da semana.

Como já foi dito, em sua experiência cristã e universitária Fabio constatou que, no decorrer do curso, algumas pessoas abandonaram gradativamente a igreja até deixarem-na

82 Ele comenta: “Recentemente teve ali no CAC algumas pessoas que fizeram uma atividade teatral, levaram uns cartazes “Jesus te ama”, essas coisas assim. Aí disseram que tavam evangelizando a universidade “ah, tão querendo catequisar todo mundo aqui, isso é errado. Esse pessoal não é pra tá aqui, bando de conservador”, na hora. Aí depois algumas pessoas na sala de aula dizendo “aquilo não existe, dentro de uma universidade não pode existir uma expressão dessa, aqui é um centro secular”, mas a universidade é um reflexo da sociedade, né, e na sociedade não só tem pessoas ateias, tem cristão, tem espírita, tem mulçumano, então, por que aquilo não pode, mas uma expressão LGBT pode? Falam em liberdade, mas liberdade naquilo que eles acreditam, não em liberdade de outras pessoas também terem o direito de ocupar esses espaços”.

completamente. Para não correr esse risco, ele investe bastante em sua vida devocional, lendo a Bíblia e orando todos os dias. Por exemplo, ele só lê livros ligados de história “secular” na universidade, mas quando estar em casa, ele prefere ler a Bíblia ou livros teológicos. Pois para ele: “se você não se disciplinar e tiver uma vida de oração constante, a tendência é você esfriar e se afastar mais e mais”.

Para o pentecostalismo, a prática da oração e da leitura bíblica são meios que fortalecem a vida espiritual do fiel e, visto que Fabio percebe o contexto universitário como desafiador à sua fé, ele utiliza tais meios para fortalecer sua relação com o sagrado e para inibir os efeitos da secularização sobre sua vida.

Embora não se considere uma pessoa mística, Fabio ressalta a importância da oração em sua experiência. Ele diz que muitas pessoas se afastam de Deus porque negligenciam a prática da oração, deixando-se levar pela influência de amigos: “não é só na universidade não, eu citei a universidade porque é onde eu tô e eu vejo que é um ambiente difícil, aí por isso... se você não dobrar o joelho e orar, orar, orar, é difícil se manter firme. Estar na universidade sem uma vida de oração, vai se afastar, porque as propostas do mundo são tentadoras”.

Além da prática devocional pessoal, percebe-se que Fabio também tenta manter a frequência aos cultos e programações de sua igreja, indo nos sábados à noite ao ensaio do grupo jovem, nos domingos pela manhã à escola dominical e nos domingos à noite ao culto de pregação. Dentre outras funções, essa assiduidade no templo também se torna um meio de fortalecimento das disposições religiosas, uma vez que ele está semanalmente no contexto em que elas foram geradas e junto com pessoas que tem as mesmas crenças e práticas.

As três estratégias de resistência disposicional descritas nesta seção mostram o interesse de Fabio em manter ativas as disposições ligadas à igreja e não gerar (ou reativar) qualquer disposição ligada à universidade, pois, como vimos no primeiro capítulo, a ativação constante de uma disposição torna-a mais forte e sua inibição contribui para seu desaparecimento.