• Nenhum resultado encontrado

Secretários propõem “plano C” ao MinC representantes dos estados do

Centro-oeste e de Tocantins sugerem a Gilberto Gil novo modelo de financiamento, diferente de todas as propostas até agora apresentadas.

Os secretários estaduais de Cultura da região Centro-oeste e de Tocantins reuniram-se com o ministro Gilberto Gil e apresentaram uma nova proposta de financiamento à cultura, diferente dos fundos estaduais, sugeridos pelo MinC, e das leis de incentivo fiscal a patrocinadores, mecanismo predominante atualmente.

Eles propõem que o sistema de financiamento público à cultura parta do modelo do Fundo de Investimento em Cultura (FIC), do Mato Grosso do Sul. “Vou levar toda a documentação do FIC para que o Ministério possa utilizá-lo da mesma forma que nós usamos aqui”, diz o secretário de Cultura sul-mato-grossense, Sílvio Nucci (CRESPO, 30/07/2003)

Diferente da proposta inicial do MinC, de criação de fundos geridos

pelas secretarias estaduais de cultura, Nucci sugere que o Fundo Nacional de Cultura destine metade de suas verbas a projetos do governo federal (como o Monumenta e o Documenta). A outra metade seria dividida entre os estados, proporcionalmente ao PIB (Produto Interno Bruto) e à arrecadação de cada um. Na proposta original do MinC, os fundos estaduais seriam abastecidos com uma porcentagem fixa de ICMS (cerca de 0,5%) em cada estado.

Essa proposta já vem sendo discutida entre os secretários da região

Centro-oeste desde maio, quando formaram, juntamente com o Estado do Tocantins (que pertence à região Norte), um grupo de desenvolvimento de políticas culturais conjuntas. Os secretários ouviram a comunidade cultural da região, em reuniões públicas, e escreveram, durante o seminário Cultura para Todos da cidade de Bonito (MS), um documento intitulado “Carta de Campo Grande”, entregue “A nossa pauta 147

é a reivindicação de que os estados do Centro-Oeste tenham sua parte na divisão do bolo, [...] deforma justa. Que o dinheiro arrecadado em MS, destinado à Lei

Rouanet,

fique aqui, que não vá para o eixo Rio-São Paulo”, afirma Sílvio Nucci. Além dele, participaram da reunião com o ministro os secretários Benedito Paulo de Campos (MT), Pedro Henrique Bório (DF), Nars Nagib Sayad Chaul, presidente da Agência Goiana de Cultura, e Meire Maria Monteiro Reis, presidente da Fundação de Cultura do Tocantins.117

Durante audiência pública realizada no Senado Federal no dia 09/11/

2003, o presidente da Comissão de Educação, senador Osmar Dias (PDT-PR), leu

publicamente documento escrito pelo presidente da Ancine (Agência Nacional de Cinema), Gustavo Dahl, solicitando a elaboração de um pesquisa detalhada sobre o funcionamento das leis estaduais de incentivo à cultura. O requerimento foi

aprovado

primeiramente pelos participantes da audiência e depois pela própria Comissão (Gazeta Mercantil: 10/11/2003)

A cultura não é do Estado, é do povo. Depende essencialmente da

iniciativa das pessoas, artistas, escritores, igrejas, terreiros de candomblé, sinagogas, empresas, clubes populares, escolas, bibliotecas públicas, movimentos de leitura, sindicatos, escolas de samba, maracatus, CTGs, bandas de música das cidadezinhas do interior, orquestras de música erudita, institutos históricos e geográficos,

academias de letras, universidades, de todas as instituições do nosso País.

O Estado pode e deve apoiar a cultura. Contra os preconceitos estatistas

de alguns, estes últimos oito anos provam também que o Estado não deve jamais dirigir a cultura. Mais do que isso: não deve jamais tentar dirigi-la; porque, de fato, mesmo que o queira, jamais conseguirá dirigir uma cultura que é, em si mesma, expressão da liberdade do povo. Cremos que é este o caminho a seguir. E esperamos que o novo governo tenha êxito.

Uma das principais críticas que têm sido feitas à antiga administração

Weffort refere-se ao uso excessivo das leis de incentivo fiscal, no lugar de uma atuação mais direta do Ministério da Cultura. O problema é que essas leis carregam algumas distorções. Como o investimento é determinado pelas empresas, os projetos que não atendem à estratégia de marketing empresarial, ou que de alguma forma não podem ser úteis a nenhuma empresa, estão virtualmente excluídos da

possibilidade de obter financiamento, ainda que tenham notável qualidade artística.

Se observarmos os dados do MinC, vemos que essa exclusão é manifesta na

117 Jornal: Gazeta Mercantil: 10/11/2003.

148

concentração dos recursos das leis de incentivo no eixo Rio-São Paulo, que recebe 85% desses recursos.

Agora, entre os principais desafios do novo Ministério da Cultura, está a busca de recursos alternativos. O MinC tem o menor orçamento de todos os Ministérios: menos de 0,3% do orçamento total da União. De acordo com o programa

de governo do PT para a cultura, intitulado A Imaginação a Serviço do Brasil, a nova equipe do Ministério deverá atuar mais diretamente no campo cultural, para que o setor não dependa apenas das leis de incentivo. A busca pelos recursos se dará principalmente por meio de parceria com os demais Ministérios e com a iniciativa privada. Além disso, o MinC estuda também a possibilidade de implantar uma loteria cultural, com o objetivo de aumentar os recursos do Ministério.

O que foi dito, porém, é suficiente para colocar em discussão um outro

aspecto tão importante quanto inovador. Trata-se da questão do financiamento da cultura. Desde meados de 1995, o Governo Federal vem implementando, na

área cultural, uma vigorosa política de parceria entre o Estado brasileiro, os produtores culturais e a iniciativa privada. Tal política se apóia na legislação de incentivo fiscal às atividades artísticas e culturais e permite, no caso do cinema, que os investidores privados deduzam 100% do que aplicam e, no caso das outras áreas culturais, entre 66 e 76%, dependendo da natureza das empresas, podendose chegar aos mesmo 100% para o caso das artes cênicas, música erudita e

instrumental, livros de arte, acervos de museus, itinerância de exposições de artes plásticas e acervos de bibliotecas públicas. É uma política fiscal generosa e adequada pois, em função do conhecido déficit fiscal do Estado brasileiro e das enormes carências de recursos para áreas prioritárias, as empresas privadas são convidadas a se associarem ao Governo Federal e aos produtores culturais para garantirem o desenvolvimento da cultura.

Com efeito, a partir de importantes reformas introduzidas em 1995 e

1996 na legislação de incentivo fiscal à cultura, e só a no plano federal, onde o incentivo ocorre a partir de deduções no Imposto de Renda dos patrocinadores privados, o Governo atraiu investimentos que ultrapassaram os 180 milhões de reais nos dois primeiros anos de administração. E a atual política de

financiamento da cultura está longe de se limitar apenas a estimular os

investimentos privados na área. O Governo Federal reconhece que também lhe cabe papel fundamental no financiamento a fundo perdido da cultura,

particularmente no que diz respeito às atividades que, pela sua natureza, não chegam ou não têm atrativo no mercado.

149

Por essa razão, pela primeira vez em muitas décadas, aumentou-se em

mais de 100% o orçamento do Ministério da Cultura de um ano para o outro, fazendoo

passar de R$ 104 milhões, em 1995, para R$ 212 milhões, em 1996.

Além disso, através de suplementações orçamentárias e de um acordo

inédito com o BID, ao final de quatro anos, em 1998, o Governo Federal aplicou quase 300 milhões de dólares no restauro de sítios históricos e na recuperação de áreas urbanas, em vários estados do País, onde há forte interação entre a cultura e partes do tecido urbano deteriorado ou em deterioração. Ainda, através de

investimentos diretos, o Ministério da Cultura tem apoiado a recuperação de arquivos

públicos, fomentado produções na área das artes cênicas, estimulado a renovação e a consolidação de orquestras sinfônicas e apoiado a reforma de museus, teatros e espaços culturais de natureza diferentes. São todos sinais de que o Estado e a sociedade percebem, cada vez mais, a importância da cultura para a qualidade de vida das pessoas.

Tal política de financiamento é adequada à realidade cultural brasileira?

Para justificá-la, podemos mencionar algumas razões. O Brasil é um País de cultura extremamente rica e diversificada. A origem dessa característica está no peculiar processo de formação da sociedade brasileira, que, desde o seu nascimento no século

XVI, recolheu a generosa contribuição de povos e etnias tão diferentes quanto os índios autóctones, os portugueses descobridores, os africanos feitos escravos e, depois, franceses, espanhóis, holandeses, italianos, japoneses, árabes e tantos outros que, como conquistadores ou aventureiros, vieram deixar a sua marca cultural aqui, acrescentando valores novos aos trazidos pelos pioneiros desbravadores.

Tudo isso fez da cultura brasileira um formidável e curioso caleidoscópio,

em que se mesclam raças e se misturam múltiplas concepções de vida, expressando uma enorme variedade de influências. O mais interessante, no entanto, é que toda essa diversidade não implica, ao contrário do que ocorre em algumas sociedades, conflitos ou exclusões de qualquer natureza em relação ao diferente, isto é, àqueles que expressam identidades culturais distintas. Ao contrário, uma das mais

extraordinárias características da cultura brasileira está em seu caráter acolhedor e integrador. É um sinal de que, no Brasil, as diferentes origens do povo brasileiro servem para integrá-lo e não para excluí-lo ou dividi-lo.

Por isso mesmo, é indispensável que a política de financiamento da

cultura, no Brasil, seja vigorosa o suficiente para impulsionar o seu desenvolvimento e, ao mesmo tempo, capaz de assegurar a realização plena da riqueza e diversidade formadoras da sua matriz. Com efeito, o financiamento da cultura em Países

150

pluriculturais como este tem de ser tarefa de fontes distintas de financiamento: o Estado, os produtores culturais e as empresas privadas. Isso assegura tanto que o interesse público seja preservado, através da ação do Estado, como que a sociedade civil possa intervir no processo de criação artística, através de seus projetos e de seus investimentos.

A política de parceria é o fundamento da atual política cultural que se baseia na essência da cultura brasileira, isto é, a sua riqueza e diversidade.

5

CONSIDERAÇÕES FINAIS – POR UMA POLÍTICA CULTURAL

É realmente muito reduzida a atenção dada por políticos em geral e

cientistas sociais às políticas públicas da área cultural, sejam elas oriundas de órgãos federais, estaduais ou municipais. No âmbito das Ciências Sociais, raras são as pesquisas sobre o assunto, cabendo destacar a de Sergio Miceli e Maria do Carmo Campelo de Souza sobre a atuação do Ministério da Educação e Cultura, e as realizadas pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas da Fundação Nacional de Arte. Essa carência, possivelmente, é um reflexo do pouco desenvolvimento, que ainda existe entre nós, dos estudos empíricos de políticas públicas em geral, com a exceção, obviamente da maior importância, dos estudos sobre políticas econômicas (embora geralmente realizados pelos próprios economistas, e não por sociólogos,

antropólogos e cientistas políticos).

Também no âmbito da vida política, e apesar de estarmos às vésperas

das eleições municipais, raríssimos são os candidatos que têm algo a dizer sobre o assunto. E quando o fazem, é sempre em nível bastante acentuado de generalidade e falta de informação adequada.

Evidentemente, é compreensível que a política cultural não ocupe lugar de destaque na agenda pública de uma sociedade que enfrenta ainda muitos problemas fundamentais de organização democrática. Não se trata, portanto, de apontar a baixa visibilidade do assunto como uma simples crítica, mas como constatação da necessidade de ações corretivas no sentido de retirar a política cultural

do relativo limbo em que se encontra, e trazê-la para o debate político e acadêmico.

E era exatamente esta a preocupação que os organizadores deste seminário tinham em mente quando resolvemos promovê-lo. A nossa expectativa é que o interesse pelo tema venha a aumentar muito em breve, e que outras iniciativas possam somarse

a esta.

Meu segundo comentário, já agora abordando diretamente o assunto, é

que não me parece adequado falar sobre a existência de uma política cultural no País, hoje em dia, da mesma maneira como, por exemplo, se fala da existência de uma política econômica, com suas características de comando centralizado, metas definidas e aferição de resultados. Melhor seria, na verdade, falar sobre a existência de políticas culturais.

Essas políticas públicas são implementadas por órgãos os mais variados,

que mantêm poucas relações entre si. Nem todos os órgãos federais que atuam na 152

área, por exemplo, estão no Ministério da Cultura, e nem todos os órgãos culturais desse Ministério estão em sua Secretaria da Cultura. E isto sem falar dos órgãos estaduais e municipais, alguns dos quais – como os do Estado e da cidade de São Paulo – têm orçamentos bem maiores do que os seus similares federais. Aliás, a pobreza dos orçamentos destinados à área cultural é mais um componente desse quadro,

que bem revela a baixa prioridade da política cultural nos planos governamentais da União e da quase totalidade dos estados. Some-se a isso, também, o fato de

inexistirem

diretrizes claras sobre os limites da intervenção do Estado na área cultural, o fato de inexistir uma ideologia, democraticamente aceitável, que possa legitimar e orientar essas ações, o que provoca, em muitos casos, ou um confronto aberto de posições radicalmente antagônicas levando à paralisia decisória, ou certa tendência a evitar projetos mais ousados e a privilegiar grande número de pequenas ações, que, se não ajudam muito o desenvolvimento cultural, também não prejudicam demais...

Disto resulta uma atuação das agências de fomento da área cultural com

duas características fundamentais. Em primeiro lugar, essa atuação é clientelística, pois se restringe a atender, de maneira geralmente passiva (donde a ausência de dirigismo), as demandas da clientela própria da área artística em geral. O objetivo dessas demandas é sempre o mesmo: recursos financeiros para um determinado projeto cultural. Em recente artigo, adequadamente intitulado “Artista precisa é de

dinheiro”, o cineasta Arnaldo Jabor citava a opinião de Orson Welles sobre a matériaprima

dos cineastas: “De l’argent, monsieur, de l’argent”.

Mas se a demanda é sempre a mesma, a clientela é no entanto bastante

variada: órgãos públicos os mais diversos, fundações culturais, associações de bairro,

organizações profissionais, artistas, produtores, diretores, etc. E essa multiplicidade de clientes acaba fazendo com que a atuação dessas agências, por força da

distribuição fragmentária de recursos, assuma uma acentuada natureza pluralista.

De fato, a crítica de “sectarismo” não é formulada contra essas agências, que normalmente gozam de apoio sensível nas suas respectivas clientelas.

A segunda característica fundamental dessas agências, além de seu

clientelismo pluralista, é o seu caráter assistencial: elas tendem a apoiar atividades que, por várias razões, encontram grandes dificuldades para sobreviver no mercado da indústria cultural. É o caso, por exemplo, do teatro, da ópera, da dança, do circo, da música de concerto, de algumas manifestações das artes plásticas, e do chamado

“folclore” em geral. Aliás, essa atividade assistencial não é própria apenas do caso brasileiro, pois a literatura existente a evidencia como sendo universal,

independentemente do tipo de sistema econômico da sociedade.

153

É preciso destacar, ainda, que a ausência de uma política cultural definida por parte do Estado, e de uma estrutura organizacional hierárquica, gerou uma autonomia bastante ampla para essas agências, autonomia que foi ainda mais acentuada pelo fato de alguns setores da sociedade as terem adequadamente percebido como “agências de socialização política” ou “aparelhos ideológicos do Estado” e, pois, como arenas políticas, como espaços a serem democratizados. Da multiplicidade de atores assim envolvidos no processo de decisão dessas agências, resultou um insumo constante de novas idéias, muitas das quais deram origem a um número expressivo de programas e projetos culturais de inegável qualidade.

Apesar dos inevitáveis “acidentes de percurso” da difícil fase política atualmente vivida no País, o fato é que o saldo da ação dessas agências, a julgar pela própria opinião de seus muitos beneficiários, e da imprensa em geral, é nada desprezível.

Diria mesmo que é positivo.

No documento LEI JEREISSATI ( 1 9 9 5 a 2 0 0 3 ) (páginas 125-130)

Documentos relacionados