• Nenhum resultado encontrado

Estudos sobre a História da Matemática em Portugal na obra de L Saraiva

desenvolvimento da Matemática em Portugal

1.3 Estudos sobre a História da Matemática em Portugal na obra de L Saraiva

Luís Saraiva publicou vários trabalhos dedicados à História da Matemática em Portugal que apresentam uma análise muito detalhada sobre as publicações dos matemáticos portugueses do século XIX, com base na obra de Rodolfo Guimarães21.

No seu trabalho Mathematics in the Memoirs of the Lisbon Academy of Sciences in the

19th century (Saraiva, 2008) sobre as Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, L.

Saraiva analisa todos os trabalhos nas Memórias da Academia das Ciências de conteúdo

19

1864 – Moscow Mathematical Society, 1865 – London Mathematical Society, 1872 – Société Mathématique de France, 1879 – Kharkov Mathematical Society, 1883 – Edinburgh Mathematical Society, 1884 – Circolo Matematico di Palermo, 1888 – American Mathematical Society (fundada em 1888 com nome: New York Mathematical Society e reorganisada em 1894 com o nome de American Mathematical Society), 1890 – St. Petersburg Mathematical Society, 1891 –

Deutsche Mathematiker Vereinigung. 20

Entre estas revistas portuguesas podem ser mencionadas: a Revista de Brazil e Portugal (1841 - 1914), a Revista

Militar (1848), O Instituto: Revista científica e literária (1853 - 1981), a Revista de obras públicas e minas (desde 1870),

os Annaes do Club militar naval (1871), o Boletim da Sociedade de geographia de Lisboa (desde 1876), a Revista de

sciencias militares (1885), a Revista de engenharia militar (desde 1896) e a Revista Portugueza Colonial e Marítima

(desde 1897).

21

Rodolfo Ferreira Dias Guimarães (1866–1918), professor da Escola do Exército de Lisboa (atual Academia Militar), conhecido pela sua investigação em História da Matemática, nomeadamente pela edição de um catálogo das obras de matemática publicadas por autores portugueses e pela divulgação da obra de Pedro Nunes (1502–1578), publica em 1904 um riquíssimo opúsculo intitulado Noções sobre Cálculo das Probabilidades, Theoria dos Erros e Méthodo dos

22

matemático produzidos em Portugal no século XIX, dividindo-os nas seguintes áreas: Análise Matemática, Geometria e Matemática Aplicada. Faz também a análise de alguns artigos publicados nas Memórias.

São de salientar as suas observações em relação ao estado de matemática em Portugal do ponto de vista de internacionalização, em particular no que respeita a ausência de esforços por parte dos editores das Memórias para dar um passo para fora das fronteiras de Portugal.

(…) All this shows that there was never a policy to integrate the Memoirs into the network of scientific publications of the international community. Not only were there very few non-Portuguese authors, but also there was no continuity in their collaboration with the Portuguese community; it almost seems that these papers were published in the Memoirs by accident. (…) (Saraiva, 2008, p. 312)

L. Saraiva destaca duas condições para a internacionalização de um jornal: os artigos devem ser escritos numa língua compreendida pelos potenciais leitores de outros países e deve haver uma correspondência ativa e intercâmbio com os cientistas de outros países. De facto, muito poucos artigos de matemáticos estrangeiros foram publicados nas Memórias e quase todos os artigos eram escritos em português; para além disso não foram feitos os esforços necessários por parte dos matemáticos portugueses para entrarem na comunidade matemática internacional. Até à “era do Teixeira” poucos autores portugueses tinham publicações para além de fronteiras de Portugal. Entretanto esta falta de intercâmbio científico não significa que os matemáticos portugueses não estavam atualizados em relação ao trabalho científico feito nos outros países. Através da análise detalhada de alguns artigos publicados nas Memórias, L. Saraiva mostra que estes conheciam o que era feito fora do país e que os seus trabalhos eram atuais e interessantes (Saraiva, 2008).

(…) In spite of this inability to participate actively in the international community of mathematicians, there was no ignorance on the part of Portuguese mathematicians of at least some of the developments of mathematics in Europe, and some papers published in the Memoirs could have caught the attention of other European mathematicians had the Memoirs had a different orientation and a significant readership in Europe. […] examples show that the fact that Portuguese

23

mathematicians were ignored by the international community did not mean that they were not aware of what was being done in Europe. […] the authors show reasonable knowledge of European mathematics in the areas that concern their papers, some of it produced near the time of their writings. (…) (Saraiva, 2008, p. 314)

Relativamente ao estudo da situação da matemática em Espanha no século XIX, L. Saraiva afirma:

(…) It would be interesting to compare the panorama of publication of the Portuguese Academy in the 19th century with that of its Spanish counterpart, but as far as I know through Spanish and Argentinean colleagues and from reading research papers, there is no published study of the Spanish situation, only studies of particular non-Academy journals, such as the Periodico Mensual de Ciencias Matemáticas y Físicas and El Progreso Matematico. (…) (Saraiva, 2008, p. 320)

Apesar disso, faz uma análise detalhada dos trabalhos de Eduardo Ortiz, Mariano Hormigón22, Julio Rey Pastor23 e Ernesto García Camarero, concluindo que a situação espanhola era semelhante à portuguesa.

(…) the Spanish mathematician Julio Rey Pastor (1888–1962) sets out to debate what Spain’s attitude toward science should be […] His analysis shows that the path of Spanish mathematics in the 19th century was in many ways similar to Portugal’s, although there was no significant contact between mathematicians of the two countries before the last quarter of the century. As in Portugal, and for similar reasons, the first half of the century had produced little mathematics in Spain (…) (Saraiva, 2008, p. 320)

Ambos os países, Portugal e Espanha, tiveram projetos interessantes no século XVIII que poderiam ter tido um futuro muito promissor (em Espanha isto refere-se aos matemáticos espanhóis que atuavam não só em Espanha, mas em França, em Inglaterra e na Rússia, podendo desenvolver contactos tão preciosos para interligar a matemática espanhola com outros países), trazendo inúmeras vantagens para o país, mas, infelizmente,

22

Mariano Hormigón Blánquez (1946 - 2004) - matemático e historiador espanhol especializado em História da Ciência.

23

24

devido à instabilidade política, estas iniciativas não tiveram continuação.

Num capítulo do livro Writing the History of Mathematics: Its Historical Development (Dauben, et al., 2002), L. Saraiva descreve o desenvolvimento da historiografia da matemática em Portugal. Menciona aí, como autores importantes do século XIX, F. B. Garção Stockler (1759-1829), F. Castro Freire (1811-1884), F. Gomes Teixeira, R. F. Guimarães e P. J. da Cunha (1867-1945), cujas contribuições enquadra na situação económica, política e científica do país durante este período. Constata no entanto que:

(…) There has never been a school of history of mathematics in Portugal. Works on the history of mathematics have come rather from isolated researchers working with specific goals determined by individual circumstances. In particular, five mathematicians – Francisco de Borja Garção Stockler (1759-1829), Francisco de Castro Freire (1811-1884), Francisco Gomes Teixeira (1851-1933), Rodolfo Ferreira Dias Guimarães (1866-1918), and Pedro José da Cunha (1867-1945) – authored works that served to define a strand of interest in the history of mathematics in Portugal from the late 18th through the 20th centuries (...) ( (Saraiva, 2002), p. 241)

relevando o papel de Gomes Teixeira.

(...) Only Gomes Teixeira pursued the history of mathematics independently of external events, and in a more careful and considered way. The time and thought that went into his ideas are clearly reflected in his texts, which demonstrate the value of combining the understanding of a good mathematician with an equally good sense of history. (…) (Saraiva, 2002, p. 247)

Um outro trabalho digno de nota é A Survey of Portuguese Mathematics in the

Nineteenth Century (Saraiva, 2000), no qual o autor descreve o estado do desenvolvimento

do ensino e da ciência em Portugal no século XIX, incluindo uma descrição da reforma educativa de 1836, bem como uma análise do papel da Academia de Ciências de Lisboa na vida científica do país.

(…) Only after the liberal uprising of September 1836 the conditions were created for these two initiatives to be put into practice. There were many changes introduced in the curriculum at Secondary and University levels. Profound changes took place in the former, as this was the top

25

priority of the Liberal Government: Lyceums were to be built in all district capitals where they did not already exist, and a detailed programme of studies was to be taught there, including Humanities (Literature, History and Geography), Languages (French, English or German) and Sciences (Algebra, Geometry, Physics, Chemistry, Natural History. etc.), besides the traditional Classical Languages, Rhetoric and Philosophy. This plan, which brought mathematics to a much wider audience, met with considerable opposition: in 1844, it suffered a setback, when Sciences were taken out of the curriculum and languages were only maintained in the main cities. Only sixteen years later was the original reform restored, although in a more moderate way. The Military Academies were either restructured or transformed into Polytechnic Schools, centralizing the study of subjects that had until then been taught in separate places: the Army School and the Polytechnic School, both in Lisbon, and the Polytechnic Academy of Oporto, all in 1837: and later, in 1845, the Navy School in Lisbon.(…) (Saraiva, 2000, p. 308)

Menciona-se igualmente o papel de Gomes Teixeira na vida científica do país e a influência do seu Jornal de Sciencias Mathematicas e Astronomicas, que se transformou numa janela para o mundo científico da Europa.

(…) In 1877, he founded the Jornal de Sciencias Mathematicas e Astronomicas in Coimbra, which was issued regularly until 1905. Here Portuguese and non-Portuguese mathematicians published their papers, thus marking the end of a long period of isolation for Portuguese Mathematics. It was intended that besides research papers, there would be a section for secondary level mathematics, where, it was hoped, secondary school teachers might contribute. However, this experiment was unsuccessful and was soon abandoned. (…) (Saraiva, 2000, p. 313).

Relativamente ao contributo de Gomes Teixeira para a educação, o autor refere o

Curso de Analyse Infinitesimal que foi um dos primeiros manuais de Análise Matemática

escrito em português e dirigido ao ensino superior.

(…) The following year the reorganization of the Academy´s courses meant thet he had to teach the Course of Differential and Integral Calculus. He then started the publication of his Curso de Análise Infinitesimal (Course of Infinitesimal Analysis), where he showed he was aware of the research in this field that was then being done in Europe. Consequently, it was he who introduced the new analysis concepts into Portuguese higher studies. The Course was completed by 1892, and its writing emphasizes an important aspect of Gomes Teixeira´s work: for him research and teaching

26

were profoundly interconnected activities. (…) (Saraiva, 2000, p. 313).

Os trabalhos de L. Saraiva na área da História de Matemática apresentam um panorama geral do estado de desenvolvimento da matemática em Portugal nos séculos XVIII e XIX, enquadrando-o no contexto socio-económico do país.

Os números apresentados no artigo (Saraiva, 2008) sobre as Memórias da Academia de

Lisboa dão uma visão sobre a quantidade de trabalhos matemáticos produzidos em

Portugal, na época em que as Memórias eram praticamente a única revista portuguesa onde se publicava sobre matemática. No nosso trabalho tentamos estender esta análise quantitativa a um período mais alargado, cobrindo todas as revistas nacionais que posteriormente surgiram.

Na medida em que retratam Gomes Teixeira como pessoa que compreendeu a importância da internacionalização da matemática portuguesa, os trabalhos de L. Saraiva acima referidos contribuem para reforçar a nossa convicção sobre a relevância do tema da presente dissertação.

1.4 A situação da comunidade matemática na