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Capítulo 1 – INTRODUÇÃO

1.3. Estrutura metodológica

Para estudarmos as implicações dos arranjos de governança local em experiências já implementadas de reestruturação de áreas portuárias e a forma como ela poderia condicionar uma futura proposta para a área portuária de Natal, optamos por estruturar nossa pesquisa em três eixos de investigação:

1. Resgate do contexto geral no qual as experiências de reestruturação de áreas portuárias se desenvolvem, com base em referencial teórico;

2. Observação de experiências já implementadas em outras cidades, com enfoque sobre a governança local característica em cada uma delas;

3. Análise do caso específico de Natal, com ênfase sobre os arranjos de governança que estão sendo delineados em torno de propostas para a sua área portuária.

O primeiro eixo de investigação compreende uma pesquisa bibliográfica ampla sobre o referencial teórico-conceitual relacionado ao contexto histórico no qual despontam as experiências de reestruturação de áreas portuárias em cidades da América do Norte, Europa e América Latina. Concentra análises de textos e considerações sobre as condições econômicas, políticas e culturais que caracterizam o período de estudo (década de 1980 aos dias atuais). São abordados nesse primeiro eixo de investigação temas ligados ao processo de globalização econômica e de reestruturação produtiva, aos movimentos de reforma no papel dos Estados, à emergência do pós-modernismo no âmbito cultural, com suas influências sobre o pensamento urbano, o planejamento das cidades, e as mudanças na concepção de desenvolvimento. Sem perder de vista a inserção da temática da governança nesse contexto e os reflexos mais diretos que se fazem sentir sobre as áreas portuárias como um todo.

No segundo eixo de investigação, direcionamos a análise para uma abordagem geral sobre o objeto empírico de pesquisa e sobre como ele se relaciona ao referencial teórico anteriormente construído. Dá-se enfoque aos processos de reestruturação de áreas portuárias que ocorrem dentro desse contexto: como eles começaram a despontar em diversas cidades do

mundo, que condicionantes propiciaram seu surgimento e sua caracterização e como estão relacionados ao modo de interação porto-cidade estabelecido. Nesse segundo eixo faz-se a relação entre o conceito de governança local e os formatos que adquire nos processos de reestruturação de áreas portuárias, a partir da caracterização dos arranjos de governança que permeiam diversas experiências. Como fonte dos dados utilizados, recorremos a diversas publicações científicas, a partir das quais procuramos reunir informações descritivas sobre as experiências e também reflexões críticas de alguns autores, complementando essas referências com dados coletados na Internet, nas páginas oficiais dos principais portos investigados.

Para a análise da influência da governança local nessas experiências, distinguimos os formatos de governança característicos de cada localidade por meio do papel desempenhado pelas diferentes categorias de atores sociais envolvidos e os conflitos e articulações de cunho político-institucional decorrentes dos arranjos estabelecidos entre eles. Para tanto, foram classificadas as seguintes categorias de atores: agentes públicos (nos níveis federal, estadual ou municipal de governo), agentes políticos (aqueles representantes do Poder Legislativo), agentes privados (considerados como aqueles representantes dos interesses de mercado) e população (que conformaria o conjunto de organizações sociais representantes de interesses diversos). Essa classificação aparece esquematizada na tabela 1, abaixo.

TABELA 1 - CATEGORIAS DE ATORES SOCIAIS INVESTIGADAS

CATEGORIAS REPRESENTANTES

Federal Governo Federal, Ministérios, Administ. Portuária,... Estadual Governo do Estado, Secretarias e Órgãos Estaduais,... AGENTES

PÚBLICOS

Municipal Prefeitura, Secretarias e Órgãos Municipais,... Federal Bancada Federal – Deputados Federais Estadual Assembléia Legislativa – Deputados Estaduais AGENTES

POLÍTICOS

Municipal Câmara Municipal – Vereadores AGENTES PRIVADOS

Federação das Indústrias, grupos de empresários exportadores, grupos de empresários locais (ligados a indústria, comércio ou serviços),...

POPULAÇÃO

Universidade, ONG’s, Moradores, Grupos defensores do meio ambiente natural e do patrimônio histórico, pescadores, artesãos,...

Procurou-se identificar a intensidade e o modo de inserção de cada uma dessas categorias de atores nas ações de comando (isto é, nos processos decisórios), de coordenação (ou condução) e de implementação (na execução) dos processos de reestruturação de áreas portuárias. Foram observadas também variáveis relativas ao tipo de participação de cada

categoria de atores (se técnica, político-institucional ou financeira); à interação entre as categorias de atores (articulação, negociação ou conflito); e à orientação política priorizada entre os atores (se voltada para o desenvolvimento endógeno, para a inserção na economia global ou para a gestão dos conflitos internos, visando à cooperação). A tabela 2, abaixo, apresenta um resumo da relação entre categorias e variáveis consideradas no estudo.

TABELA 2 - CATEGORIAS E VARIÁVEIS DA GOVERNANÇA LOCAL

COMANDO COORDEN. IMPLEMEN.

CATEGORIAS VARIÁVEIS Pu Pr Po Pu Pr Po Pu Pr Po Técnica Político-Institucion. M Participação Financeira F Articulação F M F Negociação Interação Conflito Desenv. Endógeno Inserção Global F M F Orientação Política Gestão de Conflitos

Legenda: Pu= Público (F= Federal; E= Estadual; M= Municipal); Pr= Privado; Po= População. Observação: Nesta tabela encontra-se representado um exemplo de sistematização.

Em relação ao caso exemplificado, o quadro da governança seria interpretado da seguinte forma: na categoria “comando”, temos o predomínio do setor privado, com uma participação de ordem técnica e político-institucional, em articulação com o nível federal do setor público, voltado para a inserção na economia global; na categoria “coordenação”, temos uma associação entre setores público e privado, com participação técnica do setor privado e político-institucional do nível municipal do setor público, mostrando uma articulação entre setor público municipal e o setor privado, voltada para a inserção global; e na categoria “implementação”, tem-se uma condução centrada no setor privado, com financiamento do setor público federal, voltada para a inserção global; a população passa a participar de forma político-institucional, através da negociação de interesses, no caso, mais voltada para a gestão de conflitos. Em resumo, teríamos para o caso exemplificado, uma governança centrada na articulação entre setores público e privado, com predomínio do setor privado e voltada para a inserção global. A população participaria apenas de forma marginal no processo, quando da necessidade de negociação de conflitos. Esse exemplo é apenas ilustrativo, não tendo havido uma caracterização tão detalhada das variáveis e categorias consideradas para todos os casos.

As relações estabelecidas entre as variáveis e categorias sistematizadas na análise das experiências de reestruturação de áreas portuárias investigadas permitiram uma associação entre as características de governança local predominantes e três modelos gerais identificados: a governança corporativa ou tradicional (marcada pela articulação entre os setores público e privado, com comando predominantemente privado e financiamento público e voltada para o desenvolvimento endógeno); a governança empreendedora (com articulação flexível e maior interação entre setores, principalmente público e privado, e voltada claramente para a inserção global); e a governança cooperativista ou gestionária (em que há participação ampla de dois ou mais setores em todo o processo, por meio da cooperação, e voltada para a resolução de conflitos). Essa classificação preliminar da governança local foi relacionada aos modelos de reestruturação de áreas portuárias identificados nas experiências, com o objetivo de se obter uma visão cruzada das informações levantadas.

No terceiro eixo de investigação, deu-se ênfase ao caso específico da cidade de Natal e das propostas de reestruturação para a sua área portuária. Nessa fase da pesquisa, utilizou-se o arcabouço teórico-empírico geral construído nas fases anteriores, para aprofundar a análise em um objeto empírico mais próximo e acessível, em que o processo de reestruturação da área portuária encontra-se em fase de desenvolvimento. A análise de elementos específicos desse objeto de estudo permitiu compreender mais detalhadamente como os arranjos de governança se conformam na esfera local, como também identificar tendências relacionadas aos modelos anteriormente estudados para o caso analisado.

Mas, antes de iniciar a pesquisa de campo propriamente dita, considerou-se relevante realizar uma pesquisa bibliográfica sobre o processo de formação da cidade, sobretudo no que se refere à evolução das práticas de planejamento urbano no nível local, no intuito de melhor compreender as particularidades inerentes a Natal que poderiam influenciar nas condições de planejamento e de governança da atualidade. Assim, a partir do referencial bibliográfico e documental levantado, construiu-se uma visão geral dos traços mais marcantes da economia, da política, da cultura e da sociedade natalenses, que oferecesse uma caracterização mínima, porém essencial, das condições locais específicas identificadas no objeto de estudo empírico. Nesse trabalho de resgate histórico, foi dada uma atenção especial às ações e projetos ligados ao centro histórico da cidade desenvolvidos nos últimos anos (relacionados principalmente ao bairro da Ribeira, onde está localizado o Porto de Natal), por constituírem-se, de certo modo, na origem de muitas das propostas que hoje estão sendo discutidas para a área portuária. Com isso, partiu-se, então, para a análise da governança em torno dessas propostas.

No levantamento das propostas em vigor para a área portuária de Natal, procurou-se observar a forma como elas vêm sendo colocadas em discussão e como elas se relacionam aos arranjos de governança local que estão sendo delineados. A partir da realização de entrevistas semi-estruturadas com pessoas envolvidas no processo, procurou-se analisar posicionamentos de representantes do setor público municipal, estadual, e federal, de representantes políticos e representantes do setor privado e da sociedade. Buscou-se, ainda, compreender como cada proposta foi pensada, que interesses contempla, que atores sociais pretendem conduzi-la, e as articulações e os conflitos entre eles, no intuito de apontar para o modelo de reestruturação a que se assemelha, e o formato de governança em que se apóia.

Como resultado dessa pesquisa, apresentamos uma visualização geral das condições em que se encontra o possível processo de reestruturação da área portuária de Natal, com a indicação dos condicionantes de governança local que poderão influenciar no processo.