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Evolução histórica dos agrotóxicos, seus componentes e produtos afins

3 A PROTEÇÃO DO AMBIENTE PELO DIREITO BRASILEIRO: O CASO

3.4 Evolução histórica dos agrotóxicos, seus componentes e produtos afins

Desde 1921 são editados textos jurídicos visando regular o uso de produtos químicos. Inicialmente, com o objetivo de desinfetar a propriedade de determinada praga, eram chamados de produtos saneadores. Essa concepção persiste até os anos 60.

No Regulamento de Defesa Sanitária Vegetal, do então Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, no capítulo IV – Do trânsito de plantas vivas e das medidas de combate das doenças e pragas – artigo 58, menciona-se "inseticidas e fungicidas, produtos para uso exclusivo no combate à praga ou doença pela associação dentro da área para cuja defesa ela se constitui" (aprovado e regulamentado pelo Decreto Federal nº 15.198 de 21/12/21). Pela leitura do decreto pode-se observar que no combate às doenças utilizava-se técnicas de isolamento da região infestada e destruição dos vegetais, com pouca utilização de produtos químicos (TOMITA, 2005, p 3).

Portanto, nesse período não havia preocupação com seu efeito deletério ao meio ambiente. Usado de acordo com a necessidade. Pode-se considerar esta como a primeira fase. Em 1934, o Governo Provisório da República, na Era Vargas17, expediu a primeira lei federal sobre substâncias químicas, o Decreto nº 24.114 de 12 de abril de 193418, que aprovou o novo Regulamento de Defesa Sanitária Vegetal do Ministério da Agricultura, conduzido por Juarez Távora19. Outros Decretos e respectivas portarias regulamentadoras sucederam disciplinando a matéria e suprindo a falta de vigência de lei específica, mas o Decreto Federal nº 24.114/34 vigorou até 1989, quando foi aprovada a Lei Federal nº 7.802 que dispõe especificamente sobre agrotóxicos. (SILVA, Américo, 2005, p.304).

Ocorre que nesse período, o planeta passou por grandes transformações econômicas. O advento da agricultura encontrou solo e clima propícios na América, possibilitando grande produtividade, que era exportada para a Europa. Na medida em que as áreas agrícolas aumentavam, também crescia a oferta, motivando a queda nos preços. A primeira e segunda guerras mundiais demandaram grande quantidade de alimentos. Neste cenário, alguns cereais 17 WIKIPÉDIA, 2015. 18 BRASIL, 1934. 19 WIKIPÉDIA, 2015.

começam a se destacar. Com isso os agricultores abandonam a policultura para dedicar-se, especificamente àquele que auferisse mais vantagens. Fortaleceu-se o capitalismo nos países que possuíam reserva de grãos, principalmente os Estados Unidos, que passaram a defender uma idéia intervencionista do Estado para garantir o preço para os agricultores e garantir o seu poder econômico. Dessa forma, a partir da metade do século 20, se instaura a denominada “revolução verde” ou a segunda revolução agrícola, a qual

[...] foi incorporando as novas técnicas de produção, a motorização, a mecanização, o uso de produtos químicos, etc. Tais técnicas aperfeiçoadas permitiam o tratamento dos solos, de forma adequada a cada produto, e a utilização de máquinas movidas a motor de combustão, que realizavam o trabalho em menor tempo e com o emprego de menos mão-de-obra (BRUM, 2009, p. 13).

No Brasil, essa transformação foi intensificada a partir de 1960. Segundo os professores Argemiro J. Brum e Vera Lúcia Trennepohl (2005, p. 7-8), as sociedades brasileiras, historicamente construídas para sustentar interesses e necessidades alheias, estruturadas numa economia produtora da matéria prima e gêneros alimentícios para exportação e importação de produtos industrializados passou a interessar ao mercado internacional. Dessa forma, aproveitando a meta do presidente Juscelino Kubitschek, “50 anos em 5 anos”, o país acolheu corporações internacionais que promoveram a industrialização.

Nessa época, se estabeleceram grandes grupos econômicos, que emprestavam dinheiro aos governos para investir na modernização da agricultura, fomentando créditos para aquisição de insumos e maquinários produzidos nas indústrias pertencentes aos próprios financiadores. Esses mesmos conglomerados também detinham o controle do comércio internacional de grãos.

Concomitantemente, a partir de meados da década de 1960, começam a se evidenciar preocupações com o uso de agrotóxicos, porém desconsideradas pelas autoridades governamentais, para quem as prioridades eram a implementação da produção agrícola e promoção do desenvolvimento urbano-industrial no país. Com essa finalidade, o “pacote tecnológico para a agricultura denominado revolução verde", desenvolveu-se até o início dos anos 80. Esse período compreende a 2ª fase, quando o veneno era denominado defensivo agrícola. A partir dos anos 80, início da 3ª fase dos agroquímicos, generalizou-se a preocupação com seus efeitos sobre a saúde humana e o meio ambiente, passando à

denominação de „agrotóxico, gerando pressão social para edição de leis que dispusessem de forma mais rigorosa sobre o tema (TOMITA, 2005, p. 3).

Outras regulamentações emitidas pela Divisão de Defesa Sanitária Vegetal como as portarias nº 357 (de 14/10/71) e nº 393 (de 05/10/72), proibiam o uso de organoclorados em pastagens e na cultura do fumo, respectivamente. Foram providências cabíveis e de grande importância, dada a persistência duradoura e residual dessa classe de compostos no ambiente.

A Portaria nº 326, de 16/08/74 proibiu o uso de 2,4,5 T (ácido 2,4,5 - triclorofenoxiacético) em florestas e nas margens de rios, lagos, açudes, poços e mananciais. E a Portaria nº 002 em 06/01/75, desautorizava o uso de defensivos agrícolas que contivessem na sua formulação compostos de metil-mercúrio, etilmercúrio e outros alquil-mercúrio.

Em 1970, o Decreto Federal nº 67.112, controlava as indústrias de pesticidas, autorizando funcionamento para aquelas aprovadas pelo Ministério da Saúde, no caso de produtos domissanitários, ou licenciadas pelo Ministério da Agricultura, para indústrias de produtos fitossaneantes ou zoossaneantes, sendo que esta anuência deveria ser renovada anualmente (art. 12º) sob pena de interdição do estabelecimento (art. 15º). (TOMITA, 2005).

A Portaria nº 429 de 14/10/74 ordenou a prestação de serviços fitossanitários por empresas especializadas, no território nacional, atribuindo sua fiscalização aos órgãos estaduais de Defesa Sanitária Vegetal do Ministério da Agricultura que poderiam transferir essa incumbência para as Secretarias de Agricultura dos Estados, através de convênio (art.5º).

Para padronizar a rotulagem e embalagem dos agrotóxicos, foi publicada a Portaria Interministerial nº 220, de 14/03/79, do Ministério da Agricultura e da Saúde. Portanto, a rotulagem deveria conter a orientação de forma segura através da visualização de seu grau de toxidez, na seguinte forma:

• Classe I: produto altamente tóxico, apresentando tarjeta na cor vermelha; • Classe II: produto medianamente tóxico, apresentando tarjeta na cor amarela; • Classe III: produto pouco tóxico, apresentando tarjeta na cor azul;

• Classe IV: produto praticamente não-tóxico, apresentando tarjeta na cor verde (SILVA; CAMPOS; BOHM, 2013, p. 50).

Em 1980, as portarias nº 04 e 05 da Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Produtos Saneantes Domissanitários (DISAD), regraram a classificação toxicológica quanto aos efeitos sobre o meio ambiente, bem como disciplinar os requisitos “para a posição de dizeres de caráter sanitário nos respectivos rótulos, decorrentes dessa classificação toxicológica", fixando informações e expressões padronizadas que passaram a constar nos relatórios e rótulos dos defensivos agrícolas informando quanto aos perigos para a saúde humana; “riscos ao meio ambiente e advertência ao manuseio e aplicação específica para cada produto" (TOMITA, 2005, p. 4).

A Portaria nº 007, do Ministério da agricultura, em 1981, implantou o receituário agronômico:

(...) no sentido de controlar a venda de produtos, inclusive para "formulações com características altamente poluentes e que não tenham sido classificadas como altamente tóxicas e medianamente tóxicas". Em função desta Portaria, em 23/01/81 o Secretário de Defesa Sanitária Vegetal publicou a Portaria nº 01 instituindo o cadastro obrigatório dos varejistas, revendedores, distribuidores, cooperativas e outras entidades que transacionassem defensivos agrícolas diretamente com usuários, junto às Delegacias Federais de Agricultura (DFA), estabelecendo assim uma fiscalização efetiva sobre o comércio de defensivos sujeitos à venda controlada ou restrita (TOMITA, 2005, p.4).

Cabe ressaltar que a referida Portaria teve origem no pioneirismo do legislativo gaúcho, que em 1977 inovou na regulamentação do uso de agrotóxicos no âmbito estadual, tornando obrigatório o receituário agronômico para a sua comercialização, cujo regramento foi estendido para todo o território nacional através do Ministério da Agricultura.

A determinação gaúcha, apoiada por diversas representações da sociedade civil, influenciada na época por José Antônio Kroeff Lutzenberger, fundador da primeira associação ecológica do Brasil e da América Latina, a Agapan20, foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão prolatada no ano de 1985, argumentando que de acordo com o Decreto Federal nº 24.114, competia somente à União legislar sobre agrotóxicos bem como fiscalizar seu comércio. A União poderia estender aos Estados o poder alusivo à "fiscalização do comércio de inseticidas e fungicidas" (Decreto Federal nº 24.114, art. 75). E, conforme art. 65 do referido Decreto, os Estados e municípios, mediante acordos

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com o governo federal, poderiam realizar análises laboratoriais "para efeitos da fiscalização" (TOMITA, 2005, p.3).

Mesmo assim, a lei gaúcha foi assimilada por outros Estados brasileiros, que expediram normas com texto semelhante.

O movimento no Rio Grande do Sul continuou intenso, e as denúncias de grande quantidade de resíduo de inseticidas presentes nas águas do rio Guaíba, culminaram com a edição de lei estadual proibindo o uso de organo-clorados, em 1982. A mesma lei torna obrigatório o cadastro de empresas que comercializam agrotóxicos no Estado. O exemplo também foi seguido por outros Estados da Federação. Porém a Procuradoria Geral da República denunciou inconstitucionalidade da lei estadual, sob alegação de que a vigência da Constituição Federal de 1969 conferia “à União a competência para legislar sobre normas gerais de proteção à saúde” (SILVA, Américo, 2005, p. 305). No entanto, desta vez, o STF firmou jurisprudência contrária à proposição da Procuradoria.

Em 02/09/85 o Ministério da Agricultura, através da Portaria nº 429, proibiu o uso de agrotóxicos “comprovadamente de alta persistência e/ou periculosidade, banindo assim o uso, a comercialização e a distribuição de compostos organoclorados no território nacional” (TOMITA, 2005, p. 5).

De acordo com a atual disposição hierárquica normativa brasileira21, as leis estaduais podem ser mais restritivas do que a federal, porém não mais amenas. Desta forma, nenhum Estado poderá autorizar o uso de substância que não esteja devidamente registrado nos órgãos federais, mas pode censurar a aplicação de produto embora autorizado pelo órgão federal. (LONDRES, 2011).