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1 DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E INTERESSES

2.3 Impactos sociais e ambientais

A maioria dos agrotóxicos é volátil, sendo facilmente transportada pelo ar, contaminando facilmente áreas indeterminadas; a lavagem de embalagens, tanques e equipamentos usados na aplicação, em cursos de água; a permanência do resíduo no solo durante anos, até ser transferido ou transportado para algum organismo, já que não desaparece naturalmente, são alguns fatores que atribuem efeitos perversos e deletérios na fauna, na flora, bem como graves danos na saúde humana, em decorrência do uso dos agroquímicos. Dentre inúmeros prejuízos, podemos citar:

a)surgimento de desertos verdes: o agronegócio proporcionou uma alteração surpreendente no ambiente natural, eliminando a biodiversidade de boa parte do planeta. A monocultura do algodão, da cana-de-açúcar, cacau, soja, trigo, eucalipto, milho etc, está desprovido de vida, resultado do uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes.

b)aumento das pragas existentes: com a eliminação da população indesejável ao ambiente, eliminam-se também seus predadores naturais. Dessa forma, o local fica completamente dependente das aplicações dos produtos industrializados, inclusive porque o deserto verde é fonte de alimento para a espécie parasita. Ela se tornará insistente e selecionada, por desenvolver resistência ao agrotóxico. Por isso, com o passar do tempo, haverá necessidade de aplicações com mais freqüência e com dosagem maior.

c)surgimento de novas pragas: a monocultura somada à aplicação de agrotóxicos compõe um ambiente completamente desequilibrado. A destruição da diversidade em todas as suas formas favorece a manifestação de novas infestações danosas, causadas por pragas secundárias, não atingidas pelo defensivo assumem o papel de praga principal exigindo a aplicação de verdadeiros coquetéis de veneno.

d)extermínio de organismos e insetos benéficos: existem no solo uma infinidade de populações, naturalmente necessárias no processo de desenvolvimento do ambiente. O uso de fertilizantes e venenos transforma o solo num ambiente artificial e reforça a dependência de produtos químicos, pois eliminam microorganismos que fixariam nutrientes na raiz da planta, bem como promover a decomposição de resíduos no solo. Da mesma forma são eliminados insetos fundamentais para a polinização das plantas, principalmente abelhas.

e)dizimação de aves: a vastidão de desertos verdes e envenenados simplesmente condenam à morte pequenos animais e pássaros que se alimentam basicamente de insetos, seja pela falta de alimento como também pela ingestão direta do alimento contaminado.

f)degeneração do solo e da água:o desmatamento, as queimadas e as demais práticas agrícolas inadequadas consubstanciaram num solo com alteração das suas características físico, químicas e biológicas, empobrecido de nutrientes e plantas, além de vulnerável à erosão. Restando o solo e a água contaminados com produtos artificiais e perigosos.

g)impactos sociais: a mecanização e o uso de agrotóxicos provocaram desemprego na área rural, promovendo o êxodo rural. Atualmente, a maior parcela da população reside na área urbana, favorecendo o desenvolvimento de favelas, desemprego e exclusão social.

h)degradação da saúde humana: os efeitos negativos sobre a saúde humana acontecem de diversas formas. Pode-se citar a contaminação durante a aplicação, através da cadeia alimentar, ingestão da água, inspiração de ar poluído etc. A exigência do mercado de consumo de produção de alimentos em maior quantidade e em menor tempo,incentivando a produção de vegetais e carnes com o auxílio de substâncias que aceleram seu desenvolvimento sem agregar valor nutritivo. Além disso, o uso indiscriminado de antibióticos está desenvolvendo doenças cada vez mais resistentes a medicamentos nos seres humanos. O uso de produtos dessecantes em lavouras de cereais consumidos in natura produz acúmulo de resíduos tóxicos no organismo. Ainda se tornou muito comum a dedetização de ambientes com produtos cada vez mais eficientes, e comercializados como inofensivos à saúde animal, induzindo as pessoas à inobservância de cuidados durante e após a aplicação. Todos esses fatores contribuem para o surgimento de novas doenças, e tornar resistentes os agentes causadores de moléstias.

Paulo Afonso Brum Vaz (2006, p. 43) classifica as consequências danosas dos agrotóxicos na saúde humana em: “teratogenias (nascimentos com más formações); mutagenias (alterações genéticas patogênicas) e carcinogenias (surgimento de diversos tipos de câncer).”

Segundo o mesmo autor, “à interdependência entre a saúde humana e os fatores socioeconômicos e ambientais chamamos saúde ambiental, que também pode ser definida como conjunto de fatores conjugados concernentes à saúde humana e ambiental” (VAZ, 2006, p. 38).

Dessa forma, os agrotóxicos afetam diretamente a saúde ambiental, por conseguinte, a segurança existencial humana, atribuído ao alto risco nas atividades que usam os agroquímicos. Trata-se de um risco opcional porque é a decisão humana quem determina seu uso ou não.

Quanto à importância da saúde, cujo direito está assegurado na Constituição Federal, Vaz (2006, p. 42) ressalta

O direito à saúde emerge no constitucionalismo contemporâneo inserido na categoria dos direitos sociais. A Constituição de 1988 incorpora claramente esse caráter do direito à saúde ao estabelecer, em seu art. 196, que ele será „garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação‟. Portanto, o direito à saúde foi constitucionalizado em 1988 como direito público subjetivo a prestações estatais, ao qual corresponde o dever dos Poderes Público de desenvolverem as políticas que venham a garanti-lo.

O uso constante e inadequado dos produtos agroquímicos reflete de maneira desastrosa no organismo humano, pois agride o bem-estar do indivíduo, além da integridade física, seu estado mental ou psíquico e social, em seus diversos aspectos, aleijando a sua dignidade. E o autor faz um alerta:

Vale destacar, pela importância e incidência de intoxicações, a afetação do meio ambiente do trabalho, assim considerado o palco onde se desenvolvem as relações de trabalho humano de qualquer espécie. Todos os trabalhadores são titulares do direito (difuso) ao meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado. No ambiente de trabalho rural, em razão do uso indiscriminado e sem as medidas de precaução, tanto para a saúde do trabalhador, como para o meio ambiente, temos uma grande incidência de casos de intoxicação, com trabalhadores sendo submetidos a doenças fatais ou irreversíveis (VAZ, 2006, p. 42).

O mesmo autor frisa que a agricultura tem importância inegável na economia nacional. Por isso é necessário harmonizar o objetivo econômico com o bem estar do trabalhador, para que a lide com a terra seja motivo de orgulho e felicidade e não o motivo de sua ruína e até a morte.

Conforme Nilton Kasctin dos Santos (2015), o agrotóxico é uma preocupação universal. Os governantes brasileiros deveriam liderar este embate porque o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, aplicando em média mais de 5 litros per capita por ano. No Rio Grande do Sul, são usados mais de 9 litros per capita por ano. Porém, na região de Ijuí, o consumo passa de 30 litros per capita por ano.

Por isso não causa estranheza o dado alarmante apresentado por Vaz (2006, p. 45), citando Antenor Ferrari (1985): pesquisas científicas apontam “elevadíssima a taxa de veneno no sangue da população brasileira por resíduos de agrotóxicos. Os ingleses têm 14,4 ppb (partes por bilhão) de veneno no sangue; os americanos têm 22,7 ppb; os argentinos têm 43,3 ppb, e os brasileiros têm a absurda taxa de 572,6 ppb.”

Quanto às principais doenças relacionadas ao uso de agrotóxicos, Vaz (2006) comenta:

Mas o câncer não é a única doença grave causada por agrotóxicos, embora seja a mais grave. No renque das temíveis conseqüências (sic) incluem-se a cirrose hepática, a impotência sexual, a fibrose pulmonar, os distúrbios do sistema nervoso central (implicando depressão, loucura e ou paralisia facial) e muitas outras doenças de natureza toxicológica, a que estão mais sujeitos, não só os que lidam diretamente com agrotóxicos no campo e na cidade, como também e principalmente os consumidores de alimentos contaminados por resíduos de agrotóxicos (VAZ, 2006, p. 45).

O mesmo autor acredita na relação entre os agrotóxicos e o Mal de Parkinson, bem como ao elevado número de suicídios nas áreas rurais.

O agrotóxico está diretamente vinculado ao cultivo de transgênicos. O resultado são sementes com grande concentração de resíduo de agrotóxicos, fazendo com que a agência Nacional de Vigilancia Sanitária – Anvisa, permitisse elevar o LMR (Limite Máximo de Resíduo) de glifosato de 0,2 miligramas por quilo para 10 miligramas por quilo de soja, em 2004. Ou seja, 50 vezes mais do que na semente de produção convencional. Ao comparar com outros países, observamos que os limites máximos no Brasil são bastante generosos. Citando

como exemplo a soja, que pode conter 10 miligramas de glifosato, enquanto nos EUA e na Argentina o limite é de 5 mg, e na Europa é 0,2 mg. (LUCENA, 2015).

O aumento no número de aplicações de glifosato nas lavouras de milho também pressionou a elevação do LMR, em 2010, de 1 para 10 miligramas por quilo. O Codex Alimentarius, órgão ligado às Nações Unidas que estabelece parâmetros internacionais, fixa o LMR do milho em 0,3 mg/kg. (PETERSEN, 2015).

A proposta dos organismos geneticamente modificados (OGMs) era de redução de uso de agroquímicos, porém não foi o que aconteceu na prática, haja vista que a comercialização de sementes tratadas e transgênicas vincula a aquisição de fertilizantes e agrotóxicos, acentuando as agressões ambientais e sociais, além de proporcionar o fortalecimento político e econômico de determinados grupos.

Vários abusos concernentes aos agrotóxicos são cometidos e de diversas formas. Desde o procedimento para autorização do produto, até à sua aplicação.

Conforme artigo publicado por Hugh Lacey, José Corrêa Leite, Marcos Barbosa de Oliveira e Pablo Rubén Mariconda (2015), afirmam que o parecer técnico emitido pela CTNBio12 se limita à analise do efeito do organismo avaliado, isoladamente considerado, sem valorizar as possíveis condições ambientais e fatores que estão agregados à cultura. No caso das OGMs, por exemplo, não é competência do referido órgão se manifestar quanto ao perigo do uso de agrotóxicos, porém o parecer emitido é usado pelas corporações agroquímicas para contestar denúncias da sociedade civil organizada dos malefícios ocasionados pelas plantações a partir de sementes geneticamente modificadas.

Segundo proferido na primeira audiência pública do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, os laboratórios encontram dificuldades para identificar irregularidades porque as indústrias não disponibilizam publicamente os padrões dos

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A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) é uma instância colegiada multidisciplinar, integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia com a finalidade de prestar apoio técnico consultivo e de assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa aos OGMs, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e pareceres técnicos conclusivos referentes à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, para atividades que envolvam a construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de OGM e derivados (FACULDADE, 2015).

ingredientes usados na fabricação do veneno. Para obtenção do registro, as empresas custeiam pesquisas independentes, pois alguns dados são sigilosos. Na prática, isso pode representar conflito de interesse. Além disso, as pesquisas testam os agrotóxicos individualmente. Ocorre que o ambiente já está contaminado por produtos químicos e atualmente são realizadas aplicações a partir da mistura contendo mais de um veneno. O impacto desses coquetéis não é analisado por ocasião da autorização da comercialização. Também ao definir os parâmetros da IDA – ingestão diária aceitável, a pesquisa não atenta para os diversos tipos de alimentos que a pessoa ingere diariamente, e que cada alimento possui determinada quantidade de resíduo. Portanto, numa só refeição, a quantidade residual já pode superar o permitido.

Recentemente, o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva emitiu nota com posicionamento desfavorável ao uso de agrotóxicos devido aos malefícios causados à saúde humana, principalmente o aumento nos casos de câncer, destacando que a contaminação não está restrita aos alimentos consumidos in natura, mas também aos industrializados. Dessa forma orienta para que a população procure informar-se quanto à origem, dando preferência à aquisição e consumo de alimentos produzidos sem agrotóxicos. (INCA, 2015).

O consumo de alimentos saudáveis está diretamente vinculado com os direitos constitucionais à vida e ao ambiente ecologicamente equilibrado. Dessa forma, observa-se que a requisição de intervenção do Poder Judiciário está crescendo nas últimas décadas, para dirimir conflitos relativos aos agrotóxicos, na esfera cível, administrativa e penal.

3 A PROTEÇÃO DO AMBIENTE PELO DIREITO BRASILEIRO: O CASO