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Revistas científicas generalistas em Portugal anteriores ao Jornal de Teixeira

colaboração com a comunidade matemática na Europa

4.2 Revistas científicas generalistas em Portugal anteriores ao Jornal de Teixeira

Em 1720, D. João V fundou por decreto a Academia Real da História Portuguesa em Lisboa, que existiu até 1776155. Durante o período de 1721-1736 a Academia da História publicou 15 volumes da revista genérica Memórias da Academia Real da História

Portuguesa, que incluia trabalhos sobre temas históricos e monografias individuais escritas

pelos seus membros. Esta revista foi o primeiro periódico académico em Portugal.

A Academia Real da História Portuguesa foi a precursora da Academia Real das

Sciencias de Lisboa, criada em 1779, hoje denominada Academia das Ciências de Lisboa.

As primeiras publicações matemáticas, que hoje em dia podem ser classificadas como artigos científicos, surgiram na primeira edição de 1780 - 1788 da nova revista académica

Memórias da Real Academia das Sciencias de Lisboa, publicada em 1797.

(…) A 1ª Série das Memorias da Academia tem lugar entre 1797 e 1839. Nestes 42 anos são publicados 12 tomos, 8 deles em 2 volumes, ou seja, um total de 20 volumes em 42 anos, uma média de menos de um volume por cada dois anos. Nestes 20 volumes há 34 artigos de Matemática, 6 dos quais são sobre temas de História da Matemática. (…) (Saraiva, 2004, p. 163).

Até ao final do século XIX a Academia publicou 38 volumes das Memórias, dedicados à matemática, física e ciências naturais. F. R. Dias Agudo apresentou, num dos seus trabalhos (Dias Agudo, 1986), uma análise detalhada das publicações científicas deste período.

Mais tarde, em 1866, sob os auspícios da Academia foi criada a revista Jornal de

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Análise baseia-se nas obras de R. Guimarães e no JFM.

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Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes. A revista foi publicada de forma irregular

até 1927. Apesar da publicação ocasional de trabalhos matemáticos, a história da ciência constituía a principal orientação da revista.

(…) A publicação deste jornal mantém-se um tanto irregular, oscilando entre um e três números por ano, tendo saído dois volumes nos últimos cinco anos estudados, num total de 28 volumes em 14 anos. (…) (Saraiva, 2004, p. 169).

As edições das Memórias da Real Academia das Sciencias de Lisboa e do Jornal de

Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes surgiam com um atraso significativo (de

alguns anos) e muitas vezes continham trabalhos originais em matemática, apresentados muito antes nas reuniões da Academia. Este atraso no tempo de publicação e, sobretudo, a utilização de trabalhos escritos exclusivamente em português conduziam frequentemente a uma perda da prioridade na autoria dos resultados apresentados pelos matemáticos portugueses. Muitas das investigações em matemática foram realizadas em vários países da Europa de forma independente e simultânea. Por isso o facto de cientistas de diferentes países chegarem ao mesmo resultado quase simultaneamente não é de todo surpreendente. Como consequência desta situação, investigações matemáticas efetuadas mais tarde, eram por vezes publicadas mais cedo noutras revistas, e dessa forma ganhavam a prioridade em termos de publicação156. De acordo com Gomes Teixeira (Teixeira, 1934), o isolamento científico de Portugal foi a outra razão importante de perda da prioridade científica de matemáticos portugueses, publicados na sua própria língua.

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Exemplos típicos da perda de prioridade: o astrónomo português J. Monteiro da Rocha (1734-1819), que desempenhou um papel importante no desenvolvimento da matemática em Portugal, em 1782 apresentou na Academia das Ciências de Lisboa o seu trabalho Determinação das Órbitas dos Cometas, que foi publicado em 1799 no segundo volume das Memórias, enquanto que astrónomo alemão H. Olbers tinha publicado os cálculos similares em 1787. O método geral para resolução das equações algébricas do quarto grau foi publicado por S. Magiochi em 1821 no sétimo volume das Memorias e, em 1826 T. Oliver obteve um método similar de solução, publicado no Crelle´s Journal sem quaisquer referências aos resultados originais de Magiochi. Um método numérico da resolução de equações algébricas de qualquer grau, apresentado em 1794 à Academia pelo matemático português Dantas Pereira e publicado em português em 1799 no segundo volume das Memorias, foi desenvolvido independentemente por W. G. Horner e publicado em 1819 na Philosophical Transactions of the Royal Society. O matemático português, D. A. da Silva (1814 - 1878) publicou em 1851 (novamente, em português) os resultados originais do seu trabalho sobre a rotação das forças em torno dos pontos de aplicação, que anteciparam os resultados do trabalho, apresentado por J. G. Darboux à Academia das Ciências de Paris em 1876. Outra contribuição relevante de D. A. da Silva na teoria dos números, publicada nas Memórias em 1854, de novo permaneceu desconhecida, porque em 1861, o irlandês H. J. Smith publicou resultados semelhantes no Philosophical Transactions of the Royal Society (Dias Agudo, 1986).

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Em 1852, na Universidade de Coimbra, foi fundado o Instituto de Coimbra, com base em membros do Clube dos Lentes, que existiu até 1982. Seguindo as novas ideias liberais do período da Regeneração na segunda metade do século XIX, o Instituto, que se considerava de facto como uma academia, declarou entre as suas tarefas principais a difusão e o desenvolvimento da ciência, das letras e das artes, bem como a restauração da cultura portuguesa. Foi criado num momento em que a política liberal precisava de aplicação prática e a educação pública requeria especial atenção. Um ano depois, em 1853, O Instituto de Coimbra recebeu o primeiro apoio do governo: foi autorizada a edição de uma revista pela Imprensa da Universidade com financiamento do estado157. Esta revista, intitulada O Instituto: Revista científica e literária, saiu até 1981. No total foram publicados 141 volumes. A revista não era dedicada à matemática, embora às vezes publicasse artigos (maioritariamente didáticos) de professores da matemática da Universidade (Carvalho e Silva, 2000).

Como observado por L. Saraiva (Saraiva, 2000), após as reformas radicais do ensino universitário, realizadas por Marquês de Pombal em 1772, o surgimento da Faculdade de Matemática na Universidade de Coimbra não teve efeito significativo no desenvolvimento da matemática em Portugal nos primeiros três quartos do século XIX. No entanto, segundo (Carvalho e Silva, 2000), esta Faculdade caracterizou-se por uma grande qualidade em termos de ensino e uma preocupação assinalável pela investigação, mostrando uma atualização notável em relação à matemática que se ia fazendo no estrangeiro, apesar de não ter produzido muita matemática nova, devido sobretudo aos condicionalismos da época. Durante este período, as publicações matemáticas na revista O

Instituto refletiam a situação na Faculdade de Matemática.

Uma análise detalhada dos Princípios Matemáticos de José Anastácio da Cunha foi realizada por A. P. Yushkevich (Yushkevich, 1972; 1973; 1979), que estudou a hipótese de este ter antecipado a dedução do critério de convergência proposto A. L. Cauchy, em 1821, no curso de análise Cours d'Analyse de l'Ecole Royale Polytechnique (Cauchy, 1821), também conhecido como critério de Bolzano-Cauchy (Fichtenholz, 1962). A questão sobre a prioridade de Anastácio da Cunha foi inicialmente levantada pelo matemático português

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A condição para o financiamento da revista consistia na alocação de metade do seu conteudo para publicação dos relatórios do Conselho Superior de Instrução Pública e das listas de professores nomeados para o ensino primário, secundário e superior em todo o país.

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V. Gonçalves (Gonçalves, 1940). Yushkevich discute a opinião de Gonçalves e apresenta as suas dúvidas na prioridade explícita de Anastácio da Cunha. No entanto, assinala desde logo a falta da edição original dos Princípios tendo por isso sido forçado a usar a tradução francesa (Cunha, 1811), publicada por um aluno de Anastácio da Cunha, o matemático J. M. d'Abreu em 1811. Apesar de todas estas dificuldades, ainda pontualmente havia algum reconhecimento da obra de portugueses, como é o caso de um elogio feito por Gauss à definição de exponencial adotada por José Anastácio da Cunha.

4.3 O Jornal de Sciencias Mathematicas e