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Pretendo mostrar que os programas habitacionais – da forma como estão articulados entre si e à constituição de discursos e leis que operam como legitimadores das práticas – configuram um dispositivo de gestão dos ilegalismos urbanos. Assim, para a escrita e estrutura da tese, procurei responder à definição de Foucault (1998) sobre a constituição de um dispositivo, que corresponde à rede que se forma entre um conjunto de elementos heterogêneos como práticas, discursos, enunciados científicos, leis, verdades construídas e instituições.

Desse modo, a tese encontra-se estruturada em quatro partes, e cada uma dessas partes está subdividida em capítulos, conforme a descrição que segue:

A Parte I corresponde à caracterização da instituição que é objeto da análise, a Cohab-LD. Esta parte tem uma função introdutória, em que faço a contextualização do objeto da pesquisa apresentando as informações da singularidade da cidade de Londrina e da atuação da Cohab-LD que considero fundamentais para a compreensão da análise.

No Capítulo 1, procuro explicitar como a fundação de Londrina no contexto do empreendimento privado inglês, que deu origem à rede de cidades que compõem o Norte do Paraná, possibilitou a consolidação de um mercado imobiliário restrito e especulativo na área urbana de Londrina e provocou o desenvolvimento precoce do

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setor terciário. Esses fatores, associados às origens da industrialização e à migração de trabalhadores pobres do campo, levaram à formação de assentamentos precários como a única solução de moradia para os pobres na cidade.

No Capítulo 2, abordo a caracterização da Cohab-LD enquanto instituição, evidenciando o fato de ser uma empresa de capital misto do ramo imobiliário que tem como finalidade a comercialização de terrenos e unidades habitacionais para um público de rendas mais baixas. Recuperando as características de produção da Cohab-LD nos diferentes perfis de gestões municipais, argumento que a habitação social é convertida em mercadoria política em um processo de negociações eleitorais, que muitas vezes extrapolam as fronteiras da legalidade.

A parte II trata dos discursos, leis e enunciados responsáveis pela construção de verdades que operam no dispositivo. Nesta parte o foco da análise é a construção dos discursos que conferem legitimidade às práticas.

No Capítulo 3 proponho um debate acerca da dicotomia formal/informal presente nos discursos e em enunciados científicos que historicamente embasaram as propostas de remoções de favelas. No debate, apresento argumentos de autores que mostram que esta dicotomia é um falso problema, e que essa fronteira que separa a informalidade da legalidade é fluida e mutante e está constantemente em disputa.

No Capítulo 4 procuro mostrar como o desfavelamento está posto como uma verdade instituída em Londrina, legitimado por discursos construídos em documentos oficiais e reportagens e por leis que moldam a noção de legalidade a partir do padrão burguês de apropriação do espaço urbano. Nesta discussão, entram em evidência os diagnósticos da precariedade habitacional produzidos por diferentes entidades (com ou sem fins lucrativos) que seguem apresentando o desfavelamento como solução e resultam na construção de um consenso em torno dessa matéria.

A parte III corresponde a uma descrição densa das práticas referentes à execução dos programas habitacionais. Nesta parte, a dimensão do cotidiano dessas práticas é altamente explorada, buscando mostrar a “mecânica”, o “como” dos programas habitacionais em questão, com ênfase nas soluções para as ocupações irregulares.

No Capítulo 5 contextualizo a aprovação da Lei Federal nº 11.977/2009 e a criação do PMCMV e do Programa de Regularização Fundiária de Assentamentos localizados em áreas urbanas. Neste capítulo, trago um breve panorama das referências que problematizam a criação do PMCMV, articulando-as à financeirização da habitação e à rearticulação dos agentes no contexto nacional. Abordo também a disputa em torno da regulamentação da regularização fundiária no Brasil e os novos instrumentos da Lei Federal nº 11.977/2009.

No Capítulo 6 trato da implantação do Programa Minha Casa Minha Vida em Londrina, apresentando dados quantitativos e qualitativos para uma caracterização geral das negociações e dos efeitos territoriais. Destaco também os aspectos de ilegalidade que permearam grande parte dos procedimentos relacionados a esse programa. Por fim, foco nas práticas de remoção de famílias residentes em ocupações irregulares que foram realocadas nos conjuntos habitacionais do PMCMV. Para esta análise, aprofundo no caso das remoções para o Residencial Vista Bela, com dados quantitativos e aspectos procedimentais que caracterizam essa prática chamada de “remoção”. Neste estudo, mostro que, apesar do discurso do risco e da preservação ambiental, as remoções foram, em grande parte, alavancadas pelo processo de reestruturação imobiliária da zona leste de Londrina.

No Capítulo 7 abordo o Programa de Regularização Fundiária realizado em Londrina. Primeiro, apresento aspectos da concepção do programa, como estabelecimento de metas e objetivos, e a definição das áreas a serem atendidas. Aprofundo o caso do Residencial São Marcos para contextualizar o enquadramento no programa no contexto da história dos assentamentos e ocupações. Na sequência, discuto o procedimento da regularização fundiária tal como foi concebido neste programa, em que a documentação referente ao registro do imóvel aparece como elemento central. A partir desta constatação, proponho uma breve análise do conceito de regularização fundiária, confrontando a abordagem deste programa ao conceito de regularização fundiária plena proposto pelos documentos do Ministério das Cidades.

No Capítulo 8 apresento os Cartórios de Registro de Imóveis como outro agente da política habitacional. A centralidade da documentação nos procedimentos da

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regularização, e as disputas em torno da gratuidade dos custos desses procedimentos evidenciam a importância atribuída a esse agente na concepção e execução desse programa. Para fazer uma caracterização dos cartórios, recupero aspectos históricos que aproximam a função do registro do pensamento proprietário e como este aspecto influencia na centralidade atribuída aos cartórios nos procedimentos da regularização fundiária. Ainda neste tópico, trago informações sobre o papel da regularização fundiária no processo que chamo de reestruturação dos procedimentos imobiliários no Brasil que vem ocorrendo nas duas últimas décadas.

A Parte IV corresponde a uma análise da gestão dos ilegalismos urbanos em Londrina. A partir da articulação entre referências teóricas sobre Estado, governo e poder, desenvolvo a argumentação propondo uma análise do Estado e da governamentalidade, e da constituição e da mecânica dos dispositivos de gestão. Estas análises que situam os agentes e os mecanismos de governo dão a base para o capítulo conclusivo que trata da gestão dos ilegalismos em Londrina.

Desse modo, no Capítulo 9, proponho a análise do Estado a partir do conceito de “margens do Estado” de Das e Poole (2004). Para a análise, os conceitos de governamentalidade, legitimidade e margens são fundamentais. A análise está estruturada com base na definição dos conceitos de margens do Estado proposta pelas autoras: análise das áreas onde aparentemente o Estado não atua, ou seja, a periferia; a análise a partir da documentação do Estado, ou o que Das (2004) chama de “assinatura do Estado”; e a análise do governo dos corpos, a partir da referência do biopoder de Foucault.

De forma sequencial, no Capítulo 10 proponho uma análise da mecânica do dispositivo de poder. Para isso, abordo os tipos de dispositivos propostos por Foucault, diferenciando o governo dos corpos e o governo da população, de modo que embase a análise da constituição de um dispositivo a partir da articulação das práticas, dos discursos, das leis, etc. observados no estudo dos programas habitacionais.

O Capítulo 11 traz argumentos conclusivos sobre a gestão dos ilegalismos e os programas habitacionais realizados em Londrina. A partir da forma de “mercadoria

política” que a habitação de interesse social produzida pela Cohab-LD assume entre as diferentes gestões, as fronteiras da legalidade são constantemente renegociadas até a legitimação desse processo por meio da documentação. Desse modo, nessas negociações, deslocamentos populacionais gerados pelas remoções e a regularização (ou legalização) fundiária correspondem à parte deste processo de gestão diferencial dos ilegalismos que tem como principal objetivo a gestão do território em benefício da propriedade privada da terra.

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Londrina, cidade planejada e a gênese da