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2.4 A Ética Filosófica de Lima Vaz

2.4.2 A vida ética

2.4.2.1 A estrutura subjetiva da vida ética

A universalidade da “Razão prática inicialmente opera instituindo um domínio de inteligibilidade fundamental do qual o ethos, como estrutura constitutiva da natureza humana no seu acontecer histórico, recebe uma ‘unidade de significação’”253. Essa primeira unidade de significação irá corresponder à ordenação constitutiva da Razão prática ao bem como fim do agir ético, mas agora transposta para a concretude de seu exercício no mundo da vida: a virtude como inclinação ao bem, ou hábito (hexis) virtuoso no seio da comunidade ética, ou seja, na vida ética. Assim, “a categoria segundo a qual é pensada a universalidade da Razão prática operando na vida ética do sujeito individual e da comunidade é, portanto, a categoria de virtude”254. Para Pe. Vaz:

A categoria de virtude é a expressão lógico-dialética do universal da vida ética: toda prática ética se traduz, na sua continuidade e progresso, como exercício de uma virtude, vem a ser, como ordenação permanente e progressiva do agir ético ao horizonte universal do Bem que é o Fim último, visualizado segundo a diferença qualitativa dos múltiplos fins que se oferecem ao indivíduo no curso da sua vida.255

A virtude, assim, é a categoria universal da estrutura subjetiva da vida ética, que determina a busca pela razão da realização da perfeição da comunidade, forma mais elevada da vida humana; como tal, uma vida ética, orientada pela virtude para o bem.

A particularidade subjetiva da vida ética será, também como nos momentos anteriores, a situação na qual a virtude é efetivada pelo sujeito dentro de condições concretas que tornam possível seu exercício prático. Mas, na condição de situação da vida ética, isto é, situação de vida, e não situação de um ato, as condições aqui expressas são aquelas que entram em consideração numa perspectiva continuada, de modo a tornarem possível o exercício de uma vida virtuosa, pelo hábito. Assim, as condições integram uma situação espaço-temporal da práxis individual continuada (hexis) que o indivíduo encara “por meio do discernimento ou deliberação dos bens particulares que se alinham na intenção do Bem universal, e da escolha daqueles bens que representam para o sujeito um avançar no dinamismo do melhor ou da vida no Bem”256.

253 VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Introdução à Ética Filosófica. In: _____. Escritos de Filosofia. São Paulo:

Loyola, 2000. v. V. t. 2. p. 142.

254 VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Introdução à Ética Filosófica. In: _____. Escritos de Filosofia. São Paulo:

Loyola, 2000. v. V. t. 2. p. 147.

255 VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Introdução à Ética Filosófica. In: _____. Escritos de Filosofia. São Paulo:

Loyola, 2000. v. V. t. 2. p. 151.


256 VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Introdução à Ética Filosófica. In: _____. Escritos de Filosofia. São Paulo:

Loyola, 2000. v. V. t. 2. p. 164. (grifos no original). Também aqui, “a evidência da situação no aqui que circunscreve o indivíduo no espaço do mundo, e da situação no agora que o mergulha no fluxo da história,

Essa tensão entre a particularidade da situação que nega a universalidade da virtude é superada pela singularidade subjetiva da vida ética, na qual o sujeito realiza-se existencialmente na vida ética, a partir da experimentação do livre-arbítrio pressuposto no juízo de decisão exercido em cada situação como liberdade. Lima Vaz considera o existir ético como essa singularidade subjetiva da vida ética na qual há a primazia da liberdade sobre o livre-arbítrio, pois “a vontade tende à adesão imediata ao bem desejado como fim, na qual se realiza a liberdade, ao passo que ao livre-arbítrio cabe a escolha dos meios”257. Assim:

[...] ao termo do movimento dialético de constituição de sua estrutura inteligível a vida ética se nos mostra como progresso ou crescimento na liberdade, na livre adesão ao Bem. Esse crescimento define-se como um passar continuamente de uma identidade intencional abstrata (momento da universalidade) do sujeito ético com o Bem, para uma identidade intencional concreta (momento da singularidade).258

No caso da identidade abstrata entre o homem e o bem, trata-se de uma identidade estática; já a concreta é dinâmica, pois se realiza progressivamente, como uma tendência do homem para o bem por meio de uma sucessão de atos de livre-arbítrio (juízos de decisão) propiciados pelas situações, que são meios para o exercício cotidiano da razão prática. A identidade intencional concreta do homem com o bem se revelará, mediante esse movimento de exercício contínuo do livre-arbítrio, como a liberdade realizada na vida ética, que é assim uma vida na virtude.

Outro aspecto determinante da singularidade da vida ética diz respeito:

[...] ao movimento de passagem da simples identidade ética que se exprime no ato da consciência moral para a ipseidade ética, ou seja, para a intensidade reflexiva sempre maior da consciência moral como ato da pessoa. A vida ética se mostra, sob esse aspecto, como processo permanente de constituição da personalidade moral.259

Em resumo, o progresso do sujeito que o insere na vida ética propiciando a plenitude de uma existência ética, singularidade subjetiva da vida ética, equivale à elevação da indeterminação do livre-arbítrio à determinação da liberdade, que se realiza concretamente na

somente alcança uma significação ética se admitirmos que a essas condições mundanas e históricas está subjacente aquela que denominamos situação metafísica (entendendo analogicamente o termo situação) ou situação primordial do sujeito (expressa antropologicamente na proposição Eu sou para o Bem), que o coloca em face do horizonte universal do Bem e que deve ser dita a causa intrínseca da sua vida ética no mundo e na história.” (Op. cit., p. 164-165, grifos no original).

257 VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Introdução à Ética Filosófica. In: _____. Escritos de Filosofia. São Paulo:

Loyola, 2000. v. V. t. 2. p. 169.


258 VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Introdução à Ética Filosófica. In: _____. Escritos de Filosofia. São Paulo:

Loyola, 2000. v. V. t. 2. p. 170. (grifos no original).

259 VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Introdução à Ética Filosófica. In: _____. Escritos de Filosofia. São Paulo:

cada vez mais consciente e efetiva adesão ao bem e também no paralelo desenvolvimento cada vez maior da consciência moral, que se mostrará como personalidade moral.