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A evacuação e o gerenciamento de tráfego em bacias hidrográficas têm grande importância durante a ocorrência de cheias. Através desses itens, busca-se a liberação das vias para a fuga da população de áreas de risco, para a chegada de equipes de socorro ao local do desastre e para a chegada da população em deslocamento em locais abrigados e de menor risco.

Pode-se definir evacuação como uma resposta a um evento imediato ou previsto, de enchentes no caso, que pode provocar riscos para vidas, saúde ou bem-estar. Ela consiste na movimentação de pessoas de seus lares e locais de trabalho, situados em áreas com risco de cheias, para lugares abrigados, até que seja seguro o seu retorno (LUMBROSO et al., 2008).

O planejamento da evacuação considerado em parte da Europa contempla oito etapas. Elas são o envolvimento das partes interessadas, o planejamento, o preparo pré-enchente, o estágio de emergência de cheia, a evacuação propriamente dita, o abrigo emergencial, o retorno e a avaliação do processo. No estágio de emergência de cheia, existem as etapas de reconhecimento de situação crítica, de avaliação de opções de evacuação e da decisão de agir diante da situação crítica (LUMBROSO et al., 2008; ATKINSON et al., 2006).

Para alguns rios da Inglaterra, Holanda, Alemanha e França, os órgãos técnicos europeus modelaram a evacuação de áreas como ferramenta para tomada de decisão e para planejamento de medidas emergenciais. Um dos motivos que levaram a essa preocupação com planejamento foi o número de vítimas já ocorridas em carros e outros veículos arrastados durante cheias, como na de 2002, do rio Gard, na França (GAUME & BOUVIER, 2004).

Em geral, a experiência que se tem no continente europeu é que processos de evacuação e gerenciamento de transportes em desastres requerem grandes mobilizações institucionais, elevados custos e grandes riscos para as pessoas em deslocamento. Portanto, são processos que devem ser evitados através da prevenção e da informação da comunidade. Senão, devem ser muito bem planejados.

Para a realização da modelagem de procedimentos de evacuação e de gerenciamento de tráfego, são necessárias informações sobre meios e modos de transporte disponíveis, veículos possíveis de serem utilizados, caracterícticas da população e da sua resposta ao evento, métodos possíveis de gerenciamento de tráfego e sobre a distribuição temporal e espacial da enchente, podendo ser incluídas informações sobre profundidades e velocidades da cheia. A seguir são descritas as práticas e políticas adotadas em alguns países europeus, incluindo os resultados de alguns modelos usados no continente, segundo LUMBROSO et al. (2008).

3.4.1 - Caso 1: Inglaterra

Na Inglaterra, uma das medidas para resposta a desastres é o estabelecimento de rotas para ambulâncias e outros veículos. Nesse país, a evacuação é apenas aconselhada, e não ordenada, pois os métodos ainda estão em estágio básico de desenvolvimento. Pode ser recomendada, também, a permanência das pessoas em suas casas ou em locais abrigados. Essa decisão deve ser tomada em consulta a profissionais especializados no assunto, pois a evacuação em locias onde os níveis d’água sobem rapidamente pode ser muito arriscada.

Foram elaborados, para as regiões de Thamesmead e para a Ilha de Canvey, situadas nas margens do rio Tâmisa, modelos para estudo piloto de processos de evacuação e

gerenciamento de tráfego. Esse rio conta com cheias fluviais em combinação com processos hidráulicos decorrentes da elevação do nível do mar, no seu trecho estuarino. Esses processos permitem que os eventos sejam previstos com alguma antecedência, através do acompanhamento da evolução da elevação dos níveis do mar e do rio, além da propagação da onda de cheia. Os modelos fizeram uso de dados do censo de 2001, de número de veículos, de profundidades e velocidades de cheias, da rede de trânsito, entre outros.

Para a região de Thamesmead, foi feita uma simulação da falha dos sistemas de proteção. A partir daí, foi traçada uma mancha da extensão do alagamento. Com ela, foram simulados diversos cenários, considerando a possibilidade de evacuação ou de busca por um abrigo. Chegou-se a conclusão que buscar abrigo em edificações mais altas, onde é possível, é melhor do que se deslocar e se expor ao risco da cheia (LUMBROSO et al., 2008).

3.4.2 - Caso 2: Holanda

Na Holanda, existe uma grande preocupação com as enchentes que podem ser provocadas com a ruptura ou falha nos diques existentes. No país, prefere-se a realização de evacuação preventiva, reduzindo-se o número de possíveis vítimas, porém aumentando o transtorno e o risco político no caso de não ocorrer enchente. Essa política é justificada pelo elevado número de vítimas ocorridas na enchente de 1953, quando a evacuação foi realizada em pequena escala.

Já na inundação de 1995, na Holanda, foi realizada uma evacuação preventiva em larga escala. Ela contou com a melhoria e disseminação dos sistemas de informação e cooperação. A política adotada no sistema implantado (HIS - High-water Information System) contemplava os módulos de quantificação das inundações e da velocidade de elevação de alagamentos, em diversos pôlderes, após rupturas locias em diques. Também usava métodos de avaliação de prejuízos, de vítimas em caso de ruptura de diques e de rotas, de capacidade e de cargas para planejamento de evacuações, contando com um modelo de tráfego para calcular tempos e fluxos de cada rota. Um modelo usado no país é o Calculador de Evacuação, incorporado no HIS.

Além do Calculador de Evacuação (EC), o ESCAPE e o INDY também são modelos usados para simulações de evacuações na Holanda. O EC e o ESCAPE são usados na macroescala e calculam estimativas de tempos de evacuação para grupos de pessoas. No EC, a rede é simplificada por distâncias de deslocamento armazenadas em uma matriz de origem-destino, sendo usada uma velocidade média de deslocamento. No ESCAPE, a rede já é representada através de diferentes capacidades de estradas. Já o INDY é usado na mesoescala e pode modelar diferentes rotas entre origem e destino, além da ocorrência de congestionamento. Nenhum desses modelos considera o comportamento individual de pessoas e, portanto, não podem ser usados na microescala.

Um estudo piloto foi realizado para o rio Schelde, onde os modelos descritos foram usados e comparados. As opções consideradas para as simulações foram as possibilidades das pessoas evacuarem a região, irem para locais seguros ou permanecerem nos andares superiores de seus lares. Em regiões com alta rapidez da elevação da enchente, não é recomendado o deslocamento. Os modelos também podem ser úteis para a determinação de tempos de alarme necessários para que seja possível o posicionamento da população em locais seguros ou para o dimensionamento de abrigos para a população que não teria tempo de se deslocar. Também chegou-se a conclusão de que quanto menores os tempos de tomada de decisão e de organização da evacuação, mais eficiente ela é.

3.4.3 - Caso 3: França

Na França, leis preventivas sobre desastres foram criadas, datadas principalmente de 1982, 1987 e 2003. Nelas, é enfatizada a necessidade de conscientização e compensação da população, de prevenção contra desastres e de disponibilização de informações sobre catástrofes. Em geral, a evacuação não é recomendada na França, exceto como último recurso. Isso devido ao número de vítimas ocorridas na cheia do rio Gard, em 2002, já mencionada. Nessa cheia, muitas pessoas ficaram presas em seus veículos, que foram arrastados pela água. Essa tragédia poderia ter sido evitada com o planejamento adequado e através do bloqueio de vias situadas em áreas de risco. Nessa região, 40% das vítimas de cheias repentinas nos útlimos 50 anos eram motoristas. Além disso, existem diversos registros de veículos de resgate bloqueados em ruas alagadas por essas cheias.

Algumas recomendações a respeito, constantes nos documentos departamentais de Aude, região francesa exposta a cheias, são:

• buscar abrigo é, geralmente, preferível à evacuação; • em caso de evacuação, ir para locais altos ou refúgios;

• não dirigir em enchentes, pois não é possível controlar carros em lâminas d’água entre 30 e 50 cm;

O projeto e o modelo pesquisados, elaborados para a região do rio Gard, tiveram, então, o objetivo de definir especificações de sistemas de alerta voltados para a rede de tráfego e criar um sistema protótipo para a região. O desenvolvimento desse protótipo contou com as fases de identificação do potencial de inundação das vias e de desenvolvimento de modelos chuva-vazão e com a combinação dessas etapas para a criação de uma ferramenta capaz de prever em tempo real a inundação das ruas.

Algumas informações usadas para o desenvolvimento desse modelo foram extraídas do Plano de Intervenção de Crises Hidrológicas. Esse plano contém um inventário de inundações em ruas nos últimos 40 anos. Ele foi desenvolvido por profissionais dos serviços estaduais de manutenção e gerenciamento de estradas e tem o objetivo de agregar a experiência obtida por esses empregados ao gerenciamento de tráfego durante cheias (LIGNON, 2004).

Após o desenvolvimento desse protótipo, foi possível testar na região o uso da avaliação de risco da rede de tráfego baseado na internet. Esse sistema permite que os usuários e governantes simulem bloqueios de ruas, calculem estimativas de tráfego, calculem rotas alternativas, planejem evacuações, entre outros (LUMBROSO et al., 2008).

3.4.4 - Caso 4: Hungria

Na Hungria, a evacuação durante desastres não foi modelada em nenhuma região específica. Porém, planos a respeito e de resgate são elaborados regularmente. Esses planos têm, geralmente, duas etapas. A primeira é a localização da cheia, que trata da

abrangência e locais onde ela pode ser evitada ou adiada. A segunda etapa é formada pelos planos de evacuação e resgate, que trata das pessoas, bens e materiais a serem salvos, incluindo número de pessoas e veículos, rotas disponíveis e meios de transporte possíveis.