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2 Trabalho docente: contribuições da psicodinâmica do trabalho

2.5. Estratégias individuais e coletivas de defesa no trabalho docente

Estratégias defensivas são mecanismos utilizados pelos trabalhadores como forma de racionalização da angústia, medo e insegurança que causam sofrimento no trabalho. Refere-se à “modificação, transformação, e em geral, à eufemização da percepção que os trabalhadores têm da realidade que os faz sofrer” (DEJOURS, 1994, p.28). Estas defesas são utilizadas pelos trabalhadores a partir da impossibilidade de vencerem a rigidez das prescrições organizacionais, minimizando assim a percepção das pressões que os fazem sofrer.

Existem estratégias individuais, caracterizadas pelo isolamento, pela passividade; e coletivas, as quais requerem cooperação e solidariedade entre os trabalhadores, além de um espaço de discussão, onde possam acontecer. A característica coletiva é sustentada por meio de um consenso, o que depende de um acordo partilhado entre o grupo. A partir do coletivo de trabalho, o trabalhador se sente fortalecido, pois o engajamento conjunto traz o sentido do trabalho, o qual organiza subjetivamente a estrutura da identidade, juntamente com o estabelecimento do sentimento de confiança mútua e reconhecimento para com o outro.

Na realização de seu trabalho e para alcançar seus objetivos, o trabalhador precisa empregar uma inteligência que vai além da simples concretização do prescrito, precisa engajar-se na atividade, estabelecendo processos subjetivos de mobilização.

Refletindo sobre os processos de mobilização subjetiva e identificação, Dejours (2004) sobrepõe o triângulo da dinâmica da identidade de Sigaut com o triângulo da psicodinâmica do trabalho, que possui os seguintes polos: o Sofrimento, o Reconhecimento e o Trabalho. Ressalta-se a importância do trabalho para constituição da identidade e entende-se, sob esse referencial teórico, que toda crise no trabalho é uma crise de identidade.

Para enfrentar o sofrimento, os trabalhadores elaboram procedimentos de defesa, como forma de resistência à agressão que determinadas formas de organização do trabalho constituem. São as defesas que permitem aos trabalhadores resistirem às conseqüências do medo, consolidando os coletivos de trabalho e um dos objetivos principais de Dejours é “a compreensão das estratégias às quais o trabalhador recorre para manter-se saudável, apesar de certos modos de organização do trabalho patologizantes” (DEJOURS, 2004, p.172).

As estratégias de defesa são organizadas em torno da negação do real, da resistência ao domínio técnico do trabalho, racionalizando a angústia, o medo e a insegurança vivenciada no trabalho e assim preservar a saúde do trabalhador.

Para fazer face às situações geradoras de sofrimento, transformando-as em geradoras de prazer, o trabalhador cria uma diversidade de estratégias que vão desde a mobilização individual até a coletiva, tendo como objetivo comum a eliminação do custo negativo imposto pelo trabalho.

A cooperação é uma importante estratégia coletiva de defesa contra o sofrimento no trabalho. Pressupõe construção de vínculo, formação de vontade coletiva, onde a confiança e a solidariedade permitem o encontro de um denominador comum entre os trabalhadores, amenizando assim seu sofrimento. A partir do coletivo de trabalho, o indivíduo se sente fortalecido. São as relações de cooperação, de confiança mútua e reconhecimento que desenvolvem a saúde e a identidade do sujeito. .

As estratégias defensivas funcionam no trabalho por um retorno da relação subjetiva com as pressões patogênicas. Sendo assim, é através dessas estratégias que o sujeito sai de uma posição de passividade para a posição de agente ativo de um desafio, de uma atitude provocadora ou de uma minimização diante da dita pressão patogênica. A psicodinâmica do trabalho realiza então uma análise dinâmica do sofrimento e das estratégias defensivas a partir da análise da transformação do sofrimento em reconhecimento (DEJOURS e ABDOUCHELI, 1994).

O trabalho oferece amálgama ao conjunto “sofrimento e reconhecimento”. Se falta reconhecimento, os indivíduos engajam-se em estratégias defensiva para evitar a doença mental, com serias conseqüências para a organização do trabalho, que ocorre o risco de paralisia. (DEJOURS, 2008, p.79).

Dejours (1999) aborda o sofrimento no trabalho e destaca suas possíveis causas, dentre elas o medo da incompetência, a pressão externa, a distância entre o prescrito e o real, a desesperança quanto ao reconhecimento no trabalho e o medo de não conseguir lidar com seus alunos adolescentes. Os mecanismos de defesa gerados por estas circunstâncias e como exemplos destas estratégias de defesa estão excessiva submissão, resistência a mudanças, reduzido envolvimento com o trabalho, falta de aspirações e sensibilização perceptual, os quais impedem a consciência dos sérios problemas vivenciados no trabalho, ocasionando um comportamento apático frente às situações vivenciadas.

O professor, na relação educativa, enfrenta o confronto com um sujeito que lhe provoca muitas interrogações, e com isso é conduzido a rever continuamente a coerência de suas ações (LANCMAN, 2011). E nisso reside sua implicação pessoal com os aspectos técnicos da profissão e também com os valores, ideais de vida e atitudes frente à sociedade.

Quando esta implicação pessoal é cortada, as relações em sala de aula se tornam superficiais, e o professor se defende através de uma atuação mais rígida em sala de aula, redução de explicação de conteúdos e não relação dos conteúdos desenvolvidos com o cotidiano, o que dificulta o entendimento por parte dos alunos.

Frente às adversidades do cotidiano escolar, que vão desde as dificuldades de aprendizagem até a falta de interesse dos alunos pela aula, busca como estratégia de defesa o afastamento das atividades, seja enganando o tempo, seja promovendo atividades sem propósitos educativos, ou ainda realizando um ensino irresponsável, aprovando alunos mesmo que não tenham atingido o mínimo necessário para aprovação.

Assim, ao sentir-se incapaz de lidar com as frustrações da própria função, bem como com todas as frustrações da própria vida e do desamparo frente à modernidade, os professores buscam nas estratégias individuais e coletivas de defesa, maneiras de sobreviver ao sentimento de mal-estar no trabalho docente.

[...] o professor lança mão de algo que fale por ele, ou dele, como os atestados médicos, as licenças, qualquer coisa que ateste seu mal-estar, que os tire do confronto com as impossibilidades relativas ao seu próprio desejo. Nesta perspectiva, pode-se considerar que o atestado médico é usado como um instrumento que simboliza a fala do sujeito (AGUIAR; ALMEIDA, 2008, p. 45). O docente busca no absenteísmo uma “forma de buscar um alívio que permita ao professor escapar momentaneamente das tensões acumuladas em seu trabalho” (ESTEVE, 1999, p.63), e assim recorre às licenças trabalhistas, faltas em períodos mais curtos, pedidos de transferências ou condutas de indiferença a tudo que ocorre no ambiente escolar.

Ao demonstrar um tipo de inércia, no sentido de busca de inovações e melhorias do ensino e pouco envolvimento com o trabalho e com os problemas cotidianos da escola, passa a desenvolver certa descrença em relação às possibilidades de mudança, percebendo que, por mais que esforce as situações problemáticas não serão alteradas.

Diante da perspectiva de não obter resultados positivos, passa a desencadear ações paralisadoras frente às dificuldades. Essas ações, ao invés de se dirigirem à solução dos problemas, distanciam-se ou isolam-se deles. É claro que cada indivíduo tem uma forma própria de lidar cm essas insatisfações e frustrações, porém o baixo envolvimento pessoal, a passividade e o distanciamento do trabalho parecem ser estratégias de defesa muito comuns, utilizadas pelos professores que apresentam insatisfação e mal-estar no trabalho.

Há professores que utilizam como mecanismo de defesa a rotinização de suas atividades docentes, procurando manter a “máscara” do modelo normativo ideal que

interiorizaram (ESTEVE, 1999). Ao procurar manter frente aos demais, a imagem estereotipada do professor ideal, se autodeprecia, esquecendo-se de ser ele mesmo, e com isso destrói cada vez mais sua autoimagem.

O trabalho em equipe, conforme afirma Jesus (2007), é uma estratégia fundamental para prevenir e superar o mal-estar docente e também para o desenvolvimento e realização profissional dos professores. Utilizar a negociação ou criação de metas e regras de direcionamento do trabalho caracteriza-se também como uma estratégia de defesa para amenizar a insatisfação no trabalho docente.

Oliveira (2003) a partir dos estudos da psicodinâmica do trabalho, ao abordar o sofrimento no trabalho, aponta que a perda de controle sobre os meios de produção, processo de desqualificação, baixos salários e venda indiscriminada da força de trabalho são principais causas do sofrimento no trabalho. No trabalho docente com adolescentes, várias situações também se fazem presentes, tais como: dificuldade em lidar com as questões da sexualidade trazidas pelo aluno para a sala de aula; angústia ao perceber-se impotente frente ao envolvimento do aluno adolescente com questões relacionadas à droga e violência; ausência de reconhecimento da sociedade em relação ao trabalho que desenvolvem com alunos adolescentes e também aspectos relacionados à apatia do aluno frente ao que é proposto em sala de aula. Estes elementos conduzem o professor ao uso cada vez mais intenso de estratégias de defesa contra o sofrimento, as quais se caracterizam por meio de comportamentos de resistência a todo tipo de mudança e baixo envolvimento com o trabalho. Estas estratégias defensivas emergem do confronto entre o modo como as subjetividades são tensionadas pelos profissionais quando em atividade produtiva, e faz sofrer.

A mobilização da subjetividade e o engajamento do professor com o trabalho docente implicam nas relações estabelecidas na escola e no contexto da sala de aula, no espaço social. Portanto, apresentamos a seguir, o contexto escolar onde as relações entre professor e aluno ocorrem, evidenciando os desafios do trabalho docente com adolescentes.