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A escola, como todo espaço social, possui convenções que se traduzem em rotinas organizacionais, que se tornam estáveis através do tempo. É neste espaço que atuam diversos indivíduos, professores, pais e alunos, os quais são ligados por vários tipos de relações, relações estas que abrigam tensões, conflitos e negociações.

Dessa forma, a escola aparece não só como uma estrutura organizacional, como uma realidade objetiva onde o trabalho docente é realizado, mas se constitui também como fonte de tensões e de dilemas da profissão. (TARDIF; LESSARD, 2012).

A escola tem sido invadida por modelos de gestão e normas de execução de trabalho, com prescrição de tarefas e conteúdos escolares que tornam o currículo extremamente engessado, introduzindo medidas de eficiência e controle de horário excessivo, num processo burocrático crescente. As regras que regem as relações de trabalho na escola são extremamente burocráticas, o que pesa sobremaneira nas condições de trabalho dos professores, afetando profundamente em seu trabalho docente.

[...] nos dias atuais, a escola deixou de cumprir um dos seus importantes papéis que é o de apoio e lugar de reivindicações e resistência ao modelo social vigente de massificação e de globalização das pessoas e das relações sociais. Essa despersonalização conduz o professor a um lugar de solidão. (AGUIAR; ALMEIDA, 2008, p.82)

Desde seu surgimento, nos séculos XVI e XVII, as escolas, conforme afirma Tardif e Lessard (2012), propõem uma pedagogia baseada no modelo autoritário, tendo um controle de disciplinas sistemático, exercido pelo mestre sobre os alunos. Assim, o mestre é visto como o centro das atividades na classe. E, embora tenham sido introduzidas inovações a partir das correntes psicológicas contemporâneas, o docente como centro da ação, permanece sendo a maneira dominante de ensinar.

Tardif e Lessard (2012, p. 285) argumentam que o status do professor,

[...] exige do trabalhador diferentes posturas, atitudes, habilidades e conhecimentos variáveis de acordo com suas relações com o objeto de seu trabalho, com as tecnologias, com os objetivos, os resultados [...].

Para atingir seus fins, os professores devem lidar com programas, objetivos, disciplinas, tendo sempre presente o lado materialmente intangível de sua prática, (TARDIF; LESSARD, 2012) por tratar de como devem ser, fazer e saber as crianças, jovens e adultos que fazem parte da sociedade.

Porém, por ser a escola um dispositivo aberto, onde as forças sociais do ambiente interferem significativamente, o professor não consegue controlar totalmente seu objeto de trabalho, pois o processo de ensinar está relacionado com o lidar com um “objeto humano”. E, segundo Tardif e Lessard (2012) para que os objetivos docentes sejam alcançados é preciso contar com a participação de seu objeto. É preciso transformar em interesse subjetivo, a dita obrigação social de ir à escola.

Ai está o desafio maior do professor, pois a docência, mesmo sendo realizado num ambiente fechado, seu objeto de trabalho é coletivo, ocorre mediante um público de alunos. (TARDIF; LESSARD, 2012). Assim, o grupo de alunos, além de ser a fonte de resistências que precisa superar para atingir seus objetivos, constitui ao mesmo tempo o seu próprio espaço de trabalho.

E, quando o professor se depara com o desafio de ser docente nas classes dos últimos anos do ensino fundamental, seu trabalho adquire algumas peculiaridades, tendo em vista que nesse período escolar os alunos são adolescentes que se encontram no período pubertário.

A puberdade é caracterizada como a fase inicial da adolescência, período este em que ocorrem as transformações físicas e biológicas no corpo das meninas e dos meninos. É durante este período que ocorre o desenvolvimento dos órgãos sexuais: meninas entre 10 e 13 anos e meninos 12 e 14 anos. A adolescência por sua vez, é uma etapa intermediária entre a infância e a fase adulta, sendo marcada por diversas transformações, tanto corporais, hormonais quanto comportamentais. Este período varia de pessoa para pessoa, podendo ocorrer entre os 10 e 20 anos de idade, período este definido pela OMS – Organização Mundial da Saúde.

A adolescência, segundo Marty (2012) é um período de vulnerabilidade para uns e, para os mais frágeis, um período que pode levar à descompensação, que pode torná-los violentos, tanto contra eles mesmos quanto para com os outros. Quando a adolescência não consegue construir defesas eficazes na infância e no período de latência, ou seu ambiente não permitiu o encontro de apoio que o fizesse conter a avalanche que a puberdade o apresenta, ele se sente desamparado. Todos estes conflitos internos dos adolescentes são, muitas vezes, externalizados na sala de aula, o que significa um grande desafio ao professor, pois além de ter de cumprir o conteúdo prescrito para suas turmas, no que diz respeito à aprendizagem, precisa lidar também com os aspectos subjetivos de como seus alunos vivenciam sua adolescência e o modo como essa experiência se fará palco na sala de aula.

A puberdade aumenta significativamente o sentimento de insegurança, levando-os a atitudes de confronto, de fuga na direção do desconhecido ou a atos de evitação, manifestados através da inibição ou fobia, quando não de violência, para assim enfrentar a insegurança interna. (MARTY, 2012). Aparece na vida psíquica do adolescente, obrigando-os a estabelecer modos de defesas primárias, projetando seu ataque, tanto a seu próprio campo púbere, quanto ao objeto parental, descarregando a tensão pulsional sobre os objetos externos além de atacar o sentimento de identidade, podendo desencadear um desmoronamento depressivo grave.

A adolescência, enquanto experiência subjetiva de passagem à vida adulta está envolta de um processo de luto, onde é necessário abdicar do objeto de amor da infância (CIBELLA; CARDOSO, 2012) e também do corpo infantil, exigindo do adolescente um trabalho psíquico de elaboração. É na adolescência que os laços sociais se fragilizam, surgindo assim, conforme Birraux (2012), “surtos” de individualismo e busca desenfreada de satisfação imediata. Tudo isso contribuindo com a ideia de que o adolescente resiste em tornar seus os valores de seus pais.

Na adolescência, o sujeito precisa abrir mão do amor da infância, representado pelos pais, que sempre trouxeram segurança e que, de repente, com a separação, causa dúvida em relação ao que sente pelas figuras paternas. Assim, muitas perdas estão implicadas neste período e, conforme Cibella e Cardoso (2012), com a perda do corpo infantil, a vivência do Édipo retorna. O adolescente se sente violentado pelas transformações pubertárias e busca, a partir de atitudes de violência, testar a capacidade que tem de suportar sua própria destrutividade.

A puberdade traz mudanças ao adolescente, mudanças corporais que vêm carregadas de inquietudes e de efervescência pulsional, características da sexualidade pulsional, além de remeter à perda de importantes referenciais. (CIBELLA; CARDOSO, 2012). Seu encontro com a sexualidade genital traz implicações a nível pulsional, que tanto pode lhe causar desorganização, quanto sensação de passividade.

Conforme Cibella e Cardoso (2012, p. 44), “a adolescência é um momento de crise, em que mudanças físicas e psíquicas se dão.”. E, como existe uma relação muito forte com o eu, este se fragiliza ao entrar em contato com o mundo externo. O adolescente, percebendo que perdeu sua identidade infantil, sente-se fragilizado frente às situações pubertárias que vão surgindo no corpo sem pedir licença, em forma de arrombamento pubertário, causando uma erupção no corpo do sujeito. Diante das perdas herdadas da infância e da incerteza que aparece com a chegada da puberdade, o adolescente busca relações objetais com novos grupos, afirmando-se em um modo próprio de pensar. O “eu” do adolescente é frágil e busca constantemente a estabilização a partir da infância.

Na escola, há um sujeito que se expõe através de seu discurso didático, e que se interpõe entre a própria vontade didática e o que faz efetivamente em cena. (BLANCHARD- LAVILLE, 2005). O educador, conforme Arendt (2003) se mostra ao jovem como um representante do mundo que deve assumir responsabilidade, a qual esta implícita no fato de que são os adultos que introduzem os jovens em um mundo em continua mudança.

Os adolescentes, sendo contestadores, críticos, impetuosos e inseguros, estão sempre à procura de novos desafios, deseja sempre que suas ideias prevaleçam, o que muitas vezes causa um sentimento de revolta em relação aos professores, certa mágoa por não ser ouvido em todos os momentos.

Conforme Blanchard- Laville (2005), o professor é um filtro com relação ao saber que transmite. O trabalho docente com alunos adolescentes apresenta desafios particulares aos professores, os quais se veem mobilizados por seus próprios sentimentos de adolescência, aonde virão à tona as questões vividas neste período e que retornam nos comportamentos dos alunos.

Dessa forma, trabalhar com adolescentes mobiliza no professor o papel de autoridade, a violência e todos os aspectos subjetivos que envolvem o ser. Assim, mediante a especificidade da circunstância educativa, o professor procura uma forma de atuação equilibrada, que busque o entendimento do adolescente em sua diversidade de comportamentos. E é neste contexto que o real do trabalho se faz presente, pois não há como seguir exatamente o que está prescrito, é preciso considerar todas as situações que surgem no cotidiano da sala de aula e que requerem do professor novas formas efetivas de intervir no espaço educativo.