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Evolução do Conceito “Paisagem Urbana Histórica”

No documento Arquitetura, património e autenticidade (páginas 137-143)

CAPÍTULO IV – Conceitos

5.1 Enquadramento Internacional

5.1.6 Introdução à Gestão e Conservação dos Centros Históricos e Paisagens

5.1.6.3 Evolução do Conceito “Paisagem Urbana Histórica”

Realizam-se três reuniões de especialistas para discussão desta temática, Jerusalém (junho 2006); S. Petersburgo, Federação Russa (janeiro 2007) e Olinda, Brasil (novembro 2007), complementadas por outras duas reuniões na Sede da UNESCO (setembro 2006 e novembro 2008).

A conclusão destes debates de especialistas, produziram alterações significativas na prática e na Disciplina da Conservação do Património Urbano, sendo as mais representativas as seguintes:

1 - A importância da paisagem, como estratificação da dinâmica urbana passada e atual, na relação do ambiente natural com o ambiente construído.

A ênfase assenta na continuidade dos relacionamentos, valores e gestão.

A adoção de uma abordagem holística para a conservação do património significa um incremento na complexidade dos processos no sentido de identificar e proteger o significado dos valores incluindo os artefactos, sendo a sua compreensão o ponto de partida para uma intervenção equilibrada.

Torna-se deste modo claro que a noção tradicional de conjunto de edifícios, conjuntos históricos ou centros da cidade, identificados anteriormente como entidades autónomas, alheias ao todo global onde se inserem, já não é suficiente para conservar as suas características intrínsecas, contra a fragmentação, degeneração, perda de significado e Autenticidade.

2 - Atualmente o papel da arquitetura

contemporânea parece estar mais

relacionada com a cidade através de estratégias de marketing, do que em criar espaços urbanos.

A arquitetura de autor sobrepõe-se muitas vezes ao projeto urbano integral equilibrado e sustentável do ponto de vista social, económico e cultural.

O surgimento de edifícios considerados ícones da expressão cultural na dinâmica das cidades é preocupante, porque muitos deles são deliberadamente justapostos

com edifícios históricos monumentais, no sentido de atrair para si as atenções e criar com isto uma imagem de pretenso progresso.

Charles Jenks, assinala que a emergente arquitetura icónica “o seu significado vazio e a sua aparência apenas tem significado para os media”. 54

Políticos, investidores e administradores que consideram este tipo de arquitetura o perfeito substituto dos estilos do passado, esquecem-se que a exceção à regra se torna regra, trazendo esta decisão sérias consequências para o funcionamento da cidade nomeadamente ao nível social e cultural, e aos valores de autenticidade do edificado histórico, bem como à circulação.

Charles Jenks afirma ainda que uma cidade sustentável e equilibrada se realiza e evolui quando existem códigos para os edifícios, e quando os mesmos são respeitados, outro fator importante a observar na vida das cidades, é o designado decoro urbano consubstanciado na partilha de ruas e transportes coletivos, necessários para o efetivo funcionamento das cidades. 55

Respeito e coerência nas intervenções a realizar na cidade antiga herdada, tem mais significado do que simplesmente nostalgia, e assegura que os monumentos, conjuntos históricos ou bairros “trabalhem”, e continuem a trabalhar como um todo, mantendo-se também a autenticidade e integridade dos mesmos, não esquecendo um elemento fundamental que é a população residente.

3 - A economia e alteração de regras da cidade têm enfâse em processos extra locais, tais como turismo e desenvolvimento urbano, com autores de mudança, exteriores ao local.

Como motor do desenvolvimento e crescimento regional, as cidades precisam de captar capital internacional convidando as multinacionais a instalarem-se nos seus territórios.

Acontece que estas empresas não têm conhecimento nem preocupação quanto aos valores das sociedades onde se instalam.

54

Jencks, Charles. The Iconic Building – The Power of Enigma. Frances Lincoln Ltd. London. 2005. pág. 68.

55

No processo de negociação há uma forte necessidade de clarificar e apresentar condições internacionalmente aceites no sentido de se minorar os impactes na envolvente histórica.

De acordo com as recomendações

resultantes das reuniões regionais, as

seguintes são particularmente importantes.

a) Reunião de Jerusalém, Israel, recomenda (junho 2006):

- O processo de mapa cultural é uma ferramenta para a identificação do “genius locci” das áreas históricas na sua implantação.

- Realçar os impactes cobrindo não só os aspetos ambientais, mas também aspetos visuais, culturais e sociais.

b) Reunião de S. Petersburgo, Federação Russa (janeiro 2007 / julho 2012), enfatiza a necessidade de:

- Maior reflexão na ligação entre paisagem cultural. Conforme definida no Guia Operacional, “Orientações Técnicas para Aplicação da Convenção do Património Mundial” e paisagem histórica.

- Uma abordagem integrada no planeamento urbano e na conservação do património que satisfaça o desenvolvimento urbano e o investimento, em grande aceleração neste momento na Europa Central e Este.

c) Reunião de Olinda, Brasil (novembro 2007), a discussão centrou-se em: - A internacionalização e entendimento das cidades históricas através da

revisão do Guia Operacional, incluindo a noção do Sítio “Site” como categoria adicional para nomeação das cidades históricas, o que vinha facilitar uma abordagem holística para a conservação do Património quando comparada atualmente com “grupo de edifícios”.

Fig. 72 – Edifício Eden Lisboa

- Investigação e desenvolvimento de um conjunto de ferramentas para a conservação urbana.

- Resposta a divergências sociais e sustentabilidade ambiental em áreas urbanas, particularmente em relação ao contexto Latino Americano. 4 - Proposta de novo modelo de gestão das cidades históricas

Face ao descrito anteriormente, nomeadamente quanto à escolha das recomendações para o futuro, percebe-se já o nascimento de um novo paradigma na conservação das cidades históricas.

Lentamente avançamos do séc. XIX para o séc. XX, e modificamos os conceitos, da abordagem estática da preservação, dos movimentos (uma postura de não danificar), enquanto se honra a influência do património no pensamento da conservação urbana, no sentido da execução de processos mais dinâmicos em que a salvaguarda do significado cultural tenha um papel importante.

O significado cultural define-se como “valor estético, histórico, social ou espiritual do passado, do presente ou de futuras gerações.

É sinónimo com significado e valor do património cultural, que pode ser alterado em resultado da continuidade

histórica do local, enquanto o

entendimento do significado cultural se

altera em resultado de nova

informação”. 56

Significa que os artefactos e os espaços através dos sensores, são portadores de qualidades e valores, sendo necessário defini-los e ser redefinidos por cada geração, de forma a encontrar as intervenções sustentáveis de conservação e eventualmente enaltecer os seus valores de autenticidade por parte de grupos específicos, comunidades ou sociedades.

Susan Macdonald, refere que os “Guias Operativos” Orientações Técnicas para Aplicação da Convenção do Património Mundial ajudam a encontrar certezas. […] Os locais onde exista o entendimento comum acerca dos mesmos locais,

56

Artigo 1 da Carta Burra, do ICOMOS Austrália. Fig. 73 – Praça dos Restauradores Lisboa

normalmente são os que têm os melhores sistemas ativos de partilha e retenção

desse valor e que gerem com maior sucesso as alterações introduzidas.57

Na sequência destes trabalhos o Comité do Património Mundial na sua 32ª sessão na cidade de Quebec, Canadá, 2008 (Decisão 32 COM 7.2), assim como a Assembleia Geral dos Estados Parte da Convenção do Património Mundial (Resolução 16 GA 11), expressam o seu apoio à abordagem da Paisagem Urbana Histórica.

A Decisão 32 COM 7.2, propõe a revisão das secções relevantes do “Guia Operacional” Orientações Técnicas para Aplicação da Convenção do Património Mundial com uma visão abrangente das categorias sob as quais as cidades históricas podem ser inscritas, facilitando desta forma uma melhor abordagem holística de gestão da cidade histórica a decorrer.

É igualmente reiterado pela Decisão 29 COM 5 D a Recomendação para que a Conferência Geral da UNESCO, regulamente a Conservação da Paisagem Urbana Histórica a nível Internacional na forma de uma nova Recomendação da UNESCO.

O Memorando de Viena, define Paisagem Urbana Histórica como um conjunto de edifícios, estruturas e espaços abertos, integrados no seu contexto natural e ecológico, incluindo sítios arqueológicos ou paleontológicos, determinados através de vestígios de povoamentos em ambientes urbanos por importantes períodos de tempo. 58

A definição seguinte é que constitui o ponto central do debate, saído do Encontro de Especialistas em Planeamento, tendo decorrido em novembro 2008, na sede da UNESCO.

Este encontro define então a Paisagem Urbana Histórica como sendo um estado de espírito, um sentimento de compreensão do espaço urbano global que é a cidade.

Podemos ainda considerar que é o resultado de um processo natural, cultural e sócio-económico, responsável pela sua construção.

57

Macdonald, S. “The Real Thing: Authenticity. Heritage Significance & Conservation”. in : The Double Dimension: Heritage and Innovation. The Royal Australian Institute of Architects. August 2004. pág. 37.

58

UNESCO-Viena Memorandum of World Heritage and Comtemporary Architecture-Managing theHistoric Urban Landscape.World Heritage Centre.Paris. 20 de maio de 2005.

Fig. 74 – Praça de S. Marcos Veneza – Itália Sítio Histórico

O significado deste processo evolutivo tem a ver naturalmente com a relação dos edifícios e os espaços, bem como com os rituais e valores que as pessoas transmitem às cidades, e que as definem culturalmente e sociologicamente. Esta conceptualização caracteriza-se pelos níveis dos significados simbólicos, património imaterial, perceção de valores e as interrelações entre os elementos que compõem a paisagem urbana histórica nomeadamente o fator humano bem como o conhecimento do sítio, incluindo-se práticas construtivas e gestão de recursos naturais.

Efetivamente a importância deste conceito, assenta na aceitação da mudança/alteração como fundamento inerente à condição urbana.

Este é por ventura o maior passo no progresso da disciplina específica da conservação urbana, uma vez que será muito difícil, algumas comunidades aceitarem alterações aos seus monumentos e sítios por considerarem os mesmos inalteráveis, perdendo desta forma a sua Autenticidade e integridade, ou por outro lado seja possível chegar a um consenso onde se avalie até que ponto são permitidas as alterações sem com isso se perder o seu valor de Autenticidade. Como Roberts Sykes, as cidades têm de ser

consideradas portadoras de valores mais elevados do que aos atribuídos aos seus edifícios e lugares onde as pessoas apenas sobrevivem.

As cidades têm de ser entendidas como espaços de atividades sociais e económicas onde as mais distintas relações criam novas iniciativas, novas ideias e energias, socialmente estimulantes.

Neste sentido, as cidades ideais têm de ser concebidas

e realizadas como espaços atrativos onde as pessoas queiram e desejem viver e trabalhar, onde sintam prazer no relacionamento humano e cultural. 59

Em abril 2009 o Conselho Executivo da UNESCO decidiu recomendar à Conferência Geral da UNESCO a realização de uma reunião em outubro do mesmo ano, para adotar a Resolução do pedido de desenvolvimento de uma nova Recomendação para a Conservação da Paisagem Urbana Histórica.

59

De referir que a proposta de novos critérios não devem ser de aplicação exclusiva nas cidades Património Mundial, mas abrangendo igualmente todas as cidades históricas.

No documento Arquitetura, património e autenticidade (páginas 137-143)