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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 47

CAPÍTULO II – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO

2.1.   EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 47

Como já analisada sucintamente no Capítulo I, item 1, e aqui reiterada propositadamente, a responsabilidade civil consiste na obrigação de se reparar um dano causado a alguém, por uma ação ou omissão culposa ou dolosa. É uma espécie de garantia, asseguramento, assumindo o pagamento da obrigação e do ato praticado, ou seja, “gera qualidade de ser responsável, condição de responder, pode ser empregado no sentido de obrigação, encargo, dever, imposição de alguma coisa”1.

Em termos práticos, é a obrigatoriedade de ressarcimento ou reparação pelo culpado direto ou indireto do dano causado, ou seja, pelo responsável pela ação ou omissão danosa ou lesiva ao patrimônio por elas afetado. Responsável, em termos patrimoniais, será o homem ou a entidade por ele criada para agir2.

Responsabilidade é o princípio informador de toda a teoria da responsabilidade: aquele que impõe “a quem causa dano o dever de reparar” 3.

Enfim, responsabilidade civil significa o dever de reparar o dano.

A responsabilidade civil envolve, antes de tudo, o dano, o prejuízo, o desfalque, o desequilíbrio ou a descompensação do patrimônio de alguém4, e decorre da ação ou omissão

humana, dolosa ou culposa, cuja consequência seja a produção de um prejuízo.

Tem ela nítido caráter patrimonial e decorre da disposição geral contida no Código Civil, no sentido de que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano5.

1FREITAS, Sérgio Henrique Zandona. Responsabilidade civil do Estado por ato administrativo. In: MOTTA,

Carlos Pinto Coelho (Coord.). Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 330.

2ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 766.

3RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1979, v. 5. n. 7, p. 302-

303, pg. 49.

Rui Stoco observa que, com a redação do Código Civil de 2002, em seu art. 186, o legislador corrigiu o erro antes apontado e identificado no art. 159 do Código Civil de 1916. Mas cometeu outro erro ainda mais grave.

É que a só violação do direito já caracteriza o ato ilícito, independentemente de ter ocorrido dano. Ou seja, o ato ilícito é aquele praticado com infração de um dever legal ou contratual.

Violar direito é cometer ato ilícito. A ilicitude está na transgressão da norma. Contudo, o dispositivo diz que só comete ato ilícito quem viola direito e causa dano. O equívoco é manifesto, pois, como afirmado anteriormente, pode-se praticar um ato ilícito sem repercussão indenizatória, caso não se verifique, como consequência, a ocorrência de um dano6. A responsabilidade civil implica, portanto, reparação, ressarcimento, indenização7.

Celso Antônio Bandeira de Mello8, referindo-se à doutrina italiana, diz que há diferença entre indenização e ressarcimento, afirmando que não há falar em responsabilidade propriamente dita quando o Estado debilita, enfraquece, sacrifica um direito de outrem, ao exercitar um poder que a ordem jurídica lhe confere, autorizando-o a praticar um ato cujo

conteúdo jurídico intrínseco consiste precisa e exatamente em ingressar na esfera alheia para

incidir sobre o direito de alguém, sendo a desapropriação um exemplo típico dessa situação. Para essas hipóteses, a doutrina italiana reserva a palavra indenização, fazendo uso do termo

ressarcimento para os casos de responsabilidade. Refere-se a esses direitos minimizados por

uma ação estatal autorizada por lei, isto é, direitos enfraquecidos ou direitos que enfraquecem – que se debilitam.

5O art. 159 do Código Civil de 1916, hoje art. 186, do Código Civil de 2002 (“Aquele que, por ação ou omissão

voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”). E o art. 927 completa a regra dos arts. 186 e 187 do CC de 2002, dispondo que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a reparar”.

6STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 123-124.

7GARCIA, Mônica Nicida. Responsabilidade do agente público. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2004. p. 192. 8 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

O mesmo autor termina dizendo que não acolhe a distinção terminológica entre as palavras indenização e ressarcimento, mas acolhe, por sua indiscutível procedência, o discrímen entre o sacrifício de direito e a responsabilidade do Estado9.

É, pois, a reparação ou ressarcimento do dano o pagamento de uma indenização, o que se obtém ou se procura obter quando se invoca a incidência da esfera de responsabilidade civil. Trata-se de responsabilidade patrimonial. Quando se fala em responsabilidade civil, portanto, não se fala em aplicação de sanção ou penalidade. A reparação do dano, efetivamente, não pode ser tida como sanção10.

Segundo Mário Masagão, “a responsabilidade civil decorre de ação ou omissão, dolosa ou culposa, imputável ao funcionário nessa qualidade, e que cause dano a outrem. Ela consiste na contingência de restituir a vítima ao estado anterior à lesão, e pagar os prejuízos que tenha sofrido”11.

Edmir Netto de Araújo anota que a conotação da palavra responsabilidade é sempre estabelecida com a ideia de imputabilidade a alguém, relativamente ao desequilíbrio que esse alguém causou na ordem regular e natural das coisas.

A responsabilidade civil ou patrimonial (em oposição à responsabilidade penal), que é de ordem pessoal, resume-se na obrigatoriedade de ressarcimento ou reparação do dano pelo causador do prejuízo, direto ou indireto, ou seja, o responsável pela ação ou omissão danosa ou lesiva ao patrimônio atingido12.

Diz José de Aguiar Dias, que, para conforto, porém, dos que enfrentam a questão, velha controvérsia já se pode dar por finda. Nenhuma dúvida mais subsiste no tocante à rejeição da irresponsabilidade absoluta do Estado. Isso é particularmente válido no direito brasileiro, em que pese a certas bem-intencionadas, mas mal informadas autoridades, pelo erro de visão de considerar que toda ação contra o Estado é um assalto aos cofres públicos,

9MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

p.968-969.

10GARCIA, Mônica Nicida. Responsabilidade do agente público. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2004. p. 194. 11MASAGÃO, Mário. Curso de direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1977. p.

240.

12ARAÚJO, Edmir Netto de. Responsabilidade do Estado por ato jurisdicional. São Paulo: Ed. Revista dos

num verdadeiro abuso de generalização13. O mesmo autor lembra oportunamente as palavras de Rui Barbosa, quando este consagrado jurista demonstrou que a tese da irresponsabilidade jamais logrou entrada na jurisprudência brasileira14.

Em uma sinopse histórica da evolução do tema relativo à responsabilidade civil do Estado, pode-se dizer modernamente – com Mário Guimarães – que “a responsabilidade do Estado pelos atos de seus representantes é hoje ponto axiomático; nenhum escritor autorizado a contesta”15.

Para Augusto de Amaral Dergint, até adquirir seus contornos atuais, a responsabilidade civil do Estado passou por um processo de evolução que, segundo Louis Trotabas, “perpetrou-se sobretudo como exigência de justiça social”16, podendo ser identificadas, nesse processo, três etapas distintas: a fase da irresponsabilidade; a fase civilística; e a fase do Direito Público.

Em linhas gerais, observa-se, ao longo dessas fases, que a ideia inicial era a da completa irresponsabilidade do Estado; a teoria, contudo, tendo-se tornado insuficiente para atender aos reclamos de justiça, foi superada por outras, ditas civilistas, de inspiração no individualismo liberal do século XIX, cuja ideia central consistia no transporte, para a seara da responsabilidade do Poder Público, de preceitos que norteiam no Direito Privado, notadamente a noção de culpa, representando, assim, uma reação à irresponsabilidade do

Estado 17.

Não se mostra, porém, dispensável uma análise sinóptica da evolução do instituto, nos limites do necessário à compreensão da responsabilidade civil do Estado em sua conformação atual18.

13 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil do Estado. XI. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 773. 14 Id., Ibid., p. 773.

15GUIMARÃES, Mário. Estudos de direito civil. São Paulo: Martins Fontes, 1947. p. 219.

16 TROTABAS, Louis. La responsabilité de l’Etat em droit interne e le respect de la propriété privée. In: Introduction à l’étude Du Droit Comparé. Darmstadt, Detlev Auvermann, 1973, v. 3, PP. 46-53 (Recueil

d’études Edouard Lamberty).

17 DERGINT, Augusto do Amaral. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1994. p. 35-36.

Convém lembrar, de início, que o grande desenvolvimento da responsabilidade civil do Estado proveio do Direito francês e através da construção pretoriana do Conselho de Estado.

Nenhuma dúvida mais subsiste no tocante à rejeição da irresponsabilidade absoluta do Estado. A irresponsabilidade do Estado, é possível dizê-lo com absoluta segurança, é doutrina destinada a desaparecer 19.