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IV.1.2 A OBJETIFICAÇÃO DOS DADOS PARA A APREENSÃO DA

No documento A criança (páginas 158-162)

SUBJETIVIDADE DO PROCESSO SOCIAL DE ESTIGMATIZAÇÃO RELATIVO À “CRIANÇA-PROBLEMA”

Vale salientar, de inicio, que a pesquisa teve caráter exploratório, tendo em vista que o tema do processo social de estigmatização infantil ainda permanece uma incógnita nos dias atuais, especialmente no que se refere ao funcionamento a nível institucional: na instituição familiar, na psicossocial e nas demais instituições que respondem aos cuidados de crianças psicossocialmente vulneráveis. Ela igualmente evidenciou uma interdisciplinaridade entre conhecimentos da área da saúde mental infantil e perspectivas predominantemente sociológicas.

Ao aplicamos “entrevistas não estruturadas” na nossa pesquisa, observamos o que Minayo (2010) entende sobre esse momento; isto é, esta autora demonstrou que este procedimento deve ser compreendido como uma conversa a dois, tendo em vista que tem a pretensão de colher a profundidade e a subjetividade dos fatos, através da qual o informante é convidado a falar livremente sobre suas ideias, crenças, opiniões, sentimentos, maneiras de atuar, condutas, projeções para o futuro, razões conscientes ou inconscientes de determinadas atitudes e comportamentos, entre outros aspectos. Porém, este modelo de entrevista se configura como uma conversa com finalidade, em que um roteiro invisível serve como uma espécie de esquema de pensamento dos fios relevantes para o aprofundamento da conversa. Com isto, tentou-se “manter a margem de movimentação dos informantes, tão ampla quanto possível, e o tipo de relacionamento livre de amarras, informal e aberto, dentro das limitações já conhecidas” (MINAYO, 2010, p.265), através da refutação de

formulações prefixadas e da introdução de perguntas ou intervenções que visem ampliar o campo de explanação.

Por conseguinte, a ordem dos assuntos não obedeceu a uma sequência rígida, se determinando, ao contrário, pelas próprias preocupações, relevâncias e ênfases dadas, já que a ordem afetiva da experiência é mais determinante dos comportamentos e da fala do que o lado racional e intelectualizado. Na verdade, tivemos igualmente como premissa a assertiva de que o envolvimento do entrevistado com o entrevistador deve ser considerado não como risco comprometedor da objetividade, mas como condição de aprofundamento de uma relação intersubjetiva, pois essa interação é condição sine qua non do êxito de uma pesquisa qualitativa. Assim, no trabalho de campo, tivemos como norte, a princípio, estes aportes teóricos, havendo o levantamento de dados dos prontuários dos serviços, com os devidos fichamentos das crianças selecionadas, suas famílias e os profissionais, e a interlocução com os sujeitos pesquisados através de “entrevistas não estruturadas”. Desse modo, fizemos um primeiro levantamento para delimitarmos a amostra da pesquisa nos prontuários dos CAPS is e para colhermos aspectos importantes; em seguida, realizamos as entrevistas com os adultos responsáveis pelas crianças em atendimento nestes locais e com os respectivos profissionais responsáveis por tais famílias. Na análise e tratamento destes materiais, realizamos uma recapitulação das teorias estudadas e uma rememoração da experiência profissional da pesquisadora nesta área. A intenção foi prezar, veementemente, por uma contribuição verdadeiramente singular e contextualizada que demonstrasse e situasse a existência de motivos, elementos e conflitos sociais intrafamiliares e interinstitucionais em que a criança é refém, levando-a ao aprisionamento no processo social de estigmatização

infantil que a faz ser concebida como uma “criança-problema”. Por isto, entendemos

também que, na análise dos dados, precisaríamos incorporar o contexto de sua produção e as eventuais informações complementares, além de não perder de vista os elementos de relações, práticas, cumplicidades, omissões e imponderáveis que fazem parte de toda realidade social.

No caso específico dos adultos responsáveis pelas crianças, havia a necessidade destes reunirem três aspectos: precisavam acompanhar a criança em seus atendimentos, exercer os cuidados essenciais a essa faixa etária, mesmo não sendo a mãe ou o pai, e participar dos “Grupos de Famílias” oferecidos nestes serviços, ou mesmo, caso não participassem destes Grupos, terem recebido orientações dos

profissionais responsáveis pela criança em questão; isto porque precisamos ter em vista como os “novos discursos” praticados pelos CAPS infantis estariam exercendo sua influência. As crianças deveriam possuir um diagnóstico exclusivo de “transtorno de conduta”, cujo comportamento compreendesse atitudes hetero-agressivas predominantemente; além disso, elas deviam ter idade entre 5 e 12 anos incompletos, totalizando uma amostra de, então, 10 crianças, cuja população encontrada com este perfil, foi a de 32 crianças. O motivo para esse enquadramento ocorreu pelo entendimento de que, a partir de 5 anos, o tempo de vida transcorrido oportunizaria mais efetivamente a fixação do estigma infantil; já a idade máxima de 12 anos procurou excluir questões relativas aos comportamentos que traduzem a entrada da adolescência, dirimindo, assim, eventuais dúvidas sobre certos aspectos comportamentais.

Outra razão para tal seleção tem relação com os comportamentos agressivos que normalmente são apresentados pelas crianças que possuem esse diagnóstico de “transtorno de conduta”; isto é, essa escolha pretendeu eliminar outras crianças inseridas nos CAPS is que possuem comportamentos agressivos, como são aquelas diagnosticadas, por exemplo, de “transtornos invasivos do desenvolvimento” (autismo infantil e síndromes diversas), “deficiência mental”, bem como por “transtornos psíquicos propriamente ditos”. Tivemos em vista que, nestes diagnósticos, há um fator claramente determinante para tais condutas que, no caso de uma psicose, o momento de “surto” propicia este tipo de comportamento, e em crianças com problemas sindrômicos, portadoras de autismo infantil e deficiência mental, há a questão da dificuldade ou mesmo ausência de comunicação, levando-as a agirem agressivamente devido a esta impossibilidade de compreensão e expressão sobre o mundo a sua volta. Excluímos também da pesquisa aquelas crianças com diagnósticos relacionados a fobias, como é o caso da “síndrome do pânico” ou a temores mais específicos, como medo de escuro, de pessoas, entre outros, já que nestes casos, geralmente, há ausência de agressividade, sendo esta característica um traço significativo que desencadeia o processo social de estigmatização, muito embora crianças com estes “distúrbios menores” não estejam livres de noções como a da “não normalidade”.

Tudo isto objetivou evidenciar mais acertadamente a construção social do estigma que gira em torno da infância e que faz a criança ser constituída subjetivamente, tendo em vista que, nas crianças diagnosticadas por “transtornos de

conduta”, o que predomina claramente é sua conduta anti-social agressiva que perturba a ordem; apesar de que, temos a consciência que nos outros casos há concepções negativas: quanto aos transtornos psíquicos, usualmente há esta classificação devido ao rótulo tradicional da “loucura” que já foi culturalmente fincado; quanto aos outros problemas citados, este rótulo se dá de forma mais amena, normalmente sem envolvimentos de conflitos sociais. Isto porque, de acordo com a experiência profissional da pesquisadora, há sempre um fator orgânico associado que traz uma maior pacificação na dinâmica estigmatizadora, além do que a própria criança é menos reativa as demandas institucionais. No caso das crianças codificadas pelos “transtornos de condutas”, há claramente problemas da ordem de sua estruturação familiar e social, o que nos indicou mais claramente sobre a existência de um processo estigmatizador. Quanto aos profissionais, o único critério usado foi o de os mesmos serem responsáveis pela condução dos “Grupos de Família” ou terem realizado orientações com os familiares das crianças atendidas pelos mesmos. Em suma, a estratégia de seleção da amostra teve por objetivo assegurar que realmente pudesse ser analisada a produção social de subjetividade e seus processos modernos de institucionalização e normalização.

Antes de iniciarmos a pesquisa, deixamos claro sobre a acessibilidade dos sujeitos de pesquisa às informações contidas no estudo e apresentamos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, quando asseguramos o sigilo dos dados e a omissão de seus nomes, dizendo-lhes então sobre a divulgação exclusiva para fins acadêmicos e científicos. Assim, após o registro das narrativas, através da gravação eletrônica das mesmas e da transcrição destas, considerando os âmbitos de investigação familiar e profissional, iniciamos a nossa interpretação dos dados. Desse modo, tendo elaborado os eixos norteadores das entrevistas, foram feitos os contatos com os familiares selecionados, sendo que todos concordaram em fazer parte de imediato. Enfim, procurei sempre demonstrar o meu real interesse em contribuir através do meu estudo, expressando o desejo de apresentar os resultados após seu término.

Enfim, um último aspecto a salientar é que a pesquisa terminou não se restringindo apenas ao membro familiar e ao núcleo familiar residente, pois, em dois casos, houve a necessidade de entrevistar profissionais da área da assistência social, já que os familiares não tinham mais contato com a criança; de outra forma, no momento da coleta de informações, tivemos sempre um olhar mais amplo de toda a

rede social da criança(SALEM, 1977). Na verdade, essa peculiaridade foi reveladora de questões relevantes à compreensão abrangente da realidade social investigada.

No documento A criança (páginas 158-162)