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DO ESTUDO SOBRE A FAMÍLIA, A INFÂNCIA E O DESENVOLVIMENTO DA IDENTIDADE À PERSPECTIVA DE UM “PROJETO VIDA”

No documento A criança (páginas 98-100)

A instituição familiar foi assumindo, paulatinamente, variadas feições em diferentes épocas. Deste modo, não houve um padrão familiar uniforme ao longo dos períodos históricos, possibilitando-se a desconstrução de uma imagem naturalista da família. As concepções sobre a infância também foram sendo modificadas ao longo do tempo, tendo em vista a maior autonomia que a criança obteve no seio familiar. Nessa perspectiva, de acordo com as diferentes realidades sociais espaço- temporalmente falando, vemos que as relações entre a criança e os membros familiares se apresentaram de formas diversas diante das mudanças ocorridas.

Por conseguinte, há nas inter-relações familiares tendências que apontam para transformações significativas, considerando neste contexto que em decorrência de alguns acontecimentos socioeconômicos e culturais, como é o caso da Revolução Industrial, houve alterações nos lugares simbólicos ocupados pelos membros da família, especialmente pelas mulheres e filhos, desencadeando o processo de individualização presenciado na época atual que, por sua vez, estimulou a formação de novos arranjos familiares. Desse modo, tomar ciência destes aspectos, bem como analisar tais mudanças no que tange à diversidade das configurações familiares encontradas no âmbito das sociedades em diferentes realidades, torna-se um requisito importante ao entendimento do que ocorre na nossa contemporaneidade;

para este trabalho, fez-se fundamental tal embasamento por ter nos permitido entender mais apropriadamente sobre as repercussões normativas advindas da instituição familiar no desenvolvimento psicossocial de crianças que são envolvidas no processo social de estigmatização. Por meio deste aparato sociocultural pudemos

pontuar questões que trazem significativas influências para as interrelações da atualidade, já que a constituição subjetiva da criança se dá através das mesmas. Ademais, dando continuidade e ampliando este aspecto primário relacional, será apresentado um direcionamento maior ao que este trabalho de Tese almeja ao ser abordado o tema “identidade” especificamente, tendo em vista os subsídios que nos oferece a fim de nos aprofundarmos acerca da problemática encontrada na realidade do nosso estudo; logo, observaremos que a complexa questão do desenvolvimento

identitário possui estreita relação com questões existenciais que surgem desde mais tenra idade do indivíduo, envolvendo processos inconscientes para a formação do “eu” e para posterior afirmação de sua identidade. Neste enfoque, objetiva-se traçar os seus principais aspectos, não perdendo de vista a trajetória que o indivíduo percorre a fim de se constituir como ator social. Quanto a este estudo, queremos

sublinhar mais uma vez que as repercussões relativas aos diagnósticos realizados pelo poder médico, associados com outras crenças relacionadas à normatividade, dificulta sobremaneira uma constituição identitária mais salutar.

De modo que, será dedicada uma discussão sobre o desenvolvimento do “eu” na

primeira infância, tendo em vista ser este início essencial a tão disseminada “reflexividade do ator social” do sociólogo Giddens. Igualmente discorreremos acerca do processo de exclusão, no âmbito do tema sobre identidade, que as instituições sociais induzem, realçando, então, sobre outros percalços que indivíduos estigmatizados costumam vivenciar, além dos advindos da própria família, tornando- se dificultosa uma real possibilidade de mudança em temos de sua realidade identitária. Por fim, analisaremos sobre o desenvolvimento psicossocial de crianças em cujo lar não foi possível o estabelecimento de condições mais salutares para tal evolução. Assim, verificaremos as principais questões que clamam por investimentos efetivos das políticas públicas.

Registre-se neste âmbito de análise que, de acordo com as ideias de Giddens (2002a) sobre a relação que há entre modernidade e identidade, “um repensar da natureza da modernidade deve caminhar junto com a reformulação de premissas básicas na análise sociológica” (p.9). Nesse sentido, vemos nessa assertiva uma articulação deste Capítulo com o precedente, pois nos permite perceber, de modo mais indireto, a questão referente à reflexividade do ator social; muito embora, como já destacamos, enfatizaremos veementemente a problemática encontrada por aqueles que acabam por serem excluídos, como ocorre tão precocemente às crianças de nossa pesquisa, que já foram enquadradas em uma realidade estigmatizadora. Nesta perspectiva, são marcantes as diferenças encontradas entre as instituições modernas e as de épocas passadas, tanto no que diz respeito ao seu dinamismo, aos hábitos e costumes, bem como à repercussão global que estes aspectos alcançam; porém, o que mais nos chama a atenção na obra de Giddens (2002a) é o destaque sobre as transformações trazidas com esta nova era não apenas no nível da organização social, mas também, e especialmente, na esfera pessoal de existência,

através, na verdade, de um entrecruzamento de ambos os aspectos: o da vida individual, da vida do “eu”, e o das repercussões globalizantes. Com efeito, a ênfase maior é sobre os novos mecanismos de auto-identidade que são constituídos pelas instituições da nossa contemporaneidade, afirmando-se que o “eu” não é uma entidade passiva e determinada por influências externas, mas contribui decisivamente para a estrutura da sociedade.38 Então, de acordo com este fato social, devemos atentar para as novas formas de experiência mediada desta modernidade denominada pelo referido autor de pós-tradicional, a fim de perceber que a auto- identidade é um fenômeno reflexivamente organizado, um “projeto reflexivo do eu”, tendo em vista o esforço do ator social em manter suas narrativas biográficas coerentes, sendo estas continuamente revisadas, em conformidade com as múltiplas alternativas oferecidas pelo jogo dialético entre o local e o global, considerando os variados e novos riscos que emergem continuamente. Com efeito, iremos, por último, registrar a contribuição que este aporte teórico oferece em termos de entendermos sobre o “projeto vida” giddensiano, já que este aponta que realmente se possa reescrever, de forma positiva, as narrativas de vida das crianças estigmatizadas.

No documento A criança (páginas 98-100)