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Capítulo 2 – CONTEXTUALIZAÇÃO

2.1. A globalização e seus reflexos sobre cidades e portos

2.1.1. O papel das cidades na era da globalização

Como já foi dito, as mudanças estruturais que vêm ocorrendo nos campos da cultura, da economia e da política nas sociedades contemporâneas (para destacar apenas esses campos) possuem fortes reflexos sobre a organização das cidades. Conforme Sassen, “[...] a globalização da economia, acompanhada pelo surgimento de uma cultura global, alterou profundamente a realidade social, econômica e política dos Estados-Nação, das regiões transnacionais e [...] das cidades” (1998, p. 11). Essa alteração profunda reflete-se, segundo a autora, no surgimento de um novo tipo de sistema urbano, que opera em níveis regionais, globais e transnacionais.

Trata-se de um sistema no qual as cidades são pontos centrais fundamentais para a coordenação internacional e para a prestação de serviços das empresas, mercados e até mesmo de economias inteiras que, cada vez mais, são transnacionais. Essas cidades despontam como lugares estratégicos na economia global. A maioria delas, porém, incluindo a maior parte das grandes cidades, não faz parte desses novos sistemas urbanos transnacionais (SASSEN, 1998, p. 47).

As mudanças advindas do processo de globalização colocam as diversas cidades do mundo em um novo sistema hierárquico, no qual se destacam aquelas merecedoras do título de “globais”. Constitui-se, então, uma divisão extremamente desigual entre as cidades, que exclui grande parte daquelas que não conseguem se integrar ao novo sistema. Nesse sentido, Castells (1999, p. 405) coloca: “A economia global/informacional é organizada em torno de centros de controle e comando capazes de coordenar, inovar e gerenciar as atividades interligadas das redes de empresas”. E, ainda, como “[...] existe continuidade da história espacial da tecnologia e industrialização na era da informação”, são os grandes centros metropolitanos de economia transnacional que controlam as redes de articulação geradas pelos fluxos globais de capital: “[...] os principais centros metropolitanos em todo o mundo continuam a acumular fatores indutores de inovação e a gerar sinergia na indústria e serviços avançados” (CASTELLS, 1999, p. 416).

Entre as cidades globais principais, destacam-se aquelas ligadas às potências da “tríade mundial”6 (Estados Unidos, Europa e Japão), como Nova York, Londres, e Tóquio. Segundo Castells (1999, p. 125), “[...] o núcleo da economia global é uma rede extremamente interdependente entre os EUA, Japão e Europa Ocidental [...]”, em torno do qual “o resto do mundo organiza-se em uma rede hierárquica e assimetricamente interdependente, conforme países e regiões diferentes competem para atrair capital, profissionais especializados e tecnologia a suas praias [...]” (p. 118).

Duas tendências que contribuem para novas formas de desigualdade entre as cidades são visíveis na geografia e nas características dos sistemas urbanos. Por um lado, existe uma articulação crescente em nível internacional entre as cidades. Isso é evidente no nível transnacional regional e no nível global. [...] Por outro lado, cidades e regiões situadas fora dessas hierarquias tendem a se tornar periféricas ou ainda mais periféricas do que têm sido até então (SASSEN, 1998, p. 72).

No Brasil, a cidade que chegaria mais perto do podium no ranking das cidades mais integradas à rede global seria São Paulo, seguida do Rio de Janeiro. Acontece, no entanto, que essas cidades possuem uma espécie de força gravitacional em relação às cidades menores que estão em seu entorno, concentrando grande parte das principais atividades e dos principais investimentos ligados à economia global. No caso do Brasil, por exemplo, percebe-se que a forte conexão da cidade de São Paulo às redes do mercado global contribui para a sua primazia em relação a outras cidades do Brasil, dificultando que outras grandes cidades, como o Rio de Janeiro, ocupem posições mais elevadas no “ranking” das cidades globais. Ou seja, a

6 A noção de tríade mundial é reforçada por Chesnais (1996), que destaca como um dos elementos mais marcantes do atual sistema mundial de intercâmbio a “regionalização” ou a “polarização” do comércio em torno dos três pólos da tríade, gerando conseqüentemente a marginalização dos demais países.

elevada concentração de investimentos públicos e privados nos territórios mais competitivos em nível global traz como conseqüência a diminuição de investimentos em territórios menos competitivos, gerando uma acentuação da disparidade entre eles. Essa tendência, quando refletida na realidade desigual de países como Brasil, aumenta ainda mais a heterogeneidade do desenvolvimento nacional. Para Bacelar “[...] a inserção do Brasil na economia mundial globalizada, tende a ser amplamente diferenciada, segundo os diversos sub-espaços econômicos desse amplo e heterogêneo país.” (1999, p. 275, grifo da autora).

Além dessas cidades concentradoras de “poder” em nível mundial, existem também aqueles pólos de abrangência regional, que exercem influência sobre uma rede menor, porém, mais articulada, que conecta os circuitos locais à rede global. Para Castells (1999, p. 437- 438), “Os nós e os centros de comunicação seguem uma hierarquia organizacional de acordo com seu peso relativo na rede”. Fora dessas redes, no entanto, encontra-se um imenso número de cidades menores que, de modo geral, ficam excluídas dos processos globais, mas não deixam de sofrer as conseqüências dele. Segundo Sassen (1998, p. 17), “[...] ao lado dessas novas hierarquias globais e regionais das cidades há um vasto território que se tornou cada vez mais periférico e cada vez mais excluído dos grandes processos econômicos que alimentam o crescimento econômico na nova economia global”. Ou seja, apesar de basear-se na integração, a globalização ocorre de maneira bastante excludente, gerando uma intensa marginalização. Para Maricato (2001, p. 24), “[...] o conceito de cidade global tenta reinventar algo semelhante ao papel representado pelas capitais das colônias (século XIV) e metrópoles periféricas (século XIX), levando em conta a concentração de poder dessas aglomerações. Apenas aparentemente o conceito é novo”.

A análise de Sassen (1998) representa uma grande contribuição na compreensão do impacto urbano da globalização econômica sobre as novas desigualdades entre as cidades e no interior delas. Sobre essa nova desigualdade inter e intraurbana que vem se afirmando, a autora coloca: “a implantação dos processos globais parece ter contribuído para aumentar a separação ou desarticulação entre as cidades e setores existentes nessas cidades que se articulam com a economia global e setores em que isso não ocorre” (p. 56).

Essa particularidade do processo de globalização servirá para explicar, em parte, o que vem ocorrendo na cidade de Natal, em relação à sua área portuária. Como será explicitado mais à frente, Natal possui uma posição periférica em relação a outras cidades do Nordeste brasileiro, estando situada à margem das redes globais da economia e tendo que se subordinar, muitas vezes, a centros regionais próximos, como as cidades de Recife e de Fortaleza, estas

também fora das redes globais. Ao mesmo tempo, porém, ao tentar inserir-se no mercado mundial por meio do incremento à economia do turismo, a cidade elege espaços intra-urbanos estratégicos, marginalizando outras áreas de menor interesse para essa atividade. Há, portanto, tanto uma marginalização externa da cidade em relação a outras, como uma marginalização interna de territórios urbanos, em relação a áreas estratégicas eleitas como globais.

Mas, antes de discutirmos a situação de Natal dentro do contexto da globalização, é preciso destacar a influência desse processo sobre os portos e as áreas portuárias, visto que o fenômeno da “integração excludente” também tem suas implicações diretas sobre as redes de circulação de mercadorias, e especificamente sobre os sistemas de transporte marítimo, no qual os portos estão inseridos. Compreender de que forma essa influência se dá em relação ao setor produtivo e à função dos portos na nova economia mundial é fundamental para se ter uma visão mais ampla de como têm se delineado os movimentos de reestruturação de áreas portuárias em todo o mundo e, especificamente, na realidade destacada na cidade de Natal.