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1 3 Falha Principal

5.3.2 – M ODELO R EGIONAL DA D EFORMAÇÃO F RÁGIL

Em cada região da crosta continental, a deformação frágil pode ser caracterizada em termos geométricos e cinemáticos, compondo sucessivos eventos que podem ser alocados nos seus respectivos nichos no espaço (incluindo a profundidade crustal) e no tempo (com auxílio de métodos cronoestratigráficos) (Jardim de Sá et al. no prelo). A integração de dados através de áreas de escala (sub)continental permite relacionar esses episódios a processos nas margens ou no interior de placas, em arranjos pretéritos (neoproterozóicos, mesozóicos) ou atuais, aos quais correspondem sistemas de tensões específicos.

No caso da Província Borborema (Almeida et al. 1977; Almeida & Hasui 1984), a Orogênese Brasiliana foi responsável pela impressão do último evento de deformação dúctil na região (Jardim de Sá 1994), ao final do Neoproterozóico (ca. 600±100 Ma no passado). Os estágios terminais do Ciclo Brasiliano, entre o Cambriano e o Ordoviciano, foram acompanhados pelo contínuo soerguimento e

exumação da cadeia orogênica, levando à consecutiva superposição de estruturas frágeis (referidas como tardibrasilianas) às dúcteis, em característica continuidade cinemática (vide Seção 4.3.1, no Capítulo 4).

A associação espacial e cinemática particular entre estruturas dúcteis e estruturas frágeis tardibrasilianas pode ser reconhecida em toda a Província Borborema (Jardim de Sá 1994), como especialmente feito na Faixa Seridó (a qual engloba uma grande área do Estado do Rio Grande do Norte e parte dos estados da Paraíba e do Ceará – figura 5-10), onde as mesmas afetam desde os litotipos do Complexo Gnáissico-Migmatítico arqueano a paleoproterozóico, a exemplo do observado nas regiões de João Câmara/RN (Coriolano et al. 1997; Coriolano 1998) e da Grota da Fervedeira/RN (Menezes 1999; Menezes & Jardim de Sá 1999) (figura 5-10), até as rochas granitóides neoproterozóicas, passando pelas faixas de rochas metassupracrustais proterozóicas, como na região de Equador/RN (figura 5-10) (Nascimento da Silva 1999).

Veios de quartzo e diques de pegmatito e aplito, alojados em juntas distensionais, ortogonais ou escalonadas em relação a falhas e zonas de cisalhamento (dúcteis) transcorrentes, são estruturas típicas deste primeiro evento de deformação frágil. Eventualmente, zonas de cisalhamento dúcteis/frágeis (em geral compondo pares cisalhantes conjugados: NE-SW, dextral, e NW-SE, sinistral), com componente de abertura associada, também controlam o alojamento destes veios e diques (prancha 5-2, fotografia 1). As falhas transcorrentes tardibrasilianas podem apresentar estrias fibrosas e ressaltos formados por quartzo, epídoto, muscovita, clorita e sericita, que são minerais indicativos de condições térmicas relativamente elevadas (em comparação a estruturas frágeis mais novas, como será abordado mais adiante). Em conjunto, estas estruturas denotam um regime de esforços com contração E-W a WNW-ESE, e distensão N-S a NNE-SSW (vide figura 4-1, no Capítulo 4).

Embora a tectônica tardibrasiliana seja melhor tipificada por feições mapeáveis em escala de afloramento, a reativação de estruturas de grande porte (com dezenas a centenas de quilômetros de extensão) é observada em algumas regiões. Bons exemplos são o Sistema de Falhas de Afonso Bezerra, de direção NW-SE (localizado na porção centro-norte do Estado do Rio Grande do Norte), e a Falha Sísmica de Samambaia, com orientação NE-SW (localizada na região NE do RN). No embasamento cristalino, estas estruturas exibem controle sobre o alojamento de diques de pegmatito/granito/aplito e veios de quartzo, que seguem sua orientação, denotando a herança brasiliana (Dantas 1998; Dantas et al. 1999). Ainda que a Falha Sísmica de Samambaia seja diagonal à orientação NNE-SSW das estruturas dúcteis, o mergulho para NW da faixa de sismos relacionada coincide com a disposição geral da foliação do Evento Brasiliano (Coriolano et al. 1997; Coriolano 1998).

FIGURA5-10: Mapa geológico da porção nordeste da Província Borborema, incluindo a Faixa Seridó e a Bacia Potiguar com a localização dos sítios referidos ao longo da Seção 5.3.2 (neste Capítulo). Legenda: 1 – Área de João Câmara; 2 – área de Equador; 3 – área da Grota da Fervedeira; 4 – área de Afonso Bezerra; 5 – área de Macau; 6 – área de Icapuí. Base geológica modificada de Farias et al. (1990) e Jardim de Sá (1994).

A tectônica no restante do Paleozóico é pouco conhecida (talvez devido à ausência de marcadores apropriados e não à inexistência de eventos).

A partir do Jurássico Superior e até o Cretáceo Superior, o processo de separação continental e criação do Oceano Atlântico, em uma evolução complexa, polifásica (Matos 1992b; 1999; 2000), imprimiu outros conjuntos de fraturas com feições que, em geral, refletem níveis crustais mais rasos. Os eixos de rifteamento no interior e na margem do continente obedeceram, inicialmente, a uma direção de distensão NW-SE, que evoluiu a partir de um episódio precoce que denota distensão N-S, inferida a partir da direção E-W do enxame de diques (basaltos e diabásios) Rio Ceará-Mirim (prancha 5-2, fotografia 2) (ver também

Seção 4.3.2, no Capítulo 4), que estão alojados em juntas distensionais restritas ao embasamento cristalino adjacente à porção sul da Bacia Potiguar (figura 5-10).

Em uma etapa posterior, a margem equatorial do Continente Sul-Americano foi estruturada (em uma visão simplificada) em transcorrências dextrais E-W (em referência à atual disposição do continente) e falhas normais/oblíquas NW-SE (Matos 2000; Jardim de Sá 2001) (vide figura 4-1, no Capítulo 4). No embasamento cristalino, as estruturas cretáceas são tipificadas, em geral, por reativações em temperatura mais baixa, em relação às fraturas tardibrasilianas. Na Bacia Potiguar, o Sistema de Falhas de Afonso Bezerra provavelmente funcionou como uma zona de transferência no Cretáceo Inferior, em resposta à distensão na direção WNW-ESE que levou à origem do Rifte Potiguar (Matos 1992b). A partir do final do Cretáceo, o regime tectônico deve ter sido similar ao atual, típico de margens continentais passivas evoluídas a partir de limites de placas divergentes (como a Margem Atlântica Leste, do Alto de Touros para sul) ou transformantes (Margem Equatorial Atlântica, do Alto de Touros para oeste).

No Cenozóico ocorreu uma nova mudança do campo de tensões vigente neste domínio da Província Borborema, com a conseqüente origem de um novo conjunto de estruturas. Na margem e em boa parte do interior continental, estão bem caracterizadas estruturas (falhas transcorrentes, normais e híbridas; juntas) filiadas a um regime que difere daquele inferido a partir das estruturas cretáceas: o novo contexto apresenta eixo principal de tensão (V1, compressão ou distensão mínima?) aproximadamente N-

S (Dantas 1998; Dantas et al. 1999; Jardim de Sá et al. 1999; Menezes 1999; Menezes & Jardim de Sá 1999) (vide Seção 4.3.3, no Capítulo 4). As estruturas originadas cortam as rochas sedimentares cretáceas da Bacia Potiguar, penetram no cristalino (onde, em geral, reativam as fraturas tardibrasilianas e cretáceas) e afetam as formações Serra do Martins (paleógena, que ocorre em platôs interioranos) e Barreiras (neógena), o que implica em que este regime tectônico tenha perdurado, pelo menos, até o Plioceno. No Sistema de Falhas de Afonso Bezerra ocorreu um novo episódio de reativação, agora como transcorrência dextral (Oliveira et al. 1993; Dantas 1998; Dantas et al. 1999) (prancha 5-2, fotografia 3). A reativação neógena do sistema de falhas induziu a brechação do Calcário Jandaíra (como na região de Macau/RN, centro-norte da Bacia Potiguar – figura 5-10) e, mais restritamente, de plugs do Vulcanismo Macau (Dantas 1998; Almeida & Jardim de Sá 2001), bem como o dobramento de camadas de basalto (Dantas 1998; Dantas et al. 1999). A sudeste do Sistema de Falhas de Afonso Bezerra, na região da Grota da Fervedeira/RN (figura 5-10), o mesmo evento pode ser inferido a partir de pares conjugados de fraturas de cisalhamento, dextrais (NNW-SSE a N-S – prancha 5-2, fotografia 4) e sinistrais (NE-SW) bissectados por juntas distensionais NNE-SSW, que afetam tanto rochas cristalinas pré-cambrianas, como arenitos pertencentes à Formação Serra do Martins (Menezes 1999; Menezes & Jardim de Sá 1999). Na porção noroeste da Bacia Potiguar, na região de Icapuí/CE, o evento de compressão N-S deixou seu registro nos arenitos e argilitos da Formação Barreiras, onde desenvolveu falhas distensionais de direção aproximadamente N-S (Sousa et al. 1999; Sousa et al. 2001a,c; Sousa 2003; Sousa et al. 2003), em

padrão lístrico (condicionando o espessamento da seção superior da Formação Barreiras em direção à falha – prancha 5-2, fotografia 5), ou dominó (prancha 5-3, fotografia 1). Algumas falhas enraízam-se em superfícies de descolamento com transporte tectônico para W/NW, nas quais ocorre forte deformação hidroplástica e o desenvolvimento de feições de mélange (são comuns critérios cinemáticos tipo S-C-C’ – prancha 5-3, fotografia 2), associados à boudinage ou à crenulação distensional dos estratos (Sousa et al. 1999; Sousa et al. 2001a,c; Sousa 2003).

Mais a leste, na região de Icapuí (Vila Nova), uma importante deformação transpressional registrada na Formação Barreiras é atribuível a esta fase, sendo caracterizada por dobramentos normais (superfície axial NE-SW), com perfil suave e paralelo (prancha 5-3, fotografia 3), e com eixos de suave caimento para SW (Sousa 2003). Planos incipientes de clivagem podem estar associados ao dobramento (Sousa 2003) (prancha 5-3, fotografia 3). Falhas inversas e estruturas oblíquas ocorrem localmente, sendo compatíveis com a orientação dos dobramentos.

O nível crustal denotado pelas estruturas relacionadas ao evento com V1 orientado na direção N-S

é bastante raso (as fraturas afetam as formações Serra do Martins e Barreiras), sendo característicos os preenchimentos por calcedônia e óxidos/hidróxidos de ferro. O mecanismo tectônico para gerar uma compressão N-S ainda não está bem explicado. Coincidentemente, durante o Neógeno, registra-se outro elemento tectônico significativo na região: o domeamento térmico associado ao magmatismo alcalino intraplaca Macau (Carneiro et al. 1989), considerado responsável pelo soerguimento do Planalto da Borborema (Jardim de Sá et al. 1999). Um contexto hipotético de domeamento assimétrico (com distensão geral no plano horizontal, e mais pronunciada na direção E-W – V3; Dantas 1998) e a participação de

fluidos no fraturamento (indicado pela freqüência dos precipitados), poderiam explicar este conjunto singular e importante de estruturas (Jardim de Sá et al. 1999; Jardim de Sá 2001). Todo esse arcabouço está ainda em processo de reconhecimento e detalhamento (Jardim de Sá et al. 1999; Jardim de Sá 2001).

No Holoceno (mais provavelmente durante todo o Quaternário), a Província Borborema tem experimentado um contexto deformacional distinto, no qual os vários tipos de dados disponíveis (sismologia sobretudo) definem um campo de tensões neotectônico com compressão (V1) E-W e

distensão (V3) N-S, em reposta à expansão da Dorsal Mesoatlântica e à compressão da Cadeia Andina

(ver Seção 4.3.3, no Capítulo 4). Este tipo de regime já estaria operando, na escala da Placa Sul- Americana, desde o final do Cretáceo.

A deformação neotectônica gerará novas estruturas em marcadores recentes e mesmo de idade neógena, como a Formação Barreiras (Bezerra et al. 1998; 2001). Nas coberturas sedimentares da Bacia Potiguar (principalmente na Formação Barreiras) e em rochas do Vulcanismo Macau, as estruturas apresentam marcadores que indicam condições de deformação muito rasas e bastante recentes, sendo

S N

PRANCHA 5-2

FOTOGRAFIA 1: Ortognaisse bandado afetado por uma falha

tardibrasiliana, transcorrente sinistral, originada em regime dúctil/frágil, na qual está alojado um dique de pegmatito. A falha, que possui direção NW-SE, provoca o arrasto do bandamento do ortognaisse. Região de João Câmara (RN).

FOTOGRAFIA Diques de diabásio alojados em fraturas E-W,

correlacionados ao Vulcanismo Rio Ceará-Mirim (RCM), de idade juro-cretácea, na região da Grota da Fervedeira (RN).

2:

FOTOGRAFIA Trecho do afloramento de Afonso Bezerra (RN)

estudado por Oliveira et al. (1993), caracterizado por uma estrutura-em-flor positiva NW-SE, com componente direcional dextral, afetando as camadas do Calcário Jandaíra.

3: FOTOGRAFIA Falha transcorrente dextral N-S, contendo

goethita e afetando ortognaisse bandado. A cinemática dextral é inferida pelo escalonamento de juntas distensionais de direção NNE-SSW, também contendo goethita. O ângulo menor que 45º entre a junta distensional e a falha sugere transtração. Região da Grota da Fervedeira (RN).

4:

FOTOGRAFIA 5: Basculamento acentuado afetando as camadas da seção basal da Formação Barreiras em Icapuí (CE). Notar o

espessamento do nível conglomerático (cong) em direção a NE. O basculamento e o espessamento sedimentar podem ter sido causados por uma falha lístrica de direção NW-SE e mergulho para SW, não representada na fotografia.

cong

NE SW

PRANCHA 5-3

G

C

FOTOGRAFIA 2: Falha distensional, com estilo hidroplástico.

Notar o processo de boudinage sigmoidais e a formação de estruturas S-C indicando transporte tectônico para NW. O cabo do martelo aponta para o norte. Região de Icapuí (CE).

FOTOGRAFIA 4: Fratura de direção NE-SW preenchida

originalmente por goethita (G) e reativada em estágio posterior, com preenchimento por calcita fibrorradial (C). Região da Grota da Fervedeira (RN).

FOTOGRAFIA 5: Falha transcorrente sinistral de direção WNW-

ESE exibindo estruturas em dominó preenchidas por calcita placosa. Região da Grota da Fervedeira (RN).

FOTOGRAFIA 1: Falhas distensionais planas de direção N-S a

NNW-SSE, dispostas em um arranjo em dominó, afetando a seção basal da Formação Barreiras na região de Icapuí (CE). Notar o basculamento das camadas da Formação Barreiras induzido pelo falhamento.

S C

boudin boudin

SE NW

FOTOGRAFIA 3: Dobramento suave, simétrico, afetando as camadas da seção basal da Formação Barreiras na região de Icapuí (CE).

Notar o desenvolvimento de planos de clivagem S1 (traços em azul), relacionada à dissolução mineral dos arenitos.

ESE WNW

S0 S1

comum o desenvolvimento de fraturas afetando litologias limonitizadas e/ou de estrias em material argiloso (Coriolano et al. 1997; Coriolano 1998; Almeida & Jardim de Sá 2001). O regime de compressão E-W provoca uma nova fase de reativação no Sistema de Falhas de Afonso Bezerra, que passa a deslocar-se com cinemática oblíqua, distensional + transcorrent e sinistral (Fonseca 1996; Dantas 1998; Dantas et al. 1999). No embasamento cristalino pré-cambriano, a geração de novas fraturas parece ser bastante restrita ao nível da superfície atual, como no caso da Falha Sísmica de Samambaia, em João Câmara (RN) (Coriolano et al. 1997; Coriolano 1998). A situação mais comum, no embasamento cristalino, é a reativação da trama de fraturas preexistentes (cambrianas, juro-cretáceas, paleógenas/neógenas – prancha 5-3, fotografia 4), como observado em sítios localizados (Equador, Grota da Fervedeira, João Câmara – figura 5-10), como denotado por marcadores muito jovens e de nível crustal raso (precipitados carbonáticos – prancha 5-3, fotografia 5, ou preenchimentos por cascalho; Coriolano et al. 1997; 2000; Menezes & Jardim de Sá 1999), ou por feições morfotectônicas (Nascimento da Silva & Jardim de Sá 2000).

5.4 – ANÁLOGOS ESTRUTURAIS PARA O CAMPO DE XARÉU: LEVANTAMENTOS DE CAMPO DA