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Etnomatemática e Resolução de Problemas: da simbiose a constituição de

1. CAPÍTULO I À GUISA DE INTRODUÇÃO – MINHA PRESENÇA E

1.8. ETNOMATEMÁTICA – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.8.6. Etnomatemática e Resolução de Problemas: da simbiose a constituição de

A consolidação da Educação Matemática como um campo de pesquisa veio a intensificar as discussões relativas ao modo como o conhecimento matemático vem sendo socializado e apreendido pelas novas gerações e as dificuldades que permeiam o processo de ensino e aprendizagem de Matemática.

Conforme Brasil (2006, p.69), a formação matemática ao fim da educação básica, deve instrumentalizar os estudantes para que saibam:

[...] usar a Matemática para resolver problemas práticos do quotidiano; para modelar fenômenos em outras áreas do conhecimento; compreendam que a Matemática é uma ciência com características próprias, que se organiza via teoremas e demonstrações; percebam a Matemática como um conhecimento social e historicamente construído; saibam apreciar a importância da Matemática no desenvolvimento científico e tecnológico.

Nesse sentido, o ensino de matemática na educação básica deve estar direcionado a dois caminhos, a serem tratados de forma indissociáveis, a saber: a utilização da matemática como um modelo de explicação da realidade, isto é, como uma ferramenta para resolução de problemas nas diversas atividades do cotidiano, bem como nas outras áreas do conhecimento; e ainda como uma ciência de características e métodos próprios, que desempenha atualmente um papel fundamental no desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia.

Contudo, ainda se evidencia contemporaneamente a constituição de propostas educacionais centradas estritamente na abstração, formalismo e simbolismo do conhecimento matemático, em detrimento de um trabalho de aplicação e contextualização deste conhecimento ao entorno sociocultural dos estudantes.

Percebe-se que o distanciamento dos conhecimentos matemáticos em relação ao contexto sociocultural traz inúmeras consequências para o processo de ensino e aprendizagem. Daí Domingues (2003) tratando de algumas destas relata que:

[...] para maior parte das crianças, os conceitos vistos na escola são tão distantes das suas vivências, que, por isso, não se sentem motivados em aprender os conteúdos ou, quando os aprendem, é apenas para tirar a nota, nas avaliações, de modo que esse conhecimento será esquecido porque não têm significado para o aluno, porque não tem importância, não tem sentido para ele (DOMINGUES, 2003, p.35).

Além disso, o modo como a Matemática vem sendo ensinada acaba gerando a “matemafobia” – isto é, sentimentos de aversão e medo à Matemática – em alguns estudantes. Para Santos e Silva (2009), este sentimento foi e vem sendo construído a partir da consolidação da Matemática como uma ciência exata e, paralelamente, devido sua

desvinculação de seu contexto sociocultural, político e histórico. A consequência dessa postura foi a perda de um dos significados da Matemática como ciência/linguagem, que consiste em servir como uma ferramenta para interpretação do meio em que vivemos.

Pontes (2009) ressalta que há um “divórcio” entre o conhecimento matemático empregado no contexto escolar e em algumas práticas de profissionais em diferentes contextos socioculturais. Diante disso, a autora recomenda que o ensino de matemática se aproxime do contexto sociocultural dos alunos, devendo para isso utilizar-se de algumas tendências da Educação Matemática que levem em conta questões cotidianas, entre elas a Resolução de Problemas e a Etnomatemática.

No que se refere à Resolução de Problemas, apesar desta tendência ser bastante empregada no ensino de matemática desde a antiguidade, empregá-la como um método de

ensino é, segundo Allevato e Onuchic (2009b), algo bastante recente no âmbito da Educação

Matemática.

O fracasso do movimento modernista e as dificuldades apresentadas na aprendizagem da Matemática pelos alunos das classes menos favorecidas economicamente, desencadearam uma especial atenção por parte dos estudiosos a partir da década de 60 aos aspectos socioculturais da Educação Matemática.

Nos Estados Unidos, durante as décadas de 50 e 60, um grupo de estudiosos já acenava sua crença que o fracasso no ensino da Matemática estava relacionado com a carência cultural dos alunos. Procurava-se buscar na criança, em seus aspectos psicológicos, as razões para o fracasso do ensino. O esforço, na instituição escolar, era a obtenção das explicações socioculturais para justificar a produção do malogro no ensino de Matemática.

Nos anos 70, são realizados no Brasil os primeiros estudos que levavam em consideração os aspectos socioculturais, originando o surgimento de outra tendência no ensino de Matemática: a socioetnocultural. São representantes desta tendência os estudos de Carraher et alii (1988), D’Ambrosio (1998) e Patto (1999) que, no entanto, não reconhecem a carência cultural como limitadora da aprendizagem Matemática.

Considerando esta historicidade, Carraher e associados (1988) apontam que os alunos possuem ótima organização de suas atividades para resolver problemas em situações extraclasse, porém nos exercícios escolares de matemática, as dificuldades são enormes.

Estudos como este, abriram caminho para novas pesquisas que se preocupavam com as diferenças culturais. Tentam explicar que a diferença de classe social não é um complicador no processo de aquisição do conhecimento, nem tão pouco no desenvolvimento das estruturas cognitivas das crianças. O que pode dificultar no aprendizado escolar é o

desenvolvimento das habilidades formais como: a escrita e a representação simbólica. Essas crianças, cuja classe social é considerada baixa, representam um problema para a escola, porque elas trazem conhecimentos matemáticos não formais que os professores não estão preparados para aproveitá-los como ponto de partida no aprendizado formal. Restam-lhes, assim, a discriminação e a rejeição por parte dos professores e colegas de classe.

Nesse caminho, a solidificação da tendência socioetnocultural dependeu de três fatores: os estudos de Paulo Freire, a efervescência das discussões das ideias pedagógicas no período pós-militarismo e o movimento de Educação Matemática.

A tendência socioetnocultural apresenta duas correntes. Uma delas, a mais crítica, Duarte (1995) chama de politicista. Alguns educadores, quando tentam aplicar as idéias de Freire, procuram priorizar discussões e atividades em torno de temas socioeconômicos e políticos, deixando de lado a efetiva preocupação com o ensino dos conceitos e com o desenvolvimento de pensamentos e habilidades matemáticas. Aí ocorrem as críticas à educação bancária, bem como, à valorização do saber popular adquirido pelo aluno e na sua capacidade de produção de conhecimentos sobre a realidade.

Assim, entender matemática implica na compreensão da realidade. Essa compreensão seria uma condição para a transformação da realidade e a liberdade dos oprimidos e marginalizados socioculturalmente.

Dessa forma o aluno teria uma aprendizagem muito mais significativa e efetiva da Matemática por ser levado em consideração o seu modo de pensar e o seu saber produzido no cotidiano. Sendo assim, não há um currículo único e universal, porque depende muito da localização da escola.

A segunda corrente ampara-se na etnomatemática, cujo precursor é o brasileiro Ubiratan D’Ambrosio que, desde a década de 1970, vem teorizando o que mais recentemente chama de “Programa Etnomatemática” (D’AMBROSIO: 1993). Destacam-se ainda, entre outros, os estudos de Ferreira (1990), com grupos indígenas brasileiros; Carraher (1988), com trabalhadores em feiras; Borba (1987), com jogos e brincadeiras de crianças de favelas; Grando (1988), com madeireiros; Knijnik (2006), com os professores de assentamentos de sem terras do Rio Grande Sul, para citar alguns.

Entretanto, a Matemática perde aquela visão de ciência pronta e acabada, isolada do mundo real, como propunha a tendência formalista. Agora ela passa ser vista como um saber prático, relativo, não tão universal - mas dinâmico - produzido histórico-culturalmente nas diferentes práticas sociais.

Mas, afinal, o que vem a ser a etnomatemática? Se considerarmos o sistema educacional como um todo, a Matemática ocupa um lugar de destaque, pois ler, escrever e contar constituem a espinha dorsal de um processo que visa fornecer oportunidades iguais para todos e, ao mesmo tempo, preparar o quadro para o avanço e a melhoria do aspecto socioeconômico e, é claro, político da sociedade. Esta exata visão de formar uma espinha dorsal entre a leitura, a escrita e a contagem, já domina o cenário escolar por muito tempo. A etnomatemática surge com uma proposta de mudar essa postura.

Segundo D’Ambrosio (1998, p.5), a etnomatemática "é um importante programa de pesquisa que caminha junto com a prática escolar”. A palavra etnomatemática sugere uma definição que envolve a beleza da arte ou técnica somada a explicações, conhecimentos e entendimentos, presentes em contextos culturais específicos. Isso exige a análise histórica do desenvolvimento das ideias que levaram à construção daquela especificidade matemática.

Baseando-se em motivações culturais e psicoemocionais, a etnomatemática surge como uma nova maneira de encarar a Matemática, a qual produzirá diferenças na receptividade dos alunos e também das pessoas em geral. Ela vai buscar nos grupos culturais específicos as suas formas de comunicar matematicamente. Essas especificidades são propulsoras de um diálogo horizontal entre professores e alunos, pois estão se referindo a um conhecimento que é corrente no meio social.

Contudo, como um programa pedagógico e de pesquisa, a etnomatemática tem incorporado – nos últimos anos – novos ingredientes para o reconhecimento de novos parâmetros e concepção de conhecimento, visando o desenvolvimento num sentimento de equilíbrio global da natureza: a transdisciplinaridade. Contudo, deve-se ter um pouco de cuidado ao adotar os ideários socioetnoculturais, pois se pode incumbir o erro de restringir os conhecimentos somente às experiências dos alunos, articulada com uma pedagogia romantizada que nega os conhecimentos mais sistematizados da Matemática.

Entretanto, na década de 1980, a resolução de problemas se pedagogiza e ganha fôlego buscando fundamentos nas teorias construtivistas de aprendizagem baseadas em Piaget.

Embora nesse período os problemas matemáticos ganhem o cunho pedagógico, entretanto, eles vêm desafiando os estudiosos desde a Antigüidade. Vale lembrar que existem registros de problemas matemáticos de civilizações antigas como do Egito, da China e da Grécia que ainda são encontrados em diversos livros-texto de Matemática dos séculos XIX e XX. Até pouco tempo, ensinar problemas significava apenas a apresentação de situações para que fossem solucionados, usando técnicas específicas.

Tal percepção é rechaçada pela tendência em Educação Matemática que advoga resolução de problemas como uma forma de aprender os conceitos. Parte do pressuposto de que o desenvolvimento de um conceito por meio de problemas dá subsídios ao aluno para questionar suas próprias respostas e transformá-las em novos problemas. Com isso, ele formará uma concepção de ensino e aprendizagem que se constitui não apenas por reprodução de um conteúdo específico, mas por ações e reflexões que fazem com que o aluno construa o conhecimento.

Entrementes, é preciso, no entanto, que o professor tenha um cuidado ao elaborar e propor a resolução de problemas para serem analisados ou desenvolvidos durante as aulas de Matemática. Muitas vezes, corre-se o risco de não perceber que os alunos usam procedimentos de resolução diferentes daqueles convencionalmente adotados e acaba-se sendo indiferente ou caracterizando-os como raciocínios incorretos. Ou ainda, exigir que alunos de diferentes níveis de desenvolvimento resolvam o mesmo problema.

Pode-se distinguir duas variações da tendência de resolução de problemas. Uma que dá ênfase às questões heurísticas de uma metodologia de busca e verificação da solução, como propõe Polya (1977). O referido autor faz um detalhamento minucioso da “arte de resolver problema”.

Tendo como fundamento às ideias de Polya, Dante (2000) em seu livro “Didática da Resolução de Problemas de Matemática”, diz que o objetivo principal de ensinar Matemática é fazer com que o aluno pense produtivamente. Para isso, nada melhor do que apresentar situações problemas, que os envolvam e os desafiem motivando-os a solucioná-los. É fundamental que seja desenvolvido no aluno a habilidade de elaborar um raciocínio lógico, fazendo também uso inteligente dos recursos disponíveis, para que ele possa propor soluções aos problemas que surgirem no seu próprio dia-a-dia, sejam eles quais forem.

Desse modo, a necessidade de se desenvolver no aluno condições para que aprenda a lidar com qualquer situação que apareça, pode ser satisfeita se houver motivação quanto a: iniciativa, o espírito explorador, a criatividade e a independência. Ainda, segundo Dante, um bom problema, desencadeia no aluno a vontade de pesquisar e faz com que diminua a passividade e o conformismo.

Assim, a outra variação se confunde com a modelagem matemática. Para D’Ambrosio (2000), a alternativa “resolução de problemas” é, na verdade, analisada de uma maneira ampla, combinando o processo modelador com programas que fazem treinamentos usando a criatividade.

Lopes e Mansutti (1994) acreditam que para um bom desenvolvimento da atividade de resolução de problemas, o que merece menor consideração, é saber se o problema é de aplicação ou se é de quebra-cabeça. Eles consideram de suma importância fazer uma análise do potencial do problema. Análise, esta, que se refere às capacidades cognitivas da construção de conceitos e aquisição dos fatos da Matemática.

Os anos oitenta marcam a efervescência das discussões sobre o Ensino da Matemática. A tendência ativa vai tomando novo rumo e adquirindo novas significações e novos sentidos. Novas tendências - além da resolução de problemas - vão se apresentando, trazendo consigo a superação da ideia do aluno como centro do processo ensino-aprendizagem. Emerge a concepção de que, no processo ensino-aprendizagem, alunos e professores interagem pelas mais diversas formas de mediação tendo como elemento fundamental o conhecimento matemático.