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CAPÍTULO 3. METODOLOGIA

3.1 Etnografia

O presente trabalho tem como metodologia a abordagem qualitativa, de cunho etnográfico, por entender que é nela que se amplia o debate epistemológico e a reflexão sobre

as especificidades socioculturais e a troca de experiências num diálogo direto entre pesquisador e o objeto observado. O trabalho de abordagem qualitativa de cunho etnográfico produz representações a partir de uma rotina densa no campo de pesquisa com os sujeitos sociais da pesquisa.

É dentro desse contexto e dos pressupostos da pesquisa qualitativa que a etnopesquisa crítica, segundo Macedo (2010), se faz presente, descortinando o processo investigativo pautado na repartição de tarefas, onde o observador tem um lugar de subalterno em relação aos estudos dos fenômenos sociais, causando uma “neutralidade” na investigação científica e a perpetuação de um paradigma fabril e instrucionista. Segundo Sousa (2014, p. 16), “ligada à antropologia e á sociologia qualitativa, a etnografia surge como uma forma diferente de investigação educacional, em franca oposição aos paradigmas positivistas provenientes da psicologia experimental e da sociologia quantitativa”. Portanto a pesquisa etnográfica atrelada a uma interpretação crítica das práticas pedagógicas, pode ser um caminho a descobrir se existe inovação na aprendizagem dos alunos da Escola Rural Quilombola de Lage dos Negros. “Sendo assim, a hermenêutica crítica é uma das fontes de inspiração para uma etnopesquisa crítica, na medida em que contém a possibilidade democrática e emancipatória de que a crítica seja também prática, jamais crítica e práticas messiânicas” (MACEDO, 2010, p. 46).

Dessa forma este autor defende que não é um olhar simplesmente descritivo que produzirá resultados tão significativos, mas uma observação fundamentada na etnografia crítica na prática que poderá gerar as mudanças pedagógicas capazes de originar a “inovação pedagógica”. Pois, como coloca Fino (2008b, p. 3) “já não será tão controverso, pelo menos a esta luz, propor a etnografia como forma de estudar as práticas pedagógicas para se decidir se serão tão inovadoras”.Investigar se as práticas pedagógicas desenvolvidas na Escola Rural Quilombola de Lage dos Negros representam mudanças, enquanto ruptura paradigmática com os pressupostos tradicionais requer uma observação sistemática dessas práticas, cotidianamente, pois “um olhar qualificado pela experiência directa do terreno, e multirreferencialmente informado e reflectido, talvez possa ajudar a provocar, nem que seja, um pouco de mudança” (ibidem, p. 4).

A etnografia, num sentido lato, significa a descrição de um povo, de uma cultura. André (2012, p. 27) defini a etnografia como “um esquema de pesquisa desenvolvido pelos antropólogos para estudar a cultura e a sociedade”. Portanto, a pesquisa etnográfica pretende lidar com o grupo de pessoas pertencentes a uma cultura, a uma comunidade. O estudo etnográfico envolve a análise dos comportamentos, das vivências, dos costumes e das crenças

que são partilhados na cultura em estudo. Esta metodologia reflete sobre as interações humanas, em que o investigador interpreta ações significativas, por forma a dar uma visão dessa realidade. Geertz (1978) afirma que:

[...] fazer etnografia é como tentar ler (no sentido de construir uma leitura de) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de clips, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escritos não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado (GEERTZ, 1978, p. 35).

Dessa forma, a pesquisa de abordagem qualitativa de cunho etnográfico se encarregará de revelar uma riqueza de significados subjacentes à provável existência de práticas pedagógicas inovadoras no contexto da Escola Rural Quilombola de Lage dos Negros, que constitui o objeto desta pesquisa. Segundo Michaliszyn e Tomasini (2012, p. 86) “o trabalho etnográfico permite ao pesquisador viver no campo uma experiência que é única. Ela nos é dada através do conjunto de relações pessoais por nós estabelecido e que nos permite ligar à rede cultural do grupo como nos envolvemos no momento da pesquisa”.

Conforme Spradley (1979 apud FINO, 2008b, p. 1), “a etnografia deve ser entendida como a descrição de uma cultura (...) sendo a tarefa do investigador etnográfico compreender a maneira de viver do ponto de vista dos nativos da cultura em estudo”. Para tanto entendemos a antropologia e a etnografia como perspectivas que nos levam a uma hermenêutica cultural, a uma aprendizagem polissêmica (MACEDO, 2012). Na qual os diferentes saberes se constituem numa interação mútua de troca de experiências e conhecimentos culturais.

A investigação etnográfica, que se desenvolve dentro de contextos educativos, torna-se um recurso de relevância, uma vez que permite o entendimento do contexto visto de dentro, refletindo e analisando as situações que permeiam a progressão na aprendizagem dos sujeitos pesquisados. “Imbuídos da etnopesquisa, educadores críticos conhecem a liberdade responsável das metodologias inerentes a essa alternativa científica, conduzindo investigações pertinentes e contingentes ao contexto” (MACEDO, 2010, p. 47).

Nesta compreensão, todo conhecimento que o contexto educativo oferece ao investigador, passa a ser parte integrante da interpretação e análise do mesmo, desde a gestão, as regras, as regras e ideais da comunidade escolar, assim como, à aprendizagem dos alunos o sentimento de pertença à escola e àquela cultura, entre outras informações que o investigador etnográfico consegue obter devido à sua estada em campo.

Descrição (grafia) de um etnos (termo que designa povo, uma cultura). O trabalho etnográfico de campo implica fundamentalmente na observação participante (noção que define ao mesmo tempo a etnografia em seu conjunto e as observações prolongadas feitas no campo ao participar da vida das pessoas). Atualmente, o termo etnografia tende a designar uma disciplina, com todos os privilégios que comporta, e, ao mesmo tempo, um método (a observação participante e as técnicas anexas) e um trabalho de interpretação dos dados coletados no decurso do trabalho de campo (LAPASSADE, 2005, p. 148).

Para André (2012), a ação do investigador em campo e sua interação com o objeto de estudo é fundamental para o pleno desenvolvimento da pesquisa. Ainda segunda a autora supracitada:

Finalmente, a pesquisa etnográfica busca a formulação de hipóteses, conceitos, abstrações, teorias e não a sua testagem. Para isso, faz uso de um plano de trabalho aberto e flexível, em que os focos da investigação vão sendo constantemente revistos, as técnicas de coleta, reavaliadas, os instrumentos, reformulados e os fundamentos teóricos, repensados. O que esse tipo de pesquisa visa é a descoberta de novos conceitos, novas relações, novas formas de entendimento da realidade (ANDRÉ, 2012, p. 30).

A investigação etnográfica requer uma interação presencial com os sujeitos em estudo, durante um período de tempo prolongado, em que o investigador efetua o registro dos dados que ele próprio recolhe durante a pesquisa. Portanto, podemos defini-la como uma investigação presencial, prolongada, descritiva, narrativa e interpretativa. Segundo Fino (2008b):

De facto, a etnografia da educação, sobretudo por recusar qualquer possibilidade de arranjo de natureza experimental, e por, ao invés, estudar os sujeitos nos seus ambientes naturais, pode constituir uma ferramenta poderosíssima para a compreensão desses intensos e complexos diálogos inter-subjectivos que são as práticas pedagógicas (FINO, 2008b, p. 4). Na investigação interpretativa o objetivo de maior relevância é compreender os significados que os sujeitos constroem nas suas atividades e ações situadas num contexto, e em interação com os outros atores sociais. A etnografia enquanto investigação social trata-se de um estudo do comportamento dos indivíduos no seu contexto natural; a recolha de dados é feita primordalmente a partir da observação e da conversação in loco, não recorrendo à execução de um plano estabelecido anteriormente; a centralidade do estudo é um grupo de indivíduos pertencentes a uma cultura específica e a análise dos dados pretende a interpretação do significado das ações dos sujeitos do grupo, assumindo uma estrutura descritiva e interpretativa.

No documento Dissertação de Mestrado FUNCHAL -2016 (páginas 58-62)