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INTRODUÇÃO GERAL AO TEMA E BASES CONCEITUAIS

3.3 – EVOLUÇÃO TECTÔNICA DA MARGEM EQUATORIAL ATLÂNTICA

Quando se considera que o Oceano Atlântico Sul iniciou sua abertura há cerca de 130 Ma, entre o Berriasiano e o Valanginiano, e que o Oceano Atlântico Equatorial tenha começado somente há 110 Ma,

no Aptiano, os processos tectônicos ocorridos durante este intervalo de tempo de 20 Ma, exercem uma importância fundamental para a evolução da região equatorial.

Muito embora os vários modelos aplicados à abertura do Oceano Atlântico Equatorial exibam algumas diferenças entre si, de uma maneira geral é aceito que, durante a evolução da Margem Equatorial Atlântica, a instalação de zonas transformantes tenha sido o principal mecanismo a governar a cinemática de separação dos continentes Sul-Americano e Africano, durante o Cretáceo Superior. As particularidades inerentes a cada um dos modelos residem essencialmente na época em que teria ocorrido a movimentação transformante entre os continentes, o que, por seu turno, seria uma resposta à atribuição de diferentes posições para o(s) pólo(s) de rotação relativa (pólo de Euler) entre os continentes em separação.

Alguns dos modelos atribuem uma relativa importância a uma etapa prévia de rotação rígida entre a América do Sul e a África, acompanhada pelo desenvolvimento de setores em encurtamento na Margem Equatorial Atlântica, uma etapa subseqüente de movimentação oblíqua na direção NNE (quando já teria ocorrido a formação de crosta oceânica – figura 3-5c), finalizando por um estágio em que ambos os continentes distanciar-se-iam lateralmente ao longo de falhas transformantes (Rabinowitz & LaBrecque 1979; Szatmari et al. 1985, 1987; Françolin & Szatmari 1987) (figuras 3-4 e 3-5). Outros autores desconsideram a etapa inicial de rotação rígida, reservando uma maior atenção à influência dos movimentos transformantes na deformação ao longo da margem, que sucederia um estágio inicial de estiramento NE-SW (Zalán et al. 1985). O modelo de Fairhead (1988) torna a considerar que variações temporais na localização do pólo de rotação teriam influenciado no quebramento do Gondwana ocidental (figura 3-6). Finalmente, diversos pesquisadores têm dado, ultimamente, maior atenção à influência que a cinemática das zonas de fraturas transformantes exerceria na abertura do Oceano Atlântico Equatorial e no controle de sua atual geometria, destacando que toda a deformação teria sido originada a partir de um pólo de rotação fixo localizado no hemisfério norte (Sykes 1978; Pindell & Dewey 1982; Pindell 1985; Marinho & Mascle 1987; Pindell et al. 1988; Unternehr et al. 1988; Azevedo 1991; Matos 2000) (figuras 3-7 e 3-8).

A rotação rígida entre a América do Sul e a África teria se dado em resposta ao desenvolvimento de um sistema de fraturas de direção aproximadamente NNE, controlado por esforços trativos WNW-ESE, que teria iniciado na porção sul do Gondwana ocidental e que se propagaria em direção ao norte (Szatmari et al. 1985, 1987; Françolin & Szatmari 1987) (figuras 3-4a e 3-5a). Tais esforços poderiam ter ocorrido na transição entre o Berriasiano e o Hauteriviano (Szatmari et al. 1987; Françolin & Szatmari 1987) ou, mais precisamente, na transição Berriasiano/Valanginiano (Rabinowitz & LaBrecque 1979).

FIGURA3-4: Modelo de evolução tectônica para a abertura do Oceano Atlântico Meridional envolvendo uma etapa inicial de

rotação rígida (modificado de Rabinowitz & LaBrecque 1979). (a) Reconstrução pré-deriva para o Valanginiano, há cerca de 130 Ma. Para o ajuste, a África foi rotacionada em relação à América do Sul; (b) estágio rifte com rotação rígida ao redor de um pólo (estrela em vermelho) situado nas proximidades da cidade de São Luiz, no Estado do Maranhão. As setas indicam o sentido de movimentação da África em relação à América do Sul; (c) estágio drifte precoce ou wrench durante o Eoalbiano; (d) estágio de margem passiva a partir do Campaniano.

Rabinowitz & LaBrecque (1979) posicionam o pólo de Euler da separação dos continentes Sul- Americano e Africano em 02°30’ S – 45°00’ W (nas proximidades da cidade de São Luiz, no Estado do Maranhão), entre o Valanginiano e o Neo-Aptiano (figura 3-4b). Já para Szatmari et al. (1987) e Françolin & Szatmari (1987), o pólo de rotação estaria localizado aproximadamente em 07°S – 39°W (sul do Estado do Ceará), no final do Cretáceo inferior (figura 3-5b). Controvérsias quanto ao posicionamento do pólo a parte, ambos os modelos consideram que a América do Sul sofreria uma rotação horária em relação ao continente africano. Esta configuração submeteria à compressão as regiões posicionadas a oeste do pólo, e à distensão aquelas dispostas a leste (figuras 3-4b e 3-5b). Segundo Szatmari et al. (1985; 1987) e Françolin & Szatmari (1987), ao fim do Aptiano o pólo de rotação teria migrado para noroeste, até as proximidades do Oiapoque, no Estado do Amapá, onde permaneceria até o Eoalbiano (figura 3-5c).

Uma etapa de estiramento litosférico de direção NNE-SSW, na Margem Equatorial Atlântica, teria acontecido no final do Meso ao Neo-Aptiano (Szatmari et al. 1985, 1987; Françolin & Szatmari 1987) (figura 3-5c). No início do Albiano (Rabinowitz & LaBrecque 1979) (figura 3-4c) ou na transição entre o Albiano e o Cenomaniamo (Szatmari et al. 1985, 1987; Françolin & Szatmari 1987) (figura 3-5d), a crosta continental do Gondwana ocidental já estaria rompida ao longo de toda a Margem Continental Atlântica da América do Sul. O pólo de rotação migrou em direção ao norte, passando a localizar-se em 41°18’ N – 43°48’ W (Rabinowitz & LaBrecque 1979). Somente então os movimentos divergentes de direção E-W passariam a ser acomodados por cisalhamentos dextrais (origem das zonas de fraturas transformantes) na Margem Equatorial Atlântica recém formada (figuras 3-4c,d e 3-5d).

FIGURA3-5: Modelo de evolução tectônica para a abertura do Oceano Atlântico Meridional envolvendo uma etapa inicial de

rotação rígida (modificado de Szatmari et al. 1985; 1987; e Françolin & Szatmari 1987). (a) Reconstrução pré-deriva dos continentes Sul-Americano e Africano; (b) estágio rifte entre o Berriasiano e o Hauteriviano, com rotação rígida ao redor de um pólo situado nas proximidades da cidade de Lavras da Mangabeira, no sul do Estado do Ceará. As setas indicam o sentido de movimentação da África em relação à América do Sul; (c) rifteamento aptiano quando ocorreu a migração do pólo de rotação para as proximidades da cidade do Oiapoque, no Estado do Amapá, provocando uma etapa de estiramento NNE- SSW na Margem Equatorial Atlântica; (d) estágio de deslocamento lateral dextral na direção E-W (Albiano a Cenomaniano) dos continentes Sul-Americano e Africano ao longo de zonas transformantes; e (e) compressão N-S entre o Coniaciano e o Eopaleógeno..

Um último evento de compressão N-S teria ocorrido provavelmente do Coniaciano ao Eopaleógeno (Szatmari et al. 1985, 1987; Françolin & Szatmari 1987) (vide figura 3-5e), provocando o soerguimento e a erosão da seqüência paleozóica na extremidade nordeste da Bacia do Parnaíba, a formação de dobramentos na Bacia de Barreirinhas e uma reativação transcorrente sinistral da Zona de Cisalhamento Sobral Pedro II.

Outros modelos propostos advogam em favor de uma evolução mais simples, que não envolveria o estágio inicial de rotação rígida com compressão associada. Ao estudarem a evolução tectono- estratigráfica da Bacia do Piauí (também Sub-Bacia de Piauí-Camocim, se anexada à Bacia do Ceará), Zalán et al. (1985) identificaram quatro estágios evolutivos que podem ser extrapolados para a Margem Equatorial Atlântica. O Estágio Rifte, ocorrido entre o Mesovalanginiano e o Eoaptiano, marcaria o início da deformação na região, quando a América do Sul e a África estariam separando-se na direção NE-SW, em alto ângulo com relação às suas margens equatoriais. Durante o Estágio Drifte (Eoaptiano a Neo-Albiano), a separação em alto ângulo continuaria e, neste momento, o Oceano Atlântico Equatorial já estaria aberto. No Estágio Wrench (Neo-Albiano a Eocenomaniano), movimentos transformantes teriam sido iniciados ao longo da Zona de Fratura Romanche, provavelmente devido a mudanças na direção de expansão de NE- SW para E-W. Finalmente, durante o Estágio de Margem Passiva ou Drifte Tardio (Neocenomaniano ao Holoceno), a região estudada estaria submetida a processos erosionais e a uma gradual subsidência térmica, graças ao distanciamento dos centros de expansão oceânica.

Fairhead (1988) concentrou seus estudos na África, particularmente nos sistemas de riftes Central e Oeste Africano. O autor chama a atenção para a similaridade das idades entre os sistemas de riftes e as estruturas observadas ao longo do Oceano Atlântico Equatorial e Sul, denotando assim que todas estas feições teriam sido desenvolvidas como resultado dos mesmos eventos que levaram à fragmentação do

Gondwana ocidental. Fairhead (1988) admite que a fase inicial de abertura tenha ocorrido entre 130 e 119 Ma (Eovalanginiano a Neo-Hauteriviano), condicionada por um pólo de rotação localizado em 27°N – 18°W (figura 3-6a). A fragmentação se ria iniciada ao sul do supercontinente e propagar-se-ia em direção ao norte (figura 3-6a). A Margem Continental Oriental do Brasil e o sistema de riftes do Oeste Africano constituiriam uma única megaestrutura. Neste cenário, o sistema de riftes africano representaria um ramo abortado da ruptura. Ao final do Cretáceo (Maastrichtiano), já em um estágio bastante avançado da separação continental, o pólo de Euler estaria posicionado em 66°N – 25°W (figura 3-6b).

FIGURA3-6: Estágios de abertura do Oceano Atlântico Meridional para (a) o período entre o Valanginiano e Hauteriviano há

130-119 Ma, e (b) o Maastrichtiano, há 67 Ma, e seus respectivos pólos de rotação (estrelas em vermelho), e o desenvolvimento dos sistemas de riftes Central e do Oeste Africano (compilado de Fairhead 1988).

Nos modelos atualmente mais difundidos, a implantação de falhas transcorrentes/transformantes dextrais teria acontecido já em períodos precoces da separação continental ao longo do Oceano Atlântico Equatorial (Pindell & Dewey 1982; Pindell 1985; Marinho & Mascle 1987; Azevedo 1991; Matos 2000; ver figura 3-7). Estes autores defendem a hipótese de que, durante a quebra do Gondwana, tanto a América do Sul como a África teriam acomodado a ruptura interna por deslocamentos transcorrentes que evoluiriam, mais tarde, para transformantes.

Os modelos que defendem a implantação precoce de um regime transcorrente/transformante ao longo da Margem Equatorial Atlântica também assumem uma história evolutiva relativamente mais simples, desconsiderando a etapa de rotação rígida das placas Sul-Americana e Africana ao redor de um pólo localizado no Nordeste brasileiro. A translação das placas litosféricas traduz um regime de transtração que seria controlada por um único pólo, posicionado, grosso modo, no atual hemisfério norte (figura 3-8a). Cada um dos vários modelos desenvolvidos atribui uma localização diferente para o pólo de rotação durante o Cretáceo inferior, o que pode, provavelmente, estar relacionado a incertezas inerentes a

cada uma das análises cinemáticas realizadas ou por assumir que a distorção interna de cada um dos continentes ocorreu em cenários tectônicos e deformacionais distintos (Azevedo 1991). Em tal contexto, Pindell & Dewey (1982) posicionam o pólo de rotação em 55°06’ N – 35°42’ W, Pindell (1985) em 52°06’ N – 34°00’ W e Unternehr et al. (1988) em 52°36’ N – 33°12’ W.

FIGURA3-7: Modelo de evolução tectônica para a abertura do Oceano Atlântico Equatorial segundo Marinho & Mascle (1987):

(a) Reconstrução para 133 Ma quando a América do Sul e a África ainda constituíam uma única massa continental; (b) situação há 116 Ma, com início das primeiras tensões cisalhantes (movimentação lateral dextral) e instalação subseqüente dos primeiros centros de criação de crosta oceânica; (c) posição dos continentes há cerca de 100 Ma; e (d) por volta de 80 Ma quando teria ocorrido a dissipação das tensões cisalhantes ao longo das margens continentais da América do Sul e da África.

A fragmentação do Gondwana, com a subseqüente abertura do Oceano Atlântico Equatorial, teria ocorrido em diferentes etapas ou estágios (Asmus & Baisch 1983; Azevedo 1991; Basile et al. 1993; Matos 2000), sendo que os primeiros indícios da deformação continental ao longo do futuro Oceano Atlântico Equatorial vêm do período compreendido entre o Berriasiano e o Hauteriviano (Pindell & Dewey 1982; Pindell 1985; Marinho & Mascle 1987; Azevedo 1991; Basile et al. 1993; Matos 2000). Nesta época, houve o desenvolvimento dos riftes do Benuê e Potiguar; os lineamentos pré-cambrianos de Patos e Pernambuco, além zonas de cisalhamento Ngaoundere e Sanagar, teriam sido reativados com cinemática transcorrente dextral, enquanto que a região localizada a oeste do lineamento transbrasiliano permaneceu relativamente indeformada (Azevedo 1991). Uma zona de transferência entre os riftes do Benué e Potiguar poderia ser a primeira expressão da futura Zona de Fratura Chain. Durante este período (Estágio Continente-Continente – Azevedo 1991, ou Estágio Pré-Transformante – Matos 2000), um ciclo sedimentar pré-transtração, representado por associações de idade jurássica a cretácea inferior (pré-

Barremiano), antecederiam a fase principal de estiramento no Atlântico Equatorial, estando preservado por associações de rifte nas Bacias de Marajó e Potiguar submersa (Formação Pendência nesta última).

Um ciclo sedimentar subseqüente, sintranstração, é denotado por eventos sedimentares e magmáticos descontínuos, que deram início à fragmentação do continente durante o Neobarremiano (Marinho & Mascle 1987; Matos 2000). Nesta idade, haveria a implantação de cisalhamentos e fraturamentos intracontinentais em resposta às condições transtracionais aplicadas. O ciclo tem início com o estiramento litosférico no Oceano Atlântico Equatorial cujo ápice é atingido durante o Aptiano, quando o regime de transtração teria originado uma série de bacias en échelon, com direção NW-SE (Matos 2000).

Entre o Aptiano e o Eoalbiano, a deformação crustal continuou a ser controlada pela translação entre as placas Sul-Americana e Africana (figura 3-7a). As placas deslocar-se-iam segundo vetores de direção próxima a E-W. No intervalo de tempo compreendido entre o Albiano e o Cenomaniano (Estágio Continente-Oceano – Azevedo 1991, Estágio Sintransformante – Matos 2000), a Margem Equatorial Atlântica continuaria submetida a movimentos translacionais E-W (figura 3-7a e 3-7b). O ambiente tectônico resultante combinaria distensão NE-SW associada aos cisalhamentos E-W.

Enquanto o deslocamento prosseguia desde o Cenomaniano, a litosfera tornava-se cada vez mais afinada, particularmente em algumas zonas transtrativas, onde porções intensamente fraturadas passariam a atuar como protodorsais oceânicas, possibilitando a formação de crosta oceânica em meio à crosta continental (figura 3-7b). O desenvolvimento destes centros de expansão levou ao desenvolvimento de falhas transformantes que passaram, então, a definir o limite litosférico entre as recém-formadas placas Sul-Americana e Africana (Azevedo 1991; Matos 2000). A formação do assoalho oceânico teria ocasionado a dissipação das tensões cisalhantes nos continentes, que passariam a experimentar uma relativa quiescência tectônica (Marinho & Mascle 1987).

As falhas transformantes passariam a controlar a geometria do limite entre os continentes (figuras 3-7b, 3-7c e 3-8a), com setores evoluindo para segmentos transformantes transtrativos e transpressivo. Este regime de deformação rotacional regional conduziria a complexos padrões estruturais, caracterizados por sistemas de falhas transcorrentes conjugadas, com falhas inversas e normais associadas.

Somente após a finalização dos efeitos termais promovidos por centros de espalhamento próximos e uma diminuição da influência de zonas de fraturas ou transformantes, é possível haver o desenvolvimento de uma típica margem passiva (Matos 2000), situação tal que poderia ter ocorrido desde o Cenomaniano (figuras 3-7d e 3-8b). Durante este Estágio Oceano-Oceano (Azevedo 1991) ou Pós- Transformante de Margem Passiva (Matos 2000), a movimentação transformante teria cessado ao longo das margens continentais, tendo sido transferidas para o oceano recém-desenvolvido (Azevedo 1991). Com o distanciamento dos centros de expansão da borda dos continentes, o resfriamento litosférico passou a promover uma subsidência generalizada, e a contínua expansão do assoalho oceânico, na direção E-W, registraria o fim deste período de intensa atividade tectônica.

200 km

Albiano (105 Ma.)

Transição Santoniano/Campaniano (84 Ma.) Z. F. Kribi Z. F. Ascensão Z. F. Camarões Z. F. Chain Z. F. Romanche Z. F. São Paulo 200 km Zona de Fratura As censão Zona de Fratura Chain Zona de Fratura Jean Charcot

Zona de Fratura Romanche Zona de Fratura São Paulo Cobertura juro-cretácea Cobertura paleozóica Cinturões brasilianos/pan-africanos Crátons brasilianos

Cobertura plataformal pós-rifte (Cretáceo-Quaternário) Sistema de riftes abortados do Nordeste brasileiro

FIGURA 3-8: (a) Reconstrução continental imediatamente em seguida à ruptura do Gondwana Ocidental no Albiano, mostrando a

partição entre diferentes estilos deformacionais ao longo do Oceano Atlântico Equatorial. As linhas tracejadas indicam a trajetória de movimento das placas litosféricas a partir de um pólo de rotação localizado no hemisfério norte; (b) posicionamento dos continentes Sul-Americano e Africano durante a transição entre o Santoniano e o Cenomaniano (compilado de Matos 2000).