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RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO 34

CAPÍTULO I – NOTAS INTRODUTÓRIAS 17

1.4.   RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO 34

Conforme oportuna observação de José de Aguiar Dias, antes de adentrarmos no tema, é preciso esclarecer o que seja “responsabilidade extracontratual” no direito brasileiro, que se assenta, pela doutrina pacífica, no princípio da culpa, reiterado, neste passo, o direito anterior à codificação. Os princípios fundamentais estão condensados nos artigos 186 e 188 do Código Civil. A noção do ato ilícito consagrada, em nosso Código, como fundamento da responsabilidade contratual e extracontratual, corresponde à tão discutida faute, do art. 1.382 do Código Civil francês. Bem entendido: na sua acepção de erro ou, se quiserem admitir a tradução menos correta e mais próxima, de falta e não no sentido de culpa, que é o estado moral de quem pratica o ato ilícito. Essa observação, assim cremos, desfaz a confusão, real ou suposta, entre a culpa e o ato ilícito, atribuída a alguns autores61.

Dentro da órbita da responsabilidade civil, destaca-se o interesse na distinção entre a responsabilidade civil contratual e a extracontratual.

60 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. XI. ed. Rio de Janeiro:Renovar, 2006. p. 882-883.

61 Id., Ibid., p. 561-562. Nota do autor: A má tradução do francês faute não é privilégio nosso. Está largamente

difundida por outras terras, como repercussão fatal da confusão observada no próprio direito francês, dada a ambiguidade da expressão. No México, por exemplo, o fenômeno já foi assinalado: “Culpa e falta são, em nosso idioma, completamente distintas, e mais se tornam quando se fala em linguagem jurídica. A falta é o ato em si, desobediência a um regulamento, a uma ordem, a um princípio moral. A culpa é elemento subjetivo que pode acompanhar a falta, mas que é muito diverso dela. Só em termos teológicos se pode falar em culpa como sinônimo de pecado, mas o que ocorre nesse terreno não é admissível em nosso direito” (DEL CASTILLO, Antônio Fernandes, catedrático da Escola Livre de Direito do México, conferência na revista Jus, t. 5º, nº 28, p. 479).

A responsabilidade extracontratual é o comportamento estatal que pode causar dano ao patrimônio ou ao indivíduo. Nesse caso, é necessário reparar os danos patrimoniais que a vítima vier a sofrer, pois essa responsabilidade não decorre de contrato, nem de lei, mas da responsabilidade patrimonial, atribuída ao Estado62. E, por ser meramente patrimonial, independe da responsabilidade administrativa ou criminal; pode, todavia, com elas coexistir, sem com elas se confundir63.

Descumprindo-se cláusulas contratuais, há a responsabilidade obrigacional, e, quando há descumprimento de regras gerais, extracontratuais, que deveriam ter sido observadas, surge a responsabilidade civil extracontratual do Estado, conforme se disse em linhas atrás.

Diogenes Gasparini observa que

o descumprimento unilateral comissivo ou omissivo do Estado, legítimo ou ilegítimo, material ou jurídico, pode causar dano à pessoa ou ao seu patrimônio. Em razão disso, cabe perguntar: O Estado tem que recompor, integralmente, os gravames de ordem patrimonial infligidos à vítima de sua ação ou abstenção lesiva? Na obrigatoriedade, ou não, de restaurar o patrimônio ofendido reside o problema da responsabilidade civil do Estado. Não se trata de responsabilidade oriunda de ajustes celebrados pela Administração Pública com terceiros, denominada responsabilidade

contratual (nesta, a responsabilidade está fixada e se resolve com base nas

cláusulas do contrato) ou de responsabilidade criminal (as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, não cometem contravenções ou crimes, embora seus agentes, causadores diretos do dano, possam cometê-los). Também não diz respeito à obrigação de indenizar, que cabe ao Estado pelo legítimo exercício de poderes contra direito de terceiros, como ocorre na desapropriação e, algumas vezes, na servidão. Cuida-se, isto sim, da responsabilidade

patrimonial do Estado, responsabilidade extracontratual do Estado ou responsabilidade civil do Estado, em face de comportamentos unilaterais,

comissivos ou omissivos, legais ou ilegais, materiais ou jurídicos, que lhe são atribuídos64.

O princípio da responsabilidade extracontratual ou civil objetiva do Estado, por atos lesivos praticados por seus agentes, entre outros relevantes princípios, apresenta-se como

62GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 895.

63FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de direito administrativo positivo. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 491. 64Op.cit., p. 895.

um dos pilares decisivos também do Estado Democrático de Direito, em razão das características próprias intervencionistas da atual ação estatal65.

Celso Antônio Bandeira de Mello diz que se entende por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos. É importante esclarecer que o problema da responsabilidade do Estado não pode nem deve ser confundido com a obrigação, a cargo do Poder Público, de indenizar os particulares naqueles casos em que a ordem jurídica lhe confere o poder de investir diretamente contra o direito de terceiros, sacrificando certos interesses privados e convertendo-os em sua correspondente expressão patrimonial. A desapropriação é um exemplo típico dessa situação66.

Segundo Aparecida Vendramel,

os princípios fundamentais do instituto da responsabilidade foram primeiramente elaborados pelo direito privado, razão pela qual, no início, houve uma tendência em chamar-se esse dever de indenizar, imputável ao Estado, de ‘responsabilidade civil do Estado’. Embora para muitos publicistas persista essa denominação, firmamos corrente com os que utilizam a expressão ‘responsabilidade extracontratual do Estado’, não só para afastá-la do conceito privatista, uma vez que também abriga a responsabilidade extracontratual, mas para delimitar sua abrangência, vale dizer, para enfocar a responsabilidade estatal desvinculada da responsabilidade contratual67.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro,

a referência à responsabilidade extracontratual é necessária para restringir o tema tratado neste capítulo a essa modalidade de responsabilidade civil, ficando excluída a responsabilidade contratual, que se rege por princípios próprios, analisados no capítulo referente aos contratos administrativos68.

Edmir Netto de Araújo anota que

65BÜHRING, Márcia Andréa. Responsabilidade civil extracontratual do Estado. São Paulo: Thomson-IOB,

2004. p. 80.

66MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 24ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007. p.

967-968.

67VENDRAMEL, Aparecida. Responsabilidade extracontratual do Estado. São Paulo: Themis, 2000. p. 23-24. 68DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 642.

este tipo de responsabilidade civil do Estado por atos danosos, que não exige (ao contrário da responsabilidade patrimonial privada) a ocorrência de atos jurídicos ou materiais ilícitos, apenas o dano e sua referibilidade ao Poder Público, é o que se denomina, na doutrina e na jurisprudência, como

responsabilidade extracontratual do Estado, configurada pela obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos e, portanto, ao Estado69.

Para José Cretella Júnior, a responsabilidade extracontratual, responsabilidade fora do contrato ou responsabilidade aquiliana é, regra geral, direta, o quer dizer que a Administração responde, por fato próprio, pelas atividades não só lícitas e legítimas, como também pelas ilegítimas e ilícitas geradas por seus órgãos, visto que o entes públicos, em geral, só podem querer agir por meio das pessoas físicas prepostas aos cargos, de tal modo que a vontade e a ação dos órgãos é vontade e ação daqueles entes, numa verdadeira relação de irmanação ou identificação orgânica70.

Somente a responsabilidade dita extracontratual está sendo cogitada nesta tese, dela excluídas, portanto, questões e problemas relacionados com os prejuízos decorrentes do inadimplemento das obrigações contratuais contraídas pelo Estado, objeto da chamada responsabilidade contratual, que se rege por princípios outros, no âmbito próprio do regime dos contratos administrativos71.

Rogério Marrone de Castro Sampaio observa que, tratando-se de responsabilidade civil, parte-se sempre da ideia de se impor a alguém a obrigação de reparar os prejuízos causados a outrem, em razão de determinado comportamento. É exatamente por isso que alguns doutrinadores resistem à ideia de distinguir a responsabilidade contratual da extracontratual. Para eles, entre os quais se destaca Planiol, tal distinção não se justifica na medida em que, qualquer que seja a espécie de responsabilidade civil, são sempre os mesmos pressupostos ensejadores do dever de indenização: o dano, o ato ilícito (comportamento humano) e o nexo de causalidade72.

69ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 790 (grifos do

autor).

70 CRETELLA JÚNIOR, José. O Estado e a obrigação de indenizar. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002 .p. 24. 71DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional. Belo Horizonte:

Del Rey, 2004. p. 19.

Para Silvio de Salvo Venosa, a grande questão nessa matéria é saber se o ato danoso ocorreu em razão de uma obrigação preexistente, contrato ou negócio jurídico unilateral. Enfatizamos anteriormente que nem sempre resta muito clara a existência de um contrato ou de um negócio, porque tanto a responsabilidade contratual como a extracontratual com frequência se interpenetram e ontologicamente não são distintas: quem transgride um dever de conduta, com ou sem negócio jurídico, pode ser obrigado a ressarcir o dano. O dever violado será o ponto de partida, não importando se dentro ou fora de uma relação contratual. Contudo, advertimos que, quando em doutrina é feita referência singela à responsabilidade civil, devemos entender que se trata de responsabilidade extracontratual. No Código Civil, muitos dos temas tratados quanto à forma de indenização referem-se à responsabilidade contratual ou negocial73.