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II.2.1 OS “IMPERIALISMOS” SOCIAIS E A PERSPECTIVA GIDDENSIANA

No documento A criança (páginas 89-93)

SOBRE A AUTONOMIA DO ATOR SOCIAL

De início, Giddens (2009) afirma que, mesmo observando uma diferença inegável entre o Funcionalismo e o Estruturalismo, ambas correntes de pensamento tenderam a expressar um ponto de vista naturalístico e se inclinaram para o objetivismo; por outro lado, a Hermenêutica entendeu haver um abismo entre sujeito e objeto social, já que a subjetividade seria o centro previamente constituído da experiência de cultura e história e, como tal, forneceria o fundamento básico das ciências sociais ou humanas. Neste âmbito, este autor examina sobre alguns problemas encontrados em tais construções teóricas no que tange a possibilidade de se vislumbrar quando e de que modo o ator social poderá ter voz e vez, no sentido de poder atuar significativamente. Discorrendo sobre o tema “estrutura, sistema e reprodução”, ele expõe que, através da elaboração de várias conceituações, o seu objetivo principal seria elucidar que o indivíduo atua como agente reflexivo, relacionando reflexividade com posicionamento e co-presença, mas, igualmente, procura mostrar como os interesses individuais se entrecruza com o estudo de sistemas sociais estendidos sobre vastos lapsos de tempo-espaço, como acabamos de ver. Deste modo, afirma que a tendência dos defensores da sociologia estrutural seria considerar a coerção como característica definidora dos fenômenos sociais; no seu ponto de vista, as propriedades estruturais dos sistemas sociais seriam simultaneamente facilitadoras e coercitivas, sem que, com isso, queira revelar que os sistemas sociais mais amplos estivessem aquém das potencialidades dos indivíduos ou vice-versa.

Dessa maneira, em sua Teoria da Estruturação há a proposição de que a estrutura é sempre tanto facilitadora quanto coercitiva em virtude da relação inerente entre estrutura e agência, onde aquela, mesmo sendo reproduzida, possui tanto regras como recursos. Portanto, é assinalado que embora as totalidades sociais preexistam e sobrevivam aos indivíduos que as produzem em suas atividades, se expandindo no espaço e no tempo, os sistemas sociais não existiriam sem a agência

humana. Mas isto não quer dizer que os agentes sociais criam sistemas sociais, e sim que eles têm a capacidade tanto de reproduzir como de transformar, refazendo o que já está feito na própria continuidade da práxis. Ainda assim, deve-se considerar que se as instituições se fixam com firmeza no tempo e no espaço, elas se tornam mais resistentes à manipulação ou mudança por qualquer agente individual, pois os sistemas sociais possuem propriedades estruturais que não podem ser confundidas com conceitos pertinentes à consciência dos agentes; por outro lado, os atores humanos devem ser concebidos como agentes competentes, atuando sob o efeito do reconhecimento que uns têm para com os outros.

Por isso mesmo, cada uma das várias formas de coerção também é, de diversas maneiras, uma força de facilitação, servindo para dar novas possibilidades de ação ou dificultarem outras. De modo que, “as propriedades estruturais dos sistemas sociais são como as paredes de um quarto de onde o indivíduo não pode fugir, mas em cujo interior ele consegue movimentar-se à vontade” (GIDDENS, 2009, p. 205). Ainda explica Giddens que apesar dos aspectos coercitivos do poder ser experimentados como sanções de vários tipos, indo desde a aplicação direta da força ou violência, ou a ameaça disto, até a expressão moderada ou fraca de desaprovação, todas elas requerem algum tipo de aquiescência por parte daqueles que se lhes submetem. Na verdade, as relações de poder estão profundamente enraizadas em modos de conduta tidos por certos por aqueles que os adotam, muito especialmente no comportamento rotinizado, o qual é apenas difusamente motivado. Por outro lado, sem dúvida, deve ser esclarecido que mesmo existindo, certas vezes, alternativas de ação muito limitadas, levando-as a serem compreendidas como sempre impulsionadas por alguma força implacável semelhante a uma força física que fazem com que os atores tornem-se incapazes de reagirem, isto não pode significar que eles, por sua vez, não possuam motivações que os inspiram a ações mais independentes.

Continuando, no intuito de verificar o ponto de vista de alguns autores sobre tais noções giddensianas, observa-se que, de acordo com Sztompka (1998), apesar de

Margaret Archer criticar a Teoria da Estruturação de Giddens, dizendo que o único

aspecto que distingue os sistemas sociais dos orgânicos ou mecânicos é a sua capacidade de passar por uma reestruturação radical, é observado que a própria autora acredita que tal reestruturação se deve a agência humana, a qual está inextricavelmente enraizada na interação prática, mesmo afirmando que a ação e

estrutura devem ser concebidas como analiticamente isoláveis, vez que as propriedades emergentes que caracterizam os sistemas socioculturais implicam descontinuidade entre as interações iniciais e seu resultado. Já Tom Burns e Helena

Flam, ainda segundo Sztompka, corroboram mais diretamente com a noção giddensiana ao explicarem que qualquer tipo de interação e cooperação pressupõe

normas comuns com suas estruturas profundas e que o seu foco não está nos atores que conformam, mas nas estruturas que são conformadas, concebidas como complexas redes de normas, significando isto que sistemas normativos sociais são construções humanas sobre as quais os agentes humanos formam e reformam. Por tudo isto, este autor enfatiza sobre a noção de Giddens a respeito da natureza fluida, permanentemente mutável da realidade social, cujo único verdadeiro substrato ontológico são as ações e interações dos sujeitos humanos; portanto, o sistema é produzido e reproduzido interativamente pela via da aplicação de regras e recursos generativos, onde estes são reformulados pelo próprio uso.

Sobre a formulação de sua Teoria, observamos que Giddens (1996b) se utilizou

de algumas das conceituações da sociologia interpretativa, no sentido da importante tríade “significado, dominação e legitimação”; mas, o sociólogo em tela fez uma análise no sentido de verificar as lacunas quanto a não percepção do intercâmbio plausível e necessário entre as estruturas sociais e as ações do ator social diante da realidade social cotidiana, com fins de transformações sociais. Neste prisma, segundo o conceito de intencionalidade, este fenômeno psicológico envolve um ato de idealizações que é muito distinto do próprio objeto de atenção, colocando em prática a

epoché, ou seja, colocando-se entre parênteses os conceitos dados para, assim, ter-

se condições de penetrar na essência da consciência; entretanto, o problema da intersubjetividade deve ser enaltecido, pois o outro se faz essencial na interação cotidiana, já que a intencionalidade não pode ser reduzida a uma relação interna de sujeito e objeto.

Assim, seria errado supor que o significado estaria diretamente relacionado à ação, já que o ator social estaria submerso nela, implicando isto na falta de um olhar reflexivo que tanto o autor como os outros possuem de modo retrospectivo, em relação a atos decorridos. Além do mais a experiência não poderia ser concebida como tendo em sua essência um significado pré-estabelecido, pois a categorização reflexiva dos atos também está de acordo com o interesse objetivo que o ator possui que, uma vez alcançado, transforma o curso transitório das ações. Para Giddens

(1996b), o conhecimento prévio serve para a adequação racional dos propósitos práticos dos procedimentos e descobertas do ator, entretanto, a inteligibilidade da conversação acontece devido ao trabalho mútuo por parte dos participantes.

Nestes termos, tal autor percebe que o desenvolvimento dos pontos de vista mais extremos sobre a ação social em face às normas e regras da sociedade possui limitações basicamente porque a análise sobre a ação é direcionada à questão do significado em detrimento à da práxis, quer dizer, do envolvimento dos atores na realização de prática de interesses. Em consequência, nenhum deles reconheceu a centralidade do poder na vida social, deixando de observar que isto pode ocorrer até mesmo na conversação entre duas pessoas, em que os recursos que cada uma possui são desiguais. De todo modo, Giddens (2009), ao expor sobre a obra de

Erwing Goffman, relata que nenhum outro pesquisador analisou melhor acerca das

relações sociais em condições de co-presença, demonstrando, o mesmo, estar sempre preocupado com os detalhes das interseções de presença e ausência na interação social. Tais condições de co-presença, para ele, são encontradas sempre que os agentes sentem estar suficientemente próximos para serem percebidos em sua ação, incluindo a própria experiência da relação. Foram estes aspectos, dentre outros, que levaram Giddens a se embasar substancialmente nessa obra no que tange, principalmente, à ordenação temporal e espacial da atividade social. No entanto, este autor pontua que estes escritos não examinam um fator importantíssimo que diz respeito à interligação entre os mecanismos de integração social e de sistema. Por conseguinte, Goffman não considerou que as formas institucionais duradouras também possuem um efeito de moldar as vidas das pessoas, sabendo-se que a sua fixidez não existe fora dos encontros da vida cotidiana. Ademais, apesar de tais escritos serem de suma importância para a compreensão das relações entre a consciência discursiva e a consciência prática nos contextos de encontros, observa- se que o aspecto do inconsciente praticamente não foi analisado; assim, suas análises de encontros pressupõem a existência de agentes motivados, não havendo interesse em investigar as origens da motivação.

Por fim, Giddens (2009) reconhece também a relevância dada pelo sociólogo em análise a respeito da sustentação e reprodução dos encontros sociais, quando este enfoca que existe uma relação entre o controle reflexivo do corpo (a automonitoração reflexiva de gestos, movimentos e posturas corporais) e a coordenação mútua da interação através do tato e do respeito pelas necessidades e solicitações de outros.

Portanto, estes aspectos são colocados em prática por meio de numerosas habilidades dos atores sociais na produção e reprodução da interação.36

Como constatamos nas entrelinhas dos parágrafos anteriores, foi demarcada a crença de Giddens acerca da possibilidade do “deslizar do agente por entre as normas sociais”. Assim, através desta teoria, poderemos verificar no próximo tópico, de modo ainda mais claro, como acontece esse entrecruzamento da ação com as estruturas sociais, quando poderemos compreender melhor que os efeitos do

processo social de estigmatização na infância são fortes, haja vista que entedemos que estes se colocam como uma barreira à influência das novas teorias alavancadas pela Reforma Psiquiátrica e pela teoria psicanalítica lacaniana utilizada por 8 anos aproximadamente no âmbito da Saúde Mental da cidade.

No documento A criança (páginas 89-93)