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A implantação de Londrina aconteceu em um contexto de tensão nacional acerca da estrutura agrária consolidada no país. A intenção primeira da Companhia Sudão Plantations35 era estabelecer na região norte paranaense um grande latifúndio para

plantio de algodão, entretanto, tendo em vista as tensões políticas, a negociação

34 Sobre isso, o trabalho de Oliveira (2009) apresenta importantes contribuições ao explicar por qual

motivo o setor de serviços, fortemente marcado pelo trabalho informal e precário, se desenvolve rapidamente na cidade de Londrina. Para o autor, a localização de Londrina como a “porta de entrada” do empreendimento demandou, para viabilizar as atividades da CTNP e para dar suporte ao escoamento da produção, o desenvolvimento precoce do setor terciário.

35 A companhia inglesa que foi responsável pela colonização do Norte Paranaense chamava-se Sudão

Plantations, pois era destinada à colonização para fins de agroexportação, como foco na produção de algodão, no Sudão. Após as negociações no Brasil quanto à ocupação dessa porção do Paraná funda a Paraná Plantations, ainda com a mesma finalidade de plantar algodão. Posteriormente, a Paraná Plantations foi transformada em Companhia de Terras Norte do Paraná – CTNP (Gonçalves, 1995).

culminou em um parcelamento das terras em porções menores para fins de comercialização para pequenos e médios agricultores36. Essa determinação tinha

relação com a crise de 29 que atingia principalmente os grandes proprietários de terras no Brasil que, possivelmente, não fariam investimentos naquele momento37. Por isso, o

foco da Companhia teria sido o de atingir uma parcela de imigrantes e potenciais agricultores de pequeno e médio porte.

Assim, a fundação de Londrina na década de 30 do século XX fez parte de um empreendimento imobiliário de escala regional implantado pela empresa inglesa Paraná Plantations – posterior Companhia de Terras Norte do Paraná, CTNP – para fins de venda de lotes urbanos e rurais. Esse empreendimento resulta da negociação da dívida do Brasil com agências multilaterais inglesas38.

A compreensão das decisões relativas ao modelo de implantação do empreendimento não pode deixar de considerar que o início da década de 30 corresponde a um momento de crise econômica mundial e um período de transição no Brasil entre o fim da hegemonia da produção agrícola para fins de exportação e a instauração da produção de base urbano-industrial39. Outro fator fundamental do

contexto nacional era a abolição dos incentivos à produção de café no Estado de São Paulo somada aos incentivos ao novo padrão de acumulação pautado na produção industrial e no trabalho assalariado urbano. O papel da produção cafeeira nesse momento representava apenas a necessidade de sustentar principalmente as importações necessárias para a promoção da industrialização40.

Na década de 1920 havia a pressão sobre os fazendeiros do oeste paulista para a incorporação da porção norte paranaense ao circuito da economia, tendo em vista as

36 Gonçalves (1995). 37 Oliveira (2007).

38 Amorim (2015). Segundo Tomazi (1997), durante a negociação e aquisição das terras pela Companhia,

o governo do estado contraiu empréstimo do Banco Inglês para investimentos no Porto de Paranaguá.

39 Oliveira (2003).

40 Oliveira (2009). Sobre isso, cabe destacar o caráter de exceção que se configura já no início da

implantação do empreendimento e evidencia a proximidade entre Estado e direção da Companhia de Terras. Em fevereiro de 1931, o Decreto Federal nº 19.688 proibiu o plantio de novos pés de café em todo o país. Logo após o Decreto houve uma reunião entre os diretores da Companhia de Terras e o interventor Mário Tourinho que garantiu que o Paraná ficasse de fora dessa normativa (Tomazi, 1997).

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limitações econômicas do Paraná naquele período. Era uma grande área de solos férteis que só poderia realizar a renda diferencial dessa característica do solo na agricultura com a implantação de transporte moderno41. Por isso, toda a negociação pela qual

passou essa porção do território estava relacionada à implantação da ferrovia que deveria conectar essa área à Ferrovia “Sorocabana”.

Apesar do papel da Companhia de Terras na estruturação do território, cabe destacar que o Estado participou ativamente dos processos de decisão, principalmente cedendo aos interesses da empresa. Isso corrobora as afirmações de Francisco de Oliveira42 de que as intervenções do Estado não são limitadas à economia e que são

responsáveis pela criação das cidades brasileiras. O autor utiliza o exemplo das cidades do interior de São Paulo que também foram implantadas às margens de ferrovias que, apesar de serem privadas, o subsídio às exportações era dado pelo Estado. A partir dos fatos descritos verifica-se que esse também é o caso das cidades do Norte do Paraná.

A produção cafeeira é um dos principais exemplos utilizados por Francisco de Oliveira (2003) para mostrar como a ação do Estado era necessária na regulação da economia preservando-a das oscilações do mercado, como é possível ver na atuação do IBC, confiscos, entre outros. Entretanto, a ação do Estado está sempre a serviço das empresas e bancos, sobretudo internacionais. A cafeicultura forneceu as bases para o desenvolvimento econômico da cidade de Londrina, que se consolida efetivamente a partir da década de 1940.

O empreendimento do Norte do Paraná não foi a única experiência de colonização dirigida da região, mas teve destaque em relação às demais em função da amplitude da área43 e a lógica de implementação e distribuição dos lotes. A localização

de Londrina na totalidade do empreendimento foi determinante na estruturação

41 Oliveira (2007). 42 Duarte e Barros (2013).

43 O empreendimento foi implantado em uma área de 1.246.341 ha, somada a 605.000 ha adquiridos pela

construção da ferrovia (Oliveira, 2009). O projeto previu a estruturação de uma complexa rede viária composta por estradas vicinais conectando as propriedades rurais aos núcleos urbanos que foram instalados ao longo das rodovias principais e da ferrovia. Essas foram as responsáveis por conectar a região ao centro dinâmico de São Paulo e aos principais portos: de Santos e, posteriormente, ao de Paranaguá (Oliveira, 2009).

econômica e para o desenvolvimento da cidade. A figura 1 mostra o mapa da colonização do Norte do Paraná. A figura 2 mostra a localização de Londrina e ilustra as principais características do arranjo espacial promovido pela Companhia de Terras.

Figura 1 – Colonização do Norte do Paraná

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Figura 2 – Localização dos principais núcleos urbanos na totalidade do arranjo espacial promovido pela Companhia de Terras

Fonte: Yamaki, 2003

Alguns fatores se destacam no arranjo espacial promovido pela Companhia de Terras. A partir das cidades principais em que os lotes foram parcelados em dimensões para fins urbanos, os lotes rurais mais próximos a essas áreas urbanas tinham porte de chácaras, que seriam voltadas à produção de hortifrutigranjeiros para abastecimento do núcleo urbano, e aumentavam progressivamente de tamanho na medida em que se distanciavam dos núcleos urbanos até as propriedades maiores destinadas à agricultura de exportação44.

44 Oliveira (2007). Sobre o parcelamento definido pela Companhia (pode ser visto adiante na figura 3),

A produção prevista no contexto do empreendimento estava em consonância com a reflexão de Francisco de Oliveira (2003, p. 297),

(...) um complexo de soluções, cujas vertentes se apoiam no enorme contingente de mão de obra, na oferta elástica de terras e na viabilização do encontro desses dois fatores pela ação do Estado construindo a infraestrutura, principalmente a rede rodoviária. Ela é um complexo de soluções cujo denominador comum reside na permanente expansão horizontal da ocupação com baixíssimos coeficientes de capitalização prévia: numa palavra, opera como uma sorte de ‘acumulação primitiva’.

Mesmo com o início do processo de industrialização do país, o modelo do empreendimento evidencia o papel da agricultura no contexto nacional e a intenção de mantê-la ativa tanto para a exportação como para o abastecimento interno para suprir demandas das áreas urbanas, longe de representar qualquer tipo de obstáculo. O modelo não previa a implantação de áreas industriais, o que mostra que o papel da cidade era o de servir como centro de negócios e serviços para atender as atividades de exportação.

Londrina foi implantada estrategicamente na região, na porção do extremo oeste do empreendimento. A instalação nesse ponto permitiu a articulação de Londrina com o restante da região, principalmente com o Estado de São Paulo, confirmando sua principal função de abrigar os escritórios da companhia, principalmente os responsáveis pelas vendas dos lotes, comandando a produção espacial de todo o empreendimento da Companhia. Em função de sua posição, servia como “porta de entrada” e “cartão de visitas” aos compradores45.

também discutido por Gonçalves (1997). Segundo Gonçalves (1995, p.48) esse argumento decorria da distinção desse modelo de parcelamento – pequenos lotes rurais e urbanos – do modelo agrário vigente no restante do país, marcado pelo “alto grau de concentração fundiária e de controvérsias intermináveis sobre posse e propriedade”. Além disso, as propostas de preços acessíveis com formas facilitadas de pagamento dos terrenos permitiam a ascensão de trabalhadores e pequenos proprietários. Muitos deles enriqueceram rapidamente no território paranaense.

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Por causa disso, a área urbana de Londrina teve que ser dotada de infraestrutura para viabilizar e estruturar uma economia urbana e, assim, dar suporte às atividades comerciais da Companhia de Terras, permitindo aos ingleses e seus sucessores uma ampla e “lucrativa recuperação desses investimentos” em função da valorização que essa infraestrutura possibilitou posteriormente46.

Em 1934 Londrina constituiu-se como municipalidade, mas o monopólio dos terrenos continuou sob o comando da Companhia de Terras garantido com a nomeação do diretor da Companhia Willie Davis como prefeito47. Como a rede viária implantada

pela Companhia era bastante extensa, sua manutenção configurava um problema por excesso de gastos. Com a municipalidade, passaram a ser cobrados impostos para essa finalidade.

Com a conexão ferroviária completa e as primeiras colheitas, a cidade cresceu sempre acompanhando o desenvolvimento da produção agrícola da região. Além de ser a maior cidade da rede implantada, em função desse papel econômico que Londrina assumiu no empreendimento, o Setor de Serviços se desenvolveu consideravelmente na cidade.

Francisco de Oliveira (2003) realça o papel do Setor de Serviços no processo de acumulação, mostrando que apesar de ser considerado fora do setor produtivo, serviu como base, ou “acumulação primitiva” para o desenvolvimento industrial, que não poderia ocorrer sem o apoio dessas atividades. Esse já é um primeiro ponto considerado relevante para compreender a veloz industrialização de Londrina.

Na década de 1940, com a cafeicultura da região bem consolidada e o avanço da indústria no cenário nacional, todos os lotes do centro principal projetado pela companhia já estavam vendidos. Na mesma década avançaram também as construções das vilas nas periferias da cidade, sendo que em 1947 já existiam 53 vilas em Londrina48.

46 Oliveira (2009, p. 33).

47 Oliveira (2009). Amorim (2015) chama a atenção para a articulação presente desde o processo de

colonização até hoje entre mercado imobiliário e poder público local. Argumenta que muitas vezes membros do executivo assim como os próprios legisladores são também agentes imobiliários e, por isso, se beneficiam em grande medida dos processos de valorização imobiliária.

As vilas eram resultado do reparcelamento das chácaras destinadas à produção de hortifrutigranjeiros limítrofes à área urbana, e se desenvolveram como uma medida de exceção para solucionar o problema dos compradores de chácaras que não conseguiram arcar com o preço total pedido pela Companhia. A solução encontrada foi parcelar estas chácaras e vender os lotes a preços mais acessíveis e, por meio destes pagamentos, quitar a dívida com a Cia de Terras. É assim que começa a formação da “periferia” de Londrina49.

Figura 3 – Localização das principais vilas de Londrina no final da década de 50

Fonte: Yamaki, 2003

49 Segundo Alves (2002), a primeira Vila da cidade foi a Vila Casoni, primeiro bairro construído a norte da

linha do trem, onde passaram a residir em casas de madeira trabalhadores da área da construção civil, oficinas, marcenarias, carpintarias, e comércios menores, assim como mulheres empregadas no trabalho doméstico.

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O extremo sul da Figura 4, identificado como “Parque Guanabara”, corresponde a uma ocupação irregular que, posteriormente, foi urbanizada com recursos do Projeto CURA. Os compradores dos lotes das vilas – preços bem abaixo dos terrenos vendidos pela Companhia – eram principalmente trabalhadores da companhia e da área urbana. Oliveira (2009, p.57) descreve as características desta área: “Essas extensões irregulares do meio construído não possuíam as mesmas condições da parte da cidade construída pela Cia de Terras. O traçado era irregular e faltavam a infraestrutura e os equipamentos urbanos (...)”.