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O estruturalismo ressignifica Saussure

No documento 2019AlineWieczikovskiRocha (páginas 47-51)

CAPÍTULO 1 UM BREVE ITINERÁRIO: DA INVENÇÃO DA ESCRITA

1.4 OS ELEMENTOS DE UMA SEMIOLOGIA: A VISÃO DE BARTHES

1.4.1 O estruturalismo ressignifica Saussure

Os dois tomos da História do Estruturalismo (1993 e 2007), organizados por François Dosse, registram o fenômeno do movimento estruturalista e os personagens que o constituíram ou contribuíram, para colocar em campo o programa estruturalista. Para este pesquisador, “o estruturalismo constituiu um momento particular da história do pensamento suscetível de ser qualificado como o tempo forte da consciência crítica.” (DOSSE, 1993, p. 13). Nesse sentido, o estruturalismo figura como a bandeira contestadora da hegemonia acadêmica tradicional. Para justificar a nomenclatura, Dosse (1993) organiza um resgate que vai desde sua origem até a fortuna crítica do emprego da palavra. Reteremos, aqui, apenas a consideração da difusão do termo pela Escola de Praga, da qual Jakobson será o nome a oficializar a tendência dos termos estrutura e estruturalismo.

Isso desconstrói o pensamento comum de atribuir a Ferdinand de Saussure o cunhar do termo estruturalismo. O mestre genebrino fez uso da palavra sistema. É a partir dos fundamentos da sua linguística, os quais passam a ser invocados por estudiosos de diferentes frentes teóricas filiadas ao estruturalismo, que o Curso de Linguística Geral se consolida como um texto-base do programa estruturalista. A visão de sistema, empregada por Saussure, é reinterpretada como a estrutura, o estruturalismo. Todavia, o que brilha aos olhos dos estruturalistas é a pretensa semiologia geral, capaz de integrar todas as disciplinas interessadas pela vida dos signos em meio à vida social. Conforme os registros de Dosse (1993, p. 71), “É esse impulso que irá fazer da linguística a ciência-piloto, no centro do projeto, com a força de um método [...] de resultados, ela vai apresentar-se como o cadinho [...] de todas as ciências

humanas.” Nesse tempo, vemos reacender o interesse pela pesquisa saussuriana e, dela, surgir interpretações em interface com outros campos científicos.

Émile Benveniste, inserido no movimento, realiza um exame cuidadoso sobre o estruturalismo no artigo “Estrutura” em linguística (Problemas de Linguística Geral I - PLG I, 1962:2005). É oportuno, nesse sentido, determo-nos aos ensinamentos deste linguista acerca do tema. Ao revisar o termo estrutura em linguística, Benveniste observa a sua extensão, ao longo de duas décadas, para destacar o seu valor doutrinal e programático. Em linguística, “não é tanto estrutura que acabou por evidenciar-se como o termo essencial [...], mas o adjetivo

estrutural. Rapidamente estrutural acarretou estruturalismo e estruturalista.” (PLG I, 2005, p.

97, grifo do autor). A força do empreendimento estruturalista é registrada por Benveniste não só pelo empréstimo da linguística e adaptação que outras disciplinas realizam para atribuir o valor do termo aos seus campos de atuação, mas pela frequência de uso dos termos em destaque no meio editorial.

Segundo Benveniste, “Podemos admitir sem dificuldade que a preocupação de ser ‘moderno’ não esteja sempre ausente dessa difusão e que certas declarações ‘estruturalistas’ encubram trabalhos de novidade ou interesse discutível.” (PLG I, 2005, p. 97). É notável que a inserção no movimento é um gesto representativo de modernidade. Embora negue verbalmente o caráter de denúncia do abuso terminológico, alegando apenas a intenção de explicar o uso, Benveniste também estabelece o seu lugar de crítica. Isso é perceptível na construção de sua argumentação acerca do trabalho de Saussure, sobretudo, a designação dos ensinamentos de Saussure como o “precursor do estruturalismo moderno.” (PLG I, 2005, p. 98).

Tomemos a explicação benvenistiana sobre o referido fato: “É importante notar, para uma descrição exata desse movimento de ideias que não se deve simplificar, que Saussure jamais empregou, em qualquer sentido, a palavra estrutura. Aos seus olhos a noção essencial é a de sistema.” (PLG I, 2005, p. 98, grifo do autor). Nessa advertência, Benveniste sinaliza o uso indiscriminado e, a nosso ver, descomprometido com a essência do trabalho teórico de Saussure. Para não deixar dúvida sobre uma leitura de qualidade das ideias saussurianas, Benveniste retoma a origem do movimento estruturalista, situada nos ensinamentos publicados na visão do Curso de Linguística Geral como publicação póstuma, e encaminha, em nota, a leitura do texto de Godel, Les sources manuscrits du Course de linguistique générale de F. de

Saussure, datado de 1957, década em que inicia a configuração estruturalista enquanto

movimento francês.

Em tom de esclarecimento, Benveniste prevê a seguinte definição para estrutura: “O princípio fundamental é que a língua constitui um sistema do qual todas as partes são unidas

por uma relação de solidariedade e de dependência.” (PLG I, 2005, p. 104). Complementarmente, “Esse sistema organiza unidades, que são os signos articulados, que se diferenciam e se delimitam mutuamente.” (PLG I, 2005, p. 104). Assim, aquele que pretende se inserir nessa proposta precisa compreender que “A doutrina estruturalista ensina a predominância do sistema sobre os elementos, visa a destacar a estrutura do sistema.” (PLG I, 2005, p. 104). Isso ocorre “através das relações dos elementos, tanto na cadeia falada como nos paradigmas formais, e mostra o caráter orgânico das mudanças às quais a língua é submetida.” (PLG I, 2005, p. 104). Eis o que Benveniste entende ser a estrutura em linguística.

No texto Esta linguagem que faz história (PLG II, 1968, 2006), Benveniste oferta uma análise que lembra o projeto de Barthes, incorporado nesse universo estruturalista. O linguista fala de “Uma tentativa muito nova, curiosa, para sacudir tudo o que é inerente à linguagem.” (PLG II, 2006, p. 37). Há, nisso, segundo ele, “uma certa racionalização que a linguagem traz necessariamente; para destruí-la no interior da linguagem mas servindo-se ainda da linguagem.” (PLG II, 2006, p. 37). No modo de ver benvenistiano, trata-se de “uma língua que se volta contra ela mesma e que procura se refabricar a partir de uma explosão prévia.” (PLG II, 2006, p. 37). O estruturalismo surge como “um período de experimentação.” (PLG II, 2006, p. 37). Aqui, configura-se uma nova espécie de problema:

estes trabalhos no momento só interessam os profissionais, os outros escritores [...]. Trata-se de saber se a linguagem está voltada a sempre descrever um mundo idêntico por meios idênticos, variando somente a escolha dos epítetos ou dos verbos. Ou ao contrário se se pode visar outros meios de expressão não descritivos e se há uma outra qualidade de significação que nasceria desta ruptura. (PLG II, 2006, p. 37).

Dessa profusão de trabalhos e ideias tributários do estruturalismo, o projeto de Jacques Derrida se apresenta como obra desconstrutora do projeto estruturalista. Sua posição é considerada paradoxal, pois, de um lado, se vê acuado pelos estruturalistas contestadores da fenomenologia, de outro, precisa trabalhar no paradigma estruturalista para não pertencer à tradição. A postura de Derrida o posiciona interno a um projeto sobre o qual desdobrará o esforço da crítica. Isso será reconhecido como o desconstrucionismo derridiano, ou seja, um “trabalho de desconstrução sistemática de cada obra estruturalista, identificando nelas os vestígios de um logocentrismo que resta ultrapassar.” (DOSSE, 2007, p. 35). Dessa empreitada crítica, nosso estudo retomará a visão desse filósofo acerca da escrita como objeto de reflexão. Ao mesmo tempo que discute a escrita, elabora um texto dotado de uma inovação pela linguagem. Nesse quesito estilístico e criador, Dosse (2007) lembra que Derrida se aproxima da proposta da nova crítica literária estruturalista.

Essa apresentação antecipada de Derrida também reserva a evidência de que a escrita se prolonga como objeto de questionamento. As interpelações de Derrida e a elaboração de noções resgatam as construções pioneiras de Barthes sobre a escrita. Prova disso é O grau zero da

escrita, subsidiando a atividade reflexiva de uma escritura em grau zero, branca, para delimitar

os termos barthesianos, na reflexão de uma escritura e a diferença, para reiterar o termo derridiano, retomando, nisso, uma proposta inaugurada em Barthes. Nossa intenção não é opor Barthes a Derrida, como fazem Dosse (2007) e Motta (2011), nem poderíamos pela carência de domínio teórico. Nossa interpretação é a de um liame “acidental” entre Barthes e Derrida; um alimentando diretamente o estruturalismo, outro propondo seu desconstrucionismo. No meio dessa operação, a escritura propõe o laço.

O estruturalismo mostra-se, portanto, um movimento importante para o debate das ideias e dos engajamentos teóricos realizados na Europa dos anos 60, já que é ele que faz verter um dos momentos mais intensos do debate sobre o programa saussuriano. Muito do que se produziu nesse tempo ainda influencia o modo de propor os objetos e instituir as filiações de pesquisa. Émile Benveniste é, indiscutivelmente, um nome a se guardar na história do movimento, mostrando-se um “herdeiro confirmado de Saussure e fiel ao termo semiologia [...] compartilha com seus contemporâneos semioticistas a ambição de descrever a globalidade do mundo social em termos de sistemas de signos.” (NORMAND, 2009a, p. 160).

A semiologia, que tanto empenho desencadeou nas frentes de pensamento do estruturalismo, é a representação intelectual para significar o desejo de liberdade de pensamento no terreno europeu. Para presidir essa empreitada, Émile Benveniste, em 1969, é indicado à presidência da Associação Internacional de Semiótica. Dessa forma, todo esse cenário, no qual concorrem tantas propostas, ações e movimentos, é influenciador no modo de pensar e de agir nas Últimas aulas que Benveniste confere. Trataremos, nos próximos capítulos, de algumas das especificidades dessa nobre reflexão linguística.

Em seguida, nosso percurso tratará de apresentar a palavra do ponto de vista filosófico, enunciado em Derrida. Nesse caldeirão de ideias da década de 60, as reflexões saussurianas, sobretudo, em relação à escrita, também motivam o filósofo Jacques Derrida a se posicionar. No seu projeto, encontraremos o tema da escrita centralizado, não em uma semiologia, mas em uma gramatologia.

1.5 A GRAMATOLOGIA: UMA PROPOSTA DESCONSTRUCIONISTA DO

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