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Estruturas organizacionais e o papel da liderança no movimento social

2.1 A TEORIA DA AÇÃO COLETIVA DE ALBERTO MELUCCI E O OBJETO DA PESQUISA

2.1.4 Estruturas organizacionais e o papel da liderança no movimento social

Para explicar a consolidação do MSC em uma dada contiguidade de espaço e tempo, Melucci (1989b) analisa como as suas estruturas organizacionais são formadas e mantidas e como as funções de liderança são estabelecidas.

Segundo Melucci (1989b, p. 61), nas sociedades contemporâneas, “[...] a situação normal do ‘movimento’ é ser uma rede de pequenos grupos imersos na vida cotidiana que requerem um envolvimento pessoal na experimentação e na prática da inovação cultural”. As estruturas organizacionais têm o papel de unir os diferentes grupos da rede de movimento ou área de movimento a fim de institucionalizar os processos de tomada de decisão para conseguir atingir os objetivos esperados pelos atores sociais.45

Tais estruturas são formadas dentro das interações entre elementos da composição interna do movimento e elementos do contexto histórico, variando de uma organização particular a diferentes organizações, que tanto podem competir pela representação das demandas do movimento quanto estabelecer relações de cooperação, alianças e fusões estratégicas. Embora Melucci (1996) não esclareça o estatuto jurídico dessas estruturas organizacionais, depreende-se que incluem as organizações – por exemplo, a Feneis – surgidas e consolidadas dentro do sistema de ação dos movimentos sociais.

Melucci ressalta que as estruturas organizacionais definem os objetivos e as ações comuns para a multiplicidade de grupos sociais e interesses que compõem a base do movimento. Para o desempenho dessa função unificadora e orientadora, as organizações distribuem recursos e incentivos visando constituir e manter a adesão dos membros e a coesão entre eles. Elas empregam ao mesmo tempo mecanismos para controlar potenciais conflitos internos que poderiam prejudicar sua relativa estabilidade.

Esses processos internos são voltados à alocação de recursos e produção de símbolos. Eles incluem: “[...] (a) um sistema de papeis e a divisão de trabalho; (b) mecanismos e 45 Ainda que utilize a expressão movimento social na maioria de sua obra, Melucci (1989b, p. 60) diz preferir os termos redes de movimento ou área de movimento, porque são definições que incluem “[...] não apenas as organizações ‘formais’, mas também a rede de relações ‘informais’ que conectam núcleos de indivíduos e grupos a uma área de participantes mais ampla”. Neste texto, optamos por usar apenas a expressão movimento social, no sentido elaborado por Melucci (1996). Na verdade, consideramos que esse conceito, tal qual desenvolvido pelo autor e exposto por nós anteriormente, abrange tanto organizações formais, como a Feneis, quanto relações informais, como os vínculos de solidariedade entre pessoas surdas (MELUCCI, 1996, 2001).

critérios para a distribuição de custos e benefícios; e (c) a estrutura de incentivos” (MELUCCI, 1996, p. 315, tradução nossa). O autor explica que a diferenciação e especialização de papeis – consubstanciada na estruturação de um organograma – visa aumentar a eficiência na busca dos objetivos, a adaptação às variações do contexto sócio- histórico e a autopreservação da organização. Os custos e benefícios dentro da organização são repartidos de acordo com o sistema de papeis e funções. A estrutura de incentivos, com recompensas e sanções, motiva o desempenho dos indivíduos e grupos nas suas respectivas funções. Tais incentivos podem incluir, por exemplo, a designação para funções de representação nas instâncias governamentais ou a prioridade no preenchimento das vagas disponibilizadas em determinadas atividades promovidas pela organização (MELUCCI, 1996).

A escolha dos critérios e das formas de alocação de recursos pressupõe a existência de uma hierarquia dentro da organização. O sistema de poder, que pode variar dentro das organizações, inclui “[...] (a) uma estrutura para a distribuição do poder em si; (b) processos para a agregação de demandas e tomada de decisões; (c) mecanismos garantidores da sucessão das funções de liderança” (MELUCCI, 1996, p. 316, tradução nossa). Deste modo:

A distribuição de poder é [...] evidente no modo como as diferentes demandas surgidas dentro do movimento entram nos processos de tomada de decisão e, de resto, nas próprias características destes processos. Uma organização do movimento pode abranger uma quantidade variável de filtros e mediações para lidar com demandas e o seu processo de tomada de decisões pode ser mais ou menos aberto à participação e controle dos vários membros (MELUCCI, 1996, p. 316, tradução nossa).

Nossa pesquisa confirmou a posição da Feneis como a principal organização do movimento social surdo. Melucci (1996) afirma que uma organização do movimento social utiliza o sistema de poder para controlar não apenas as diversas demandas e o modo como os diferentes membros intervêm nas tomadas de decisão, mas também para controlar a transferência de poder por meio de mecanismos de sucessão – a qual pode ser objeto de polêmicas e conflitos internos.

Segundo Melucci (1996, p. 319, tradução nossa), as novas lideranças podem ser escolhidas dentro de processos mais ou menos centralizados e que podem ocorrer de forma indireta – via representantes de instâncias ou funções intermediárias da organização – ou direta – pelos membros que compõem o movimento –, mas “[...] é um caso raro que a escolha

direta não seja filtrada através da organização”. A troca de lideranças reflete a dinâmica da balança das relações de poder entre os vários grupos e subgrupos que compõem a organização, envolvendo o debate sobre os objetivos e as formas de atuação do movimento social. A troca pode resultar em uma nova estabilização ou significar a criação de facções e, no limite, rupturas e dissidências (MELUCCI, 1996). Essa preocupação com os processos sucessórios nas organizações relaciona-se com a ênfase que a teoria de Melucci confere aos líderes na mobilização e estruturação organizacional do movimento social. Assim:

É a liderança que promove a busca de objetivos, desenvolve estratégias e táticas para a ação, e formula uma ideologia. A penetração do movimento na sociedade, a lealdade e o envolvimento de seus membros, e o consenso dos diferentes grupos sociais, tudo depende de ações dos líderes (MELUCCI, 1996, p. 332, tradução nossa).

Melucci (1996) critica estudos do fenômeno da formação da liderança no movimento social que se restringem a constatar as habilidades pessoais dos líderes, satisfazendo-se com as interpretações tradicionais a respeito da dependência de um líder carismático para a mobilização dos seus membros. Para não ser reducionista, a análise deve incidir sobre as relações sociais entre os líderes e a base do movimento, descrevendo os componentes da interação que são responsáveis pela conexão entre ambas as partes.

Para o autor, tanto a liderança quanto a base realizam investimentos na interação em busca de benefícios específicos e a mantêm se continuam a vê-la como mutuamente vantajosa, ou seja, “[...] enquanto o líder persegue os objetivos do grupo e satisfaz as expectativas de seus membros, ele pode depender deles para suporte e lealdade” (MELUCCI, 1996, p. 333, tradução nossa).

Dentro do complexo sistema de troca existente no movimento, a base deposita na liderança a expectativa de mobilizar e distribuir recursos e compensações, definir normas e impor sanções, coordenar as atividades organizacionais e representar os interesses do movimento nas relações com a sociedade. “[...] Os membros dotam o líder com status, prestígio e poder, e investem seus próprios recursos na ação coletiva” (MELUCCI, 1996, p. 334, tradução nossa).

Na descrição que realiza da ação de liderança, Melucci (1996) identifica as seguintes funções inter-relacionadas: (a) definir os objetivos, estabelecendo prioridades e adaptando-as ao contexto sócio-histórico; (b) fornecer os meios para a ação, ou seja, mobilizar e direcionar

os recursos materiais (infraestrutura) e humanos (militantes e apoiadores) para a execução das prioridades; (c) manter a estrutura, intermediando interesses e construindo a coesão interna entre os atores que formam o movimento; (d) mobilizar a base de apoio, motivando os atores e atraindo o apoio de outros grupos e organizações da sociedade; e, por fim, (e) manter e

reiterar a identidade, favorecendo a construção de uma identidade coletiva por meio de

processos de enquadramento interpretativo para a identificação dos problemas que afetam os atores e podem ser resolvidos pela ação do movimento.

Como os líderes se deparam em várias situações com alternativas excludentes no processo de tomada de decisões dentro do movimento, Melucci (1996, p. 340, tradução nossa, grifo do autor) destaca que “[...] o fulcro da ação de liderança é a decisão, isto é, a capacidade de escolher entre alternativas e reduzir incertezas [...]”.

2.2 A TEORIA DA MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS E O CONCEITO DE