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LEI JEREISSATI ( 1 9 9 5 a 2 0 0 3 )

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

MESTRADO EM POLÍTICA PÚBLICA E SOCIEDADE

LEI JEREISSATI ( 1 9 9 5 a 2 0 0 3 )

GÊNESE, CARACTERÍSTICAS E PERSPECTIVAS:

DAS CRÍTICAS ÀS PROPOSIÇÕES

MARCOS VIEIRA

Fortaleza – Ceará

Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Mestrado em Política Pública e Sociedade, da Universidade Estadual do Ceará – UECE, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

MESTRADO EM POLÍTICA PÚBLICA E SOCIEDADE

LEI JEREISSATI ( 1 9 9 5 a 2 0 0 3 )

GÊNESE, CARACTERÍSTICAS E PERSPECTIVAS:

DAS CRÍTICAS ÀS PROPOSIÇÕES

ORIENTADOR

PROF. DR. HORÁCIO FROTA MARCOS VIEIRA

Fortaleza – Ceará

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

MESTRADO EM POLÍTICA PÚBLICA E SOCIEDADE

LEI JEREISSATI ( 1 9 9 5 a 2 0 0 3 )

GÊNESE, CARACTERÍSTICAS E PERSPECTIVAS:

DAS CRÍTICAS ÀS PROPOSIÇÕES

ORIENTADOR: Prof. Dr. Horário Frota ALUNO: MARCOS VIEIRA

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BANCA EXAMINADORA

______________________________________________

Orientador

______________________________________________

1o Examinador

______________________________________________

2o Examinador

______________________________________________

3o Examinador

Defesa em ______ de ______ de______

AGRADECIMENTOS

Inicialmente, agradeço aos meus pais, pelo incentivo ao estudo, especialmente minha mãe que, mesmo não estando mais entre nós, reconheceria mais este passo na minha aprendizagem.

Ao meu filho Ravel Vieira e irmãos Marta, Márcio e Mário, pela compreensão e o afastamento físico em muitos momentos para a produção deste trabalho.

Agradeço com muito carinho, a Angélica Luz, uma das pessoas que mais me incentivaram e ajudaram neste esforço de pesquisa.

A todos os companheiros e companheiras de minhas experiências como gestor público municipal, tanto no

Município de Itapipoca, como no Município de Maranguape;

agradecimentos especiais a Antônio Pinheiro, Nair Soares, Flávio Paiva, Marcelo Silva, Virgínia Carvalho, Manoel Severo, Leandra Assunção, Cláudia Marinho e tantos outros.

Agradeço a paciência do meu orientador, Prof. Dr. Horácio Frota, e a todos os professores do Mestrado em Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará, em especial à professora Elba Braga Ramalho.

Agradecimentos especiais à FUNCAP – Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pelo apoio dado a esse trabalho.

Finalmente agradeço a todos os que contribuíram – artistas, produtores culturais, empresários entrevistados; responsabilizome diretamente pelas imperfeições que tenha cometido no

decorrer desse trabalho.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 9

1 REVISÃO DE CONCEITOS ... 11

1.1 Cultura e indústria cultural ... 11

1.2 Oriegens do mecenato privado ... 13

1.3 Mecenato e incentivo fiscal ... 17

(4)

1.4 A economia da cultura ... 19

1.5 Crescimento da oferta de bens culturais ... 22

1.6 Vantagens e desvantagens do mecenato privado... 26

2 ESTRUTURA E CARACTERÍSTICAS DA LEI JEREISSATI ... 39

2.1 Elementos comuns ao Fundo Estadual de Cultura e ao Mecenato Estadual ... 39

2.2 A prioridade para os “produtos” culturais ... 58

2.3 Os créditos publicitários do Estado e dos demais envolvidos no projeto cultural ... 60

2.4 A prestação de contas ... 61

2.5 As punições decorrentes de atitudes ilegais ... 62

2.6 A possibilidade de recorrer das decisões ... 63

2.7 O Fundo Estadual de Cultura-FEC... 64

2.8 As finalidades e os beneficiários ... 66

2.9 A gestão do FEC ... 70

2.10 Os recursos disponíveis no FEC... 72

2.11 O período de funcionamento do FEC ... 74

2.12 O mecenato estadual ... 75

2.13 A doação ... 77

2.14 O patrocínio ... 80

2.15 O investimento ... 81

2.16 Os recursos ... 82

2.17 A gestão do mecenato cearense ... 86

2.18 O período de funcionamento ... 89

3 VISÕES DIVERSAS ... 90

3.1 Panorama nacional ... 90

3.2 Os números da cultura ... 92

3.3 Política cearense para o setor ... 93

3.4 As sugestões de especialistas ... 94

3.5 Ex-Secretário de Cultura, Paulo Linhares ... 95

3.6 Ex-Secretário de Cultura, Nilton Almeida ... 104

3.7 Entrevista com a atual Secretário de Cultura, Cláudia Leitão ... 116

4 PERSPECTIVAS DAS LEIS DE INCENTIVO – DINHEIRO PARA A CULTURA ... 123

4.1 Leis ... 146

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS – POR UMA POLÍTICA CULTURAL ... 151

5.1 Indústria cultural ... 153

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 155

ANEXOS ... 160

INTRODUÇÃO

A chamada globalização, além de enfraquecer e desmantelar estados

nacionais, traz a mundialização da cultura, tão alardeada e anunciada nas últimas décadas. Como enfrentar o desafio de perceber a cultura não somente como fruição de poucos afortunados e intelectuais, mas como necessidade de uma visão nova das

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políticas públicas para o setor?

Ao analisar a Lei Jereissati, de 1995 a 2003, período do seu surgimento,

apogeu e declínio, motivado agora por uma reformulação contida no Plano Estadual de Cultura da SECULT, que tentará reorganizar a referida Lei, cujo que o mais importante é que com esse recorte histórico conseguimos visualizar as nuanças em três administrações diferentes.

Inicio o trabalho fazendo uma revisão de conceitos fundamentais para o desenrolar da dissertação, como o de cultura e indústria cultural, mecenato e economia

da cultura; tentando avançar conceitual e praticamente na construção de políticas públicas que venham a tratar a cultura como elemento fundante em nossa sociedade e nas prioridades das políticas públicas em nosso Estado e País, certamente um histórico das leis de incentivos fiscais no Brasil, que não pretende de maneira nenhuma detalhar todos os aspectos históricos relativos ao tema, mas, dá alguns sinais que facilitam a localização histórica em nosso País e em nosso Estado.

Baseado

na única pesquisa, feita sobre a economia da cultura no Brasil pela Fundação João Pinheiro, de Minas Gerais, houve possibilidade de, efetivamente dimensionar os impactos da cultura no Brasil, e, principalmente, captar as perspectivas dessas atividades em nosso País.

No segundo capitulo, analisamos gênese, estrutura e características da Lei Jereissati; neste momento, o trabalho do professor Humberto Cunha, como advogado,

operador do Direito, foi importantíssimo para que pudesse defrontar nossa análise de cunho mais qualitativo e sociológico ao seu esforço de detalhar juridicamente a Lei de Incentivo Fiscal à cultura do Ceará – Lei Jereissati. Certamente a experiência do autor como secretário de cultura de Guaramiranga, cidade serrana do Ceará,

enriqueceu

mais ainda sua análise e possibilitou que tivéssemos a possibilidade de expor um pouco dos resultados de entrevistas com artistas, produtores e empresários sobre algumas dificuldades com a Lei Jereissati, assim como refletir criticamente sobre alguns problemas e imperfeições. O que Humberto Cunha realizou como jurista destacado do Direito cultural conseguiu-se se detectar com depoimentos. Cabe-nos

destacar que o nosso interesse não é de maneira nenhuma identificar a Lei Jereissati como experiência maléfica para a cultura do Ceará, ao contrário, o esforço é de detectar

imperfeições e problemas, e ousar indicar proposições para o aperfeiçoamento da referida Lei para o engrandecimento de nossa cultura.

No capítulo três, várias perspectivas sobre a temática que envolve a Lei

Jereissati, desde o implementador, Paulo Linhares, passando pela administração de Nilton Almeida, até chegar à administração de Cláudia Leitão, atual Secretária. As opiniões, muitas divergentes, propiciaram ter um painel das visões variadas em

(6)

cima da temática em questão e enriqueceram muito o trabalho.

As perspectivas contidas na quarta parte da dissertação é a tentativa de

expor, mesmo que sucintamente, as várias possibilidades das leis de incentivo no Brasil e em específico no Ceará, tanto com a reforma tributária, elaboração do Plano Estadual de Cultura, a quase total paralisação da Lei Jereissati no Ceará e a possível reativação em novos moldes previstos no Plano Estadual de Cultura, fruto de um encontro intitulado Cultura XXI, que contou com vários setores culturais do Estado e muitos encontros no interior, visando também a fundamentar estratégias mais propícias para a cultura no Ceará e logicamente para a reconstrução da proposta da Lei Jereissati; porém, o mais importante neste capítulo é a tentativa de superar as críticas e ousar nas proposições. Este é o maior desafio.

Nas conclusões do trabalho, mais uma vez reafirmamos o caráter

incompleto do trabalho, mas, novamente, explicitamos o esforço de transformar as conclusões num momento de firmar propostas exeqüíveis para a incrementação da Lei Jereissati; e, quem sabe, fortalecer a idéia de uma política cultural em que o incentivo fiscal seja uma parte complementar importante, não a alternativa, e o orçamento estadual contemple a cultura em sua dimensão estratégica e de pilastra para um desenvolvimento sustentável e sadio.

1

REVISÃO DE CONCEITOS 1.1 Cultura e indústria cultural

Ao iniciar esse trabalho, faz-se necessário entrar no labirinto complexo

de um conceito de cultura, ou vários, de acordo com o enfoque que se queira dar.

Dentro do que nos propusemos, partiremos de uma definição de Cultura utilizada pela UNESCO,1 que tenta traçar ações estratégicas que a insiram no panorama político do Brasil. Segundo essa orientação, cultura pode ser entendida como um conjunto de características distintas, espirituais, materiais, intelectuais e afetivas que caracterizam uma sociedade ou um grupo social. Abarca, além das artes e das letras, as atividades, os sistemas de valores, as tradições e as crenças. Ela é o modo de vida distintivo de um povo, grupo ou sociedade. A cultura a tudo se vincula e aí está seu papel único, transformador e estruturante.2

Essa orientação dada pela UNESCO aproxima-se muito da tradição

antropológica de definir cultura em sua dimensão mais ampla e como manifestação material e imaterial do indivíduo e do seu grupo social.3

Nosso trabalho, contudo, pretende identificar os agentes culturais e suas

relações com as políticas públicas da área cultural, delimitando-os dentro das suas relações com a realidade que o circunda e são eles: agentes culturais, os grandes interessados em fomentar a diversidade, a manutenção de uma cadeia produtiva, a informação aos profissionais e o intercâmbio dos elementos do mercado e da cultura em geral, e procurar identificar os grupos que integram esse segmento. Cada um

(7)

desses agentes possui um papel distinto, complementar e fundamental na composição

de um setor cultural rico e produtivo, que contribua para o desenvolvimento social e econômico do País: criadores e produtores culturais: artistas, criadores; produtores, técnicos e demais profissionais envolvidos com o fazer cultural; organizações

culturais: centros culturais, fundações, organizações culturais públicas, privadas e do terceiro setor; empresas investidoras – empresários e profissionais de empresas envolvidos com o investimento em cultura; poder público – órgãos do governo e os profissionais da gestão pública de cultura, responsáveis pela formulação e gestão

1 Organização das Nações Unidas Para a Educação, Ciência e Cultura.

2 UNESCO; 2001. p. 21.

3 Ver os trabalhos de toda a tradição antropológica.

12

de políticas culturais; imprensa cultural – veículos de comunicação de conteúdo cultural, jornalistas e críticos do setor; meio acadêmico – estudiosos sobre o tema;

público de cultura – todos que devem experimentar e vivenciar a cultura.4 O capitalismo tardio brasileiro é denominado de pós-moderno

(JAMESON, 1996), sociedade do espetáculo (DEBORD, 1997) ou ordem do simulacro (BAUDRILARD, 1995), que as indústrias de bens simbólicos alcançam um local estratégico. Não sem razão, a indústria cultural e seus produtos vêm recebendo renovada atenção de pensadores das mais diversas áreas (Antropologia, Economia, Sociologia, Comunicação, Psicologia) e no cruzamento entre elas.5 A cultura neste trabalho terá um recorte voltado pra sua dimensão

econômica, sendo meramente operacional, pois bem sabemos da impossibilidade de separar esta dimensão de outras(simbólicas, estéticas e ideológicas).6

A “indústria cultural” é concebida por Adorno e Horkheimer, em 1947 e traduzido no Brasil com o título de Dialética do esclarecimento.7 De um modo geral, a teoria crítica desenvolvida pela Escola de Frankfurt é um instrumento teórico

importante para a compreensão e crítica a essa racionalidade cínica e tecnicista que impera nesses tempos dos novos liberalizantes da economia e da realidade

sociocultural (JIMENES, 1977, p. 28).

A industrialização da cultura é a faceta da barbárie moderna, a ocupação do mundo da cultura pelo mundo administrado; criando uma mercantilização exacerbada vinculando-a a uma lógica mercantilista e racionalizada. Os produtos da indústria cultural são incorporados pelo mesmo conceito que qualquer bem de consumo possui no mercado (RÜDIGER, 1999, p. 17).8

A cultura industrializada, cultura de massa, segundo Edgar Morin, tem

uma conotação diferenciada pelo autor francês, que reconhece nos produtos do mass culture o que ele denomina de Terceira Cultura; uma cultura não apenas tão legítima

4 Ver o IP – Instituto Pensarte – IP atua incisivamente na discussão, análise e proposição de políticas culturais, por considerá-las componentes essenciais na estruturação social e base para o desenvolvimento do País. A política cultural pode ser entendida como “programa de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis, entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de satisfazer as necessidades

(8)

culturais da população e promover o desenvolvimento de suas representações simbólicas”, como nos ensina Teixeira Coelho. É por meio de políticas culturais bem elaboradas que se fazem possíveis a plena atuação de todos os agentes culturais e o desenvolvimento da espiral cultural.

5 BARBALHO: 2003. P 09.

6 Idem. P.10

7 OP. Cit. BARBALHO: 2003 . P.10 “ O conceito de indústria cultural foi elaborado por Adorno e

Horkheimer para demarcar terreno com o de cultura de massa, uma vez que possibilita tanto a idéia de uma cultura surgida no meio da população, detentora de seu processo produtivo, quanto a de uma cultura de acesso democratizado”.

8 Idem.

13

quanto as clássicas e as nacionais, mas que representa “ a corrente verdadeiramente maciça e nova deste século” (MORIN, 1981, p. 16).

Ao contrário de Adorno e Horkheimer, Morin vê na mercantilização da

cultura um aspecto secundário. Na realidade, se mercadoria ou não, o que determina a terceira cultura é a introdução da técnica na sua produção, ou seja, por ser”

produzida

segundo as normas maciças da fabricação industrial” (MORIN, 1981, p. 14). Sem dúvidas, o trabalho de Alexandre Barbalho9 faz um apanhado muito bem feito das categorias básicas dos frankfurtianos e da crítica de Morin, acentuando muito bem o fato de que o último é imprescindível para o estudo da indústria cultural, sem cair numa apologia da cultura de massas.

Barbalho traz também a necessidade de compreender a indústria cultural

como participante direta da acumulação de capital, na medida em que, ao permitir a ampliação da produção de bens culturais, possibilita, em um primeiro momento, a satisfação de novas necessidades nos setores de maior poder aquisitivo para depois expandir este consumo para as camadas sociais médias e baixas.

Para finalizar, trazemos a contribuição do francês radicado no Brasil,

Alain Herscovici, ao ressaltar o valor simbólico do bem cultural, indissociável de seu valor econômico. Em seu livro Economia da cultura e da comunicação, Hersovici

traz, entre outras, a seguinte hipótese: “ A função do produto cultural é produzir sentido: o valor simbólico é determinante e precede, obrigatoriamente, o valor econômico (HERSOVICI, 1995, p. 32).10

As contribuições de Hersovici são muito pautadas nas obras de Pierre Bordieu, onde se coloca a importância de discutir o papel da legitimação e

diferenciação dos bens culturais na sociedade capitalista, bem como de reprodução e manutenção dos poderes políticos. Estas questões podem ser tratadas em outras oportunidades, o que nos obriga a reafirmar a impossibilidade de trabalhar os aspectos

econômicos isolados do simbólico e do político.11

1.2 Origens do mecenato privado

Não pretendemos fazer um histórico detalhado da história do mecenato12

brasileiro, enquanto o Estado foi o grande e único mecenas das artes no Brasil, pelo

9 BARBALHO: 2003.

10 Idem. P. 24 /25

(9)

11 Idem. P.30.

12 A origem vem da Roma antiga, de Caius Cilnius Mecenas, ministro de Caio Júlio Augusto, imperador de Roma. Segundo o advogado carioca Cândido Mendes: Caius mecenas como estrategista de talentos

14

menos desde o início do século XIX. Com a criação da Biblioteca Nacional, em 1810, por D. João VI, o mecenato privado teve escassa ou nenhuma expressão entre nós. Só a partir dos anos de 1940 e 50 do Século XX, ele começou a surgir e, assim mesmo, ficou restrito a alguns poucos empresários que se projetaram inicialmente como colecionadores particulares, às vezes, mais conhecidos por suas

excentricidades

do que pelas importantes obras de arte de que eram possuidores. 13

O desenvolvimento cultural brasileiro difere bastante daquele dos Estados Unidos, por exemplo, onde, desde fins do século XIX, o mecenato privado e a filantropia começaram a ganhar importância, ajudando a estabelecer uma tradição que culminaria, nas primeiras décadas deste século, na criação de instituições tão importantes como a Fundação Rockefeller, a Universidade de Chicago, a

Guggenheim

Memorial Foundation, o Instituto Rockefeller de Pesquisa Médica, o Museu Guggenheim, além de iniciativas das famílias Vanderbilt, Morgan e Carnegie, às quais

se juntaram, mais tarde, a Ford e a MacArthur Foundations, a Chase Manhattan Collection, o Museu Whitney e outras menos conhecidas (NAVAS, Cássia, 1999).

Se o sentimento de responsabilidade por sua comunidade e a atitude de

não-dependência de indivíduos e organizações diante do Estado são, certamente, traços

marcantes da cultura americana, não se deve esquecer de que, na origem desse mecenato

privado, teve papel crucial a introdução, já em 1917, de generosa legislação de incentivo

fiscal à cultura que induziu a sociedade americana a consolidar uma cultura de mecenato, particularmente entre os indivíduos, isto é, as pessoas físicas que, segundo

a legislação de tax deduction, descontam 100% dos recursos que se destinem a projetos

de seus artistas ou instituições culturais preferidos. A legislação norte-americana de incentivo fiscal à filantropia, em cujo âmbito estão incluídas as artes, só mudou, no que tange aos descontos permitidos às empresas ou corporações privadas, em 1986, isto é, quase setenta anos depois da sua introdução, quando um vigoroso mercado cultural já estava consolidado naquele País e, ainda assim, manteve-se o princípio de

múltiplos, é o responsável, entre 74 a.C. e 8 a.C , por uma política imediata de relacionamento entre governo e sociedade dentro do império. Para mecenas, as questões de poder e da cultura são indissociáveis e cabe ao governo a proteção às diversas manifestações de arte. Na equação de trocas, cabe à arte um papel no âmbito desse poder. Mecenas entende que o poder necessita se fazer cercar da criação artística e do pensamento, na busca de sua legitimidade. Neste sentido, são formados e mantidos os círculos de eruditos que gravitam em torno ministro e do governo. Cabe a este círculo a intermediação das idéias e ações

(10)

imperiais junto à população. Por sua influência e prestígio junto aos cidadãos, os eruditos emprestam credibilidade, ao mesmo tempo em que disseminam a cultura imperial. Por meio da implantação do que se convencionou chamar de “maneira grega de pensar o poder no coração do Império Romano”, Mecenas arquiteta um dos mais sutis e eficientes sistemas de legitimação do poder da História. Ao transformar filosofia e arte em pensamento oficial, o ministro da propaganda de Augusto inaugura formalmente uma relação que iria prosperar nos séculos seguintes.

13 WEFFFORT, Francisco e SOUZA, Márcio. Um olhar sobre a cultura brasileira. Rio de Janeiro:

FUNARTE, 1999.

15

deduções estabelecidas pela legislação de 1917, aliás, ampliado após o segundo pósguerra.

Tão importante quanto isso, no entanto, foi o fato de a legislação americana

do início do século impedir a existência ou a formação de trustes econômicos, o que obrigou empresas como a Standard Oil, de propriedade de John D. Rockefeller, por exemplo, a dividir o conglomerado em 1911 e orientar os seus proprietários a investirem

parte significativa de sua fortuna em artes e filantropia. Esses exemplos mostram o poder de indução de leis favoráveis à cultura, mesmo em contextos sociais

complexos

e competitivos, para a formação de fenômenos como o mecenato privado. Haja vista que, em 1995, por exemplo, as doações filantrópicas feitas por corporações,

fundações

e indivíduos, nos Estados Unidos, alcançaram a cifra astronômica de 150 bilhões de dólares, dos quais 7%, isto é, 10,5 bilhões foram destinados às artes e humanidades.

Mais surpreendente, no entanto, é o fato de que, desse total, 79,6% foram de doações

feitas por indivíduos.14

No caso do Brasil, bastante diferente dos Estados Unidos, o mecenato

privado só começou a dar os seus primeiros passos no fim dos anos de 1940 e início dos 50, quando surgiram exemplos como os dos empresários de origem italiana Francisco Matarazzo Sobrinho e Franco Zampari que, em 1948, criaram o Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM, como preparação para as comemorações do IV Centenário da Cidade, em 1954. O acervo inicial do MAM resultou de doações

de ambos e de outros mecenas privados que eles estimularam a seguir seu exemplo.

Os dois ainda criaram, em 1948, o Teatro Brasileiro de Comédia e a Cinemateca Brasileira e, em 1949, a Cia. Cinematográfica Vera Cruz. Além disso, Cecillo Matarazzo, como o primeiro era conhecido nos meios artísticos, teve papel importante

na criação da Fundação Bienal de São Paulo, em 1951, a mais importante mostra de artes plásticas da América Latina e uma das mais conceituadas do mundo; também atuou na formação do Museu de Arte Contemporânea – MAC, hoje pertencente à Universidade de São Paulo, quando ele, Zampari, e outros diretores do MAM desentenderam-se, provocando a divisão do acervo original em duas partes, a segunda

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delas sendo destinada ao MAC; mas não é um acaso que São Paulo, o maior centro industrial e econômico do País, tenha sediado esses primeiros ensaios de formação de um mecenato privado. As experiências de outros Países confirmam que a associação entre pujança econômica e o fomento às artes é um padrão de

desenvolvimento do setor. São Paulo conheceria a formação de outra importante instituição através do nascente mecenato privado. O prestigioso Museu de Arte de São Paulo – MASP foi criado pelo jornalista Assis Chateaubriand. Certos relatos a

14 IDEM. Ibidem.

16

seu respeito testemunham que não apenas doou algumas das obras mais importantes do acervo do museu em formação, mas que teria induzido outras pessoas de posses a fazê-lo usando um meio de pressão sobre elas bastante eficiente, embora

discutível:

como proprietário de uma das mais importantes cadeias de jornais brasileiros de sua época, os Diários Associados, pedia ou exigia a doação de obras de arte para o museu em troca da inserção de notícias em seus jornais ou de sua omissão, em casos de informações delicadas sobre eles. O caso é anedótico e provinciano, mas serviu para reforçar o nascente mecenato brasileiro. Depois, aos exemplos paulistas somaram-se, no Rio de Janeiro, outros como o de Paulo Bittencourt e Niomar Moniz Sodré, proprietários do Correio da Manhã. Eles criaram, em 1947, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM. E a partir de meados dos anos 50, outras empresas como a Shell, a Petrobrás e o Banco do Brasil interessaram-se também em investir em cultura como forma de divulgar os seus produtos e como meio de exercerem um papel socialmente relevante.15

Portanto há autores que avaliam de outra maneira essa postura empresarial:

É absolutamente compreensível que, dentro dos interesses

absolutamente imediatistas de mercado, o empresário não vá investir recursos numa atividade experimental ou de pesquisa de linguagem artística, interessando-se, quando muito, pela arte-produto já testada, de larga inserção na mídia e nem sempre de mérito artístico. Portanto, as leis de incentivo fiscal também concorrem para um certo modo mercantilista de fazer arte, sua vulgarização e todas as caricaturas, malefícios e distorções que daí advêm. O Estado brasileiro, que já cumpria de forma desleixada suas tarefas com relação à produção artística e cultural, vai se tornando cinicamente omisso. Todos sabemos que os recursos orçamentários e financeiros destinados ao fomento da atividade cultural, ora escasseiam , ora desaparecem, e pior, sob o abrigo dos diplomas legais passam a competir, em situação de evidente privilégio, buscando ele também, Estado, na iniciativa privada, os recursos financeiros de suas próprias políticas na área. O interlocutor, o arrecadador, o executor das políticas públicas ou será o empresário? (LEITÃO, 2003).

São reflexões da professora Cláudia Leitão feitas anteriormente no artigo

“A gestão estratégica e os novos significados da cultura no novo século”.16 E hoje,

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como Secretária de Cultura do Estado do Ceará, terá a oportunidade de reverter o

15 FERREIRA, Sérgio Dàndrea.O incentivo fiscal como instituto do direito econômico in Revista de Direito administrativo. Rio de Janeiro. Janeiro e março de 1998.

16 LEITÃO. Cláudia. Gestão cultural: significados e dilemas na contemporaneidade. Fortaleza. Banco do Nordeste. 2003, p.115.

17

grave quadro relatado. Certamente esses aspectos serão retomados, principalmente ao tratarmos mais especificamente da Lei de Incentivo do Ceará.

O debate traz à tona, porém, visões que discordam dessa perspectiva ao tratar das leis de incentivo. Vejamos:

(...) não considero acertadas as críticas dos produtores culturais de que as verbas da cultura estão nas mãos da iniciativa privada. O envolvimento entre o ente privado e o governo nas relações com produtores culturais e artistas criou uma profissionalização do mercado. Ora, Michelangelo cresceu em seu trabalho vivendo sob os auspícios de um mecenas e nem por isso deixou de fazer uma obra consistente e inovadora. Acreditamos que os artistas e produtores culturais brasileiros hão de chegar a esta profissionalização e aprender a utilizar o diálogo moderno (CESNIK e MALAGODI, 2002).

Portanto o debate apenas começou e já deu para perceber o espectro amplo de visões sobre a temática.

1.3 Mecenato e incentivo fiscal

Os exemplos brasileiros são escassos e não tiveram o impacto de seus

similares americanos do início deste século, mas mostram que, se as condições para o estabelecimento de uma cultura de mecenato privado são mais difíceis, no Brasil, elas não são irremovíveis. Com efeito, em meados dos anos de 1980, após a

democratização do País, o presidente José Sarney conseguiu introduzir, pela primeira

vez na experiência brasileira, uma legislação de incentivo fiscal à cultura baseada em um anteprojeto de lei que tramitava no Congresso Nacional desde os primeiros anos da década de 1970. A legislação era bastante liberal e apenas exigia, para viabilizar a captação de recursos privados para os projetos culturais, que a instituição

ou o produtor cultural solicitantes fossem previamente cadastrados pelo Estado, deixando as negociações sobre valores, formas de captação e uso dos recursos ao mercado, sem interferência do poder público.

A Lei Sarney, como ficou conhecida, teve duração curta, de 1986 a 1990, mas estima-se que tenha canalizado, em seus pouco mais de quatro anos de existência,

cerca de 110 milhões de dólares em apoio às artes e à cultura do País, embora não se conheça a distribuição desses recursos por sua origem e destino. A Lei, contudo, foi extinta, no início dos anos 1990, acusada de permitir ou facilitar fraudes, mas dois inquéritos administrativos ou judiciais sobre o seu funcionamento concluíram pela inexistência de qualquer irregularidade, segundo o próprio ex-presidente Sarney.

18

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O ineditismo da Lei Sarney, mesmo com todas as limitações e

imperfeições, vislumbrou a oportunidade de um mecenato marcado pela

impessoalidade e como elemento de uma política pública mais ampla. Reside neste aspecto, todavia, uma questão muito séria da distorção que acontece no Brasil em relação às leis de incentivos fiscais nos âmbitos federal, estaduais e municipais que é o de limitar a política pública ao incentivo fiscal e isentar o Estado de suas

responsabilidades, inclusive constitucionais, de garantir os direitos culturais ao todos.

A experiência criou, de qualquer modo, uma perspectiva para a tradição que, desde meados do Século XX, começara a se estabelecer e, mais tarde, influenciou a legislação introduzida pelo secretário de cultura da Presidência da República, embaixador Sérgio Paulo Rouanet, em 1991, cuja maior diferença em relação à lei Sarney são os mecanismos que, doravante, passaram a exigir que qualquer projeto a beneficiar-se de incentivos fiscais sejam previamente submetidos ao Estado. Não deixa de ser curioso que um governo ultraliberal e eminentemente antiestatista, como o do início dos anos 1990, tenha patrocinado uma legislação às vezes vista como intervencionista, mas o papel atribuído por ela ao Estado, na aprovação de projetos,

prevaleceu como política de parceria adotada pelo governo Fernando Henrique Cardoso (WEFFORT, 1999.)

A introdução dessa política mudaria o panorama cultural brasileiro

contemporâneo. A partir de 1995,17 o Estado começou a deixar de ser o único mecenas

da criação artística brasileira e as instituições culturais, os produtores e os artistas passaram a contar com novas fontes de financiamento de seus projetos. Isso resultou de mudanças na Lei Rouanet – chamada assim por causa do seu criador – cujo funcionamento, entre 1992 e 1994, foi muito precário, não tendo o seu volume de captação de recursos ultrapassado 6% dos quase 250 milhões de reais que o Estado disponibilizou como renúncia fiscal para o setor. De fato, a lei só pegou, como se costuma dizer na tradição brasileira, com as reformas de 1995, cujos principais objetivos foram: (a) ampliar o limite de descontos permitidos às empresas patrocinadoras de projetos culturais de 2 para 5% de seu imposto devido; (b)

desburocratizar os seus procedimentos, dando agilidade a autorização para captação de recursos e, finalmente, (c) estimular a formação de um mercado de inter-

mediação,

isto é, de venda de projetos às empresas, segundo padrões profissionais, uma tarefa necessária, para a qual artistas e produtores nem sempre estão suficientemente preparados para desempenhar.

17 É importante perceber que essa é data também do surgimento da “Lei Jereissati” no Ceará.

19

Essas reformas foram fundamentais para atrair mais e novas empresas

para o sistema de mecenato privado. Enquanto em 1994 elas não eram mais do que 72, em sua maioria bancos e empresas multinacionais, em 1995 elas somaram 235, pulando para 640 em 1996, e chegando a 1.125 em 1997. Nas novas condições da

(14)

lei, a lista passou a incluir, também, pequenas e médias empresas, que não se limitavam estritamente ao Sudeste que, desde a implantação do mecanismo e traduzindo as enormes desigualdades da estrutura econômica, regional e social brasileira em seu funcionamento, tem sido a região mais privilegiada na captação de recursos privados para a cultura. Por outro lado, as iniciativas do governo para criar um mecenato privado mais vigoroso não se limitaram às empresas privadas, mas atraíram decisivamente as empresas públicas também.18

1.4 A economia da cultura

De fato, desde 1995, por determinação do Presidente da República, os

Ministérios de Comunicações, Minas e Energia, Fazenda e outros orientaram as suas empresas para despender parcela significativa de seus recursos de publicidade no patrocínio a projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura. Isso

transpareceu, por exemplo, nos resultados de uma pesquisa encomendada pelo Ministério sobre as relações entre economia e cultura, segundo os quais o apoio de empresas públicas à cultura é contínuo, depois de 1995, como mostra o gráfico 2.

Isso, porém, beneficiou-se de uma conjuntura econômica e política particular, isto é, enquanto algumas empresas públicas, como Telebrás, Eletrobrás, Telesp, Petrobrás

e outras tiveram, nos últimos anos, taxas de lucro que aumentaram o seu montante de imposto a pagar – podendo, assim, ampliar o seu investimento em marketing cultural – algumas ainda não tinham sido privatizadas e, em função de sua saúde financeira momentânea, converteram-se, como mostra o Quadro 2, nas campeãs do patrocínio cultural, no País, em 1997. A pesquisa, porém, sobre o impacto da cultura na economia, feita pelo Ministério da Cultura, mostrou que, ao longo do período 1990-1997, o maior incremento de recursos do mecenato privado veio de empresas privadas e não há indícios de que essa tendência estrutural vá estancar.

18 IDEM.Ibidem.

20

QUADRO I

Participação de Empresas Públicas e Privadas no Mecenato Privado entre 1996 e 2001

Investimentos em Cultura – 1996 a 2002 21

QUADRO 2

20 MAIORES GRUPOS DE EMPRESAS QUE PATROCINARAM PROJETOS CULTURAIS EM 1997

POSIÇÃO INCENTIVADOR VALOR R$

01 Telecomunicações Brasileiras S/A – Telebrás 44.149.622,73 02 Petróleo Brasileiro – Petrobrás 11.429.231,28

03 Banco Itaú S/A 10.869.929,32

04 Volkswagen do Brasil S/A 7.437.974,76 05 Banco Bradesco S/A 7.094.501,40

06 Centrais Elétricas Brasileiras – Eletrobrás 6.539.565,21 07 Banco Real S/A 6.114.065,06

08 Souza Cruz S/A 4.594.330,00 09 Banco do Brasil S/A 4.493.712,48

(15)

10 Banco Unibanco 3.494.350,25

11 Banco Nacional de Desenvolvimento Social 3.415.237,77 12 Cia. Brasileira de Distribuição 2.066.369,00

13 Fiat Automóvel S/A 2.049.373,00 14 Cia. Cervejaria Kaiser S/A 1.757.274,40 15 Gerdau S/A 1.732.034,14

16 TV Globo 1.730.450,50

17 Cia. Cervejaria Brahma 1.707.142,84

18 Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais – USIMINAS 1.657.801,68 19 Banco do Estado do Rio de Janeiro – Banerj 1.640.757,55 20 Sharp S/A 1.608.700,00

Fonte: Secretaria de Apoio à Cultura, Ministério da Cultura

No conjunto, o aumento do número de empresas participantes do

mecenato privado expressa outra face da moeda, isto é, a confiança da comunidade cultural brasileira na nova política de incentivos fiscais aos seus projetos. Com efeito, enquanto em 1994, último ano do governo Itamar Franco, o Ministério da Cultura recebeu cerca de 425 projetos que solicitavam autorização para captar recursos de empresas, esse número cresceu para 1.255 em 1995, 2.450 em 1996 e chegou a quase 4 mil em 1997. Isso se deve, entre outras coisas, à divulgação da lei e de suas vantagens pelo Ministério da Cultura, através da realização de vinte fóruns empresariais em diferentes regiões do País, com o objetivo de estimular a sua

utilização pelo empresariado local.Como afirma um empresário ligado ao setor de telecomunicações:

(...) parece que há um interesse do governo em profissionalizar o setor da cultura e nós empresários temos o maior interesse de

participarmos desse momento. Acredito também que muitos ao ver o sucesso de alguns vai se interessar e quem ganha com isso é a cultura brasileira e os artistas que terão mais recursos para viabilizarem seus projetos (FOLHA DE SÃO PAULO; 23/05/1995).

22

A avaliação do mecenato privado brasileiro, contudo, tem de considerar,

também, que não foi apenas o número de projetos apresentados ao Ministério da Cultura que cresceu, mas também a captação global de recursos de empresas privadas

e públicas para a cultura. Enquanto 1994 a Lei Rouanet mobilizou pouco mais de 14 milhões de reais em apoio às artes – somando os recursos de renúncia fiscal aos de contrapartida das empresas –, em 1995, esse valor chegou a quase 60 milhões, ultrapassando em 1996 a casa dos 116 milhões, e alcançando em 1997 a cifra recorde

de 199 milhões de reais. Isso não tem nada de irrelevante, ainda que seja insuficiente para satisfazer as necessidades da cultura brasileira, se se considerar que, no início dos anos 1990, a política de incentivos fiscais não era efetiva e que, em

conseqüência

das tentativas de desobrigar o Estado de suas responsabilidades com a área, os recursos

públicos alocados para o setor, em 1991, não ultrapassaram 131 milhões de reais. 19

1.5 Crescimento da oferta de bens culturais

(16)

O alcance social e político desses resultados têm sido insuficientemente

ressaltado. Com efeito, a mobilização de artistas e produtores culturais brasileiros para usarem a lei Rouanet, traduzida no crescimento do número de projetos submetidos ao Ministério da Cultura entre 1995 e 1997, da mesma forma que a disposição de muitas empresas de investirem na área e se beneficiarem das vantagens

do marketing cultural, é algo que só pode ser adequadamente avaliado ao se levar em conta a enorme massa de bens culturais que, nos últimos anos, vem sendo oferecida ao público brasileiro. Grandes exposições de artes plásticas, como as de Rodin, Monet, Di Cavalcanti, Claudel, Botero, Barroco brasileiro, Dalí e muitas outras, mostraram que está acorrendo uma pequena explosão cultural no País: mais de 3,5 milhões de pessoas foram vê-las, a maior parte tendo ido a um museu pela primeira vez na vida. Também a oferta de concertos de música erudita, espetáculos de dança e até de óperas aumentou sensivelmente o programa de música no parque em grandes cidades, tendo alcançado, às vezes, 100 ou 150 mil pessoas, e as óperas Carmina Burana, Aída, O Guarani e Lídia de Oxum atraído 15, 20 e até 50 mil pessoas aos estádios de futebol onde foram apresentados. Grupos e festivais de teatro ressurgiram ou consolidaram-se, como O Galpão, Tapa, Giramundo ou os Festivais de Bonecos de Canela, de Teatro de Curitiba, e de Dança em Joinville. O cinema brasileiro ganhou novo impulso e, desse modo, maior competitividade nas

19 WEFFFORT, Francisco e SOUZA, Márcio. Um olhar sobre a cultura brasileira. Rio de janeiro:

FUNARTE, 1999.

23

mostras internacionais, produzindo mais filmes sobre o Brasil como Carlota Joaquina, Central do Brasil, O que é isso companheiro, Sábado e tantos outros que, em pouco mais de três anos, tiveram uma platéia de quase 9 milhões de brasileiros. A isso acrescenta-se o vigor de alguns setores da indústria cultural

brasileira, como o fonográfico que, que 1997, teve um faturamento de quase 1 bilhão de reais, tendo comercializado cerca de 100 milhões de discos, 75% dos quais de música brasileira; ou como a indústria editorial, que alcançou uma produção anual de mais de 40 mil títulos, tendo as duas últimas bienais do livro, de São Paulo e Rio de Janeiro, sido visitadas juntas por mais de 2,4 milhões de pessoas. Em todas essas áreas, o mecenato privado patrocinou projetos culturais.

Em anos recentes, uma onda de afeição pela identidade cultural brasileira

também tomou conta do País, traduzindo-se no restauro do patrimônio histórico ou na

recuperação da memória cultural, em todos os estados, como mostram os exemplos do

Centro Histórico do Recife, o Pelourinho em Salvador, a Estrada Madeira-Mamoré em

Rondônia, a Fortaleza de Santa Cruz em Florianópolis, a Biblioteca Nacional, o Forte

(17)

Copacabana e a sede da Fundação Oswaldo Cruz no Rio, a Pinacoteca do Estado, a Estação

Júlio Prestes e o Teatro São Pedro em São Paulo e a Igreja da Boa Morte em Goiás Velho;

ou ainda a celebração dos trezentos anos de Zumbi e o resgate de músicas e danças indígenas

feitas por artistas como Marluí Miranda. Ao mesmo tempo, multiplicaram-se, nos últimos

quatro anos, obras de construção que, em pouco tempo, entregaram ao público novas e

mais modernas casas de espetáculo, centros culturais, teatros e salas multiplex de cinema

como o Teatro Alfa-Real, o Instituto Itaú Cultural e a Via Funchal em São Paulo, o Centro

Cultural Cau Hansen em Joinville, o Centro Cultural Farroupilha em Porto Alegre, as

salas multiplex da Barra no Rio e muitos outros. 20

Peculiaridade importante da cultura brasileira é, também, a mais de uma

centena de prêmios que, anualmente, são distribuídos por governos ou por empresas a

artistas e instituições culturais que se destacam pelo ineditismo, experimentalismo e virtuosidade do seu trabalho. O crescimento do mecenato privado e dos gastos públicos

com cultura fez os prêmios se multiplicarem e, algumas vezes, aumentou o seu valor em

dinheiro. Entre os mais importantes, destacam-se o Prêmio Moinho Santista, de 50 mil

reais para literatura e ensaística; o Prêmio Camões, de 70 mil dólares para autores de língua portuguesa, dado pelos Governos brasileiro e português; o Prêmio Ministério da

Cultura, de 25 mil reais cada um, para artes cênicas, música, artes plásticas, audiovisual,

literatura, patrimônio e cultura popular; o Prêmio da Academia Brasileira de Letras, de

20 WEFFFORT, Francisco e SOUZA, Márcio. Um olhar sobre a cultura brasileira. Rio de janeiro:

FUNARTE, 1999.

24

120 mil reais, para três categorias de escritores; o Prêmio Nestlé, no total de 270 mil reais para várias categorias de estreantes e autor consagrado; o Prêmio Sharp de música,

teatro e cinema; o Prêmio Shell de música; e ainda o Troféu Mambembe, da Funarte; o

(18)

Rodrigo Meio Franco de Andrade, do IPHAN; os Machado de Assis, Arthur de Azevedo,

Sérgio Buarque de Hollanda, Alphonsus de Guimaraens, Mário de Andrade, Paulo Rónai,

Aloísio Magalhães e Monteiro Lobato, da Biblioteca Nacional; o Prêmio Coca-Cola de

Comics; o Prêmio APETESP de artes cênicas e inúmeros outros de Estados, municípios

e instituições ou empresas públicas e privadas. Eles representam, em primeiro lugar, o

reconhecimento da sociedade brasileira aos seus artistas, mas fazem parte também dos

meios disponíveis de financiamento da cultura brasileira. 21

Esse vigor cultural ocorreu sob o efeito da estabilidade econômica que o País conquistou nos últimos anos, e isso é algo que transparece dos dados

apresentados no quadro 3 e no gráfico 3 abaixo. Eles mostram que, entre 1994 -um marco de referência cuja base de eventos não é muito baixa – e 1997, a oferta de bens culturais no Brasil cresceu, em quantidade, cerca de 898%!, isto é, uma taxa média linear anual de mais de 225%, como resultado da expansão dos meios de financiamento da cultura (WEFFFORT, 1999).

Expansão da Legislação Estadual e Municipal de Incentivo à Cultura entre 1991 e 1998

GRÁFICO 1

Crescimento da oferta de bens culturais através do mecenato privado: 1992-1997 FONTE: Secretaria de Apoio à Cultura, Ministério da Cultura

21 FERREIRA, Sérgio Dàndrea.O incentivo fiscal como instituto do direito econômico in Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro. Janeiro e março de 1998

25

Observando-se o gráfico 1, chama a atenção o incremento verificado de

atividades de certas áreas culturais, destacando-se, em particular, as atividades integradas, isto é, que envolvem mais de uma linguagem cultural, a área de audiovisual, humanidades e a área de patrimônio histórico e cultural. Essas áreas também foram relatadas como prioritárias para ações de patrocínio por empresas que investem em cultura, segundo a pesquisa de economia da cultura realizada, a pedido do Ministério da Cultura, pela Fundação João Pinheiro.

QUADRO 3

Oferta de bens culturais, por áreas, através do mecenato privado: 1992-1997

ÁREA/ANO 1992 1993 1994 1995 1996 1997 CRESCIMENTO ARTES CÊNICAS 6 12 9 26 79 118 1.966

PRODUÇÃO

AUDIOVISUAL 1 13 13 37 82 109 10.900 MÚSICA 2 13 10 24 71 108 5.400 ARTES PLÁSTICAS 1 7 9 12 37 58 5.800 PATRIMÔNIO

CULTURAL 1 6 11 37 71 97 9.700 HUMANIDADES 1 3 11 25 62 103 10.300 ÁREAS INTEGRADAS 1 12 17 32 64 126 12.600

(19)

FONTE: Secretaria de Apoio à Cultura, Ministério da Cultura

Essa vitalidade cultural origina, mais do que se está acostumado a admitir no Brasil, renda e emprego. A pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro permitiu estimar que a produção cultural brasileira movimentou, em 1997, cerca de 6,5 bilhões de reais, isto é, 1% do PIB do País e, mais significativo, que cada 1 milhão de real gastos na área cria 160 postos de trabalho diretos ou indiretos. A importância disso torna-se evidente quando se leva em conta que um dos resultados mais dramáticos do processo de globalização é o crescimento do desemprego, que aumenta em razão diretamente proporcional à introdução de alta tecnologia nas economias locais. Isso, porrém, não é apenas importante porque mantém o emprego de artistas e produtores culturais brasileiros, mas porque o mercado cultural cria mais postos de trabalho, diretos e indiretos, do que a indústria automobilística, de autopeças, elétrica e eletrônica do País.

26

Este capítulo mostra aspectos da explosão cultural que está ocorrendo

no País, nos últimos anos, em conseqüência do crescimento do mecenato privado, e evidencia seus efeitos econômicos e sociais. Tão importante quanto isso, contudo, é o seu significado político. O mais importante objetivo do governo, na área, é a democratização do acesso da população aos bens culturais brasileiros, pois, além da cultura ser um modo de expressão dos diferentes grupos sociais que formam a Nação,

ela é fonte de reconhecimento de suas identidades e, nesse sentido, é um pressuposto essencial da cidadania. Por isso, se é certo que o crescimento quantitativo não é o único, nem o mais importante indicador para se avaliar o desenvolvimento da cultura

de uma sociedade complexa como o Brasil, seria equívoco maior, diante do insuficiente acesso da população brasileira de baixa renda à cultura e à educação, não utilizar o mecenato privado como ferramenta de política cultural para enfrentar o problema. Outra vez a comparação com a experiência internacional é útil. Ela mostra que, sem quantidade, é muito difícil alcançar-se qualidade no domínio das artes; assim, num País continental e tão diversificado regionalmente como o Brasil, seria desperdício o Estado não fazer aumentar a produção e a oferta de bens culturais através de sua política de parceria para a cultura.

1.6 Vantagens e desvantagens do mecenato privado

A experiência brasileira de mecenato privado, contudo, não tem

apenas virtudes. Existem objeções que sugerem uma pauta de problemas reais que exigem mudanças ou correção de rumo nos próximos anos. A primeira delas refere-se à concentração de recursos que um sistema de mercado, como o

mecenato privado, acaba produzindo quando opera em uma sociedade de estrutura econômica, social e regional tão desigual como a brasileira. Como já mencionado, o efeito dessa tendência de concentração, no caso brasileiro, é que o Sudeste do País – e, particularmente, São Paulo e Rio de Janeiro – converteuse na região privilegiada de captação de recursos privados para a cultura. O

(20)

problema preocupou o Ministério da Cultura desde 1995 e, embora algumas iniciativas tenham ajudado a atenuar a tendência concentracionista, isso ainda é insuficiente. De fato, enquanto em 1992 os recursos captados pelo Sudeste somaram 99% do total, esse percentual diminuiu para 85% em 1997. As outras regiões do País puderam, então, ficar com quase 15%, a região Sul sendo a maior beneficiária e a Norte conseguindo, pela primeira vez desde a criação do sistema, captar algum recurso para os seus projetos.

27

Esse enorme desequilíbrio mostra, em primeiro lugar, que o problema

não tem solução no estrito terreno das políticas fiscais porque as empresas do Norte e do Nordeste, por exemplo, já se beneficiam de mecanismos de isenção fiscal ligados a programas de desenvolvimento dessas regiões e, por isso, têm pouca ou nenhuma capacidade de utilizar recursos de imposto de renda no apoio à cultura.

Ao mesmo tempo, mesmo se o processo cultural qualifica a sociedade para perceber melhor a natureza das desigualdades e de suas causas – e, assim, para buscar a sua solução – não é plausível esperar que o problema possa resolver-se somente no terreno da cultura; ao contrário, os problemas de distribuição desigual de bens e recursos de produção cultural são, muitas vezes, conseqüência de distorções das estruturas econômica, regional e social que, como é sabido, passam atualmente por importantes transformações. A experiência recente mostra, contudo, que essa tarefa tomará mais tempo do que seria desejável (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1998).

Por isso, além de divulgar as vantagens do mecenato fora do Sudeste e,

assim, atrair a atenção de empresas privadas e públicas, cujas matrizes, mesmo se localizadas em São Paulo e no Rio, têm de articular-se com os mercados

consumidores dessas regiões, é preciso fazer algo mais. Uma das políticas que terá cada vez mais importância, a exemplo de esforços já iniciados para criar eqüidade na distribuição de recursos do Fundo Nacional de Cultura entre as diferentes regiões do País, e da implementação de projetos de patrimônio e recuperação urbana, no Norte e no Nordeste pelo Ministério da Cultura, será indispensável aumentar os gastos a fundo perdido do Governo federal como forma de compensar o

desequilíbrio

gerado pelo mecenato privado. Nos últimos anos, esses recursos cresceram cerca de 140% mas precisam crescer mais ainda.22

A segunda objeção ao sistema de mecenato diz respeito às facilidades

que a Lei Rouanet criou, desde a sua origem, para que grandes empresas possam investir os seus recursos fiscais em institutos ou fundações que, embora sem fins lucrativos, pertencem às próprias firmas investidoras. Argumenta-se que, enquanto os institutos ou fundações usam o patrocínio de suas empresas em suas próprias ações, artistas e produtores independentes não acolhidos por aquelas organizações perdem a oportunidade do apoio das empresas. Em última análise, isso implicaria uma disputa desigual pelos recursos, o que muitos esperariam que fossem

disponibilizados em condições de igualdade para todos os competidores e não apenas

(21)

para os institutos ou fundações.

22 IDEM. Ibidem

28

O problema é real e também ocupa a atenção do Ministério da Cultura.

Por essa razão, ao considerar os planos anuais de atividades dos institutos, o Governo

lhes tem solicitado a maior abrangência possível nas atividades, tanto em termos de áreas culturais como de regiões geográficas incluídas; e o Ministério também solicita

que a contrapartida dos institutos aos benefícios fiscais sirva para que se ampliem efetivamente as oportunidades de acesso do público à sua programação cultural.

Por outro lado, considerando-se que a criação dessas organizações decorre da própria

lei, não seria razoável imaginar a criação de mecanismos de controle sobre a autonomia das empresas. Isso, porém, não é um impedimento para que o debate da questão, nos próximos anos, inclua, por exemplo, a meta de maximizar a qualidade e a extensão dos bens culturais oferecidos ao público. Finalmente, existe uma objeção

que, a despeito de revelar o desconhecimento de seus formuladores sobre os efetivos mecanismos de decisão do mecenato, precisa ser considerada por causa da questão de fundo que implica. Trata-se da idéia segundo a qual o mecenato privado

reservaria

ampla margem de poder de decisão, quanto ao conteúdo e à forma dos produtos culturais beneficiados – para não falar dos seus custos – às empresas patrocinadoras que, nessas circunstâncias, somente consultariam os seus interesses comerciais, deixando de lado considerações sobre a qualidade do produto. Embora seja evidente que as empresas sempre escolhem os projetos que apóiam, o pressuposto dessa objeção não é inteiramente verdadeiro ou é impreciso. Qualquer projeto cultural submetido ao Ministério da Cultura passa por um complexo processo de avaliação que, usualmente, envolve cerca de vinte pessoas que opinam sobre ele, solicitam esclarecimentos sobre o seu conteúdo ou seu orçamento e fazem sugestões aos seus autores. Para ser aprovado, o projeto passa pelas seguintes etapas: (1) em primeiro lugar, é negociado – no conteúdo e na forma – entre o artista e o produtor cultural;

(2) depois, vai à consideração de técnicos e pareceristas do Ministério que não examinam o seu mérito, mas a sua natureza cultural e a adequação do seu orçamento;

(3) na etapa seguinte, é submetido à Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, formada por 13 membros, dos quais a maioria, com direito a voz e voto nas decisões,

é eleita pela própria comunidade cultural; (4) no fim, o projeto é aprovado, em última instância, pelo ministro da Cultura. Só então, após esse longo percurso em que é avaliado, discutido e referendado seja pelo governo, seja pelos representantes dos interessados, é submetido às empresas. 23

(22)

Imaginar, então, que a decisão de patrocínio leva em conta apenas

interesses comerciais é minimizar o significado das diversas etapas pelas quais o

23 Secretaria de Apoio a Projetos do Ministério da Cultura.

29

projeto passa e não perceber que, no sistema vigente, ele é democraticamente negociado entre Estado, artistas, produtores e empresas. Nunca é demais insistir em o quanto isso é adequado a uma sociedade democrática, na qual, em vez de

prevalecer

única orientação de política cultural, o processo de criação e de desenvolvimento cultural resulta de sólida interação da sociedade civil com o Estado, o que exige, por definição, a intervenção de uma pluralidade de agentes que, como é natural que seja, têm diferentes concepções sobre a cultura.

O mecenato privado brasileiro é uma experiência recente que tem vantagens e desvantagens. Enquanto tal, os seus mecanismos exigem aperfeiçoamentos que dependem do seu funcionamento; mas a sua rápida consolidação, em anos recentes, estimulando uma verdadeira explosão de atividades culturais no País, indica que, para sugerir conclusões mais significativas a seu respeito, não pode ser submetido ao destino de experiências brasileiras semelhantes que, antes de terem amadurecido suficientemente, foram eliminadas do cenário cultural do País (WEFFORT, 1999).

Os indicadores quantitativos da cultura e um exame dos dados do PIB da cultura, e uma reflexão sobre as tendências macroeconômicas da sociedade da informação,

num mundo crescentemente globalizado, surpreenderão com certeza aqueles que ainda

consideram a cultura como uma espécie de ornamento de luxo, especialmente num País

em luta contra enormes problemas sociais e dificuldades econômicas.

Cultura, hoje, é um segmento cada vez mais importante para o

desenvolvimento integrado das sociedades, e para o crescimento econômico propriamente dito.24

A sociedade industrial, com seu perfil de alto consumo de matérias-primas e de energia, e de emprego relativamente extensivo de uma mão-de-obra treinada para tarefas repetitivas e fragmentadas, está com seus dias contados. No mundo do futuro, o principal valor agregado dos produtos será a inteligência, a criatividade;

os empregos irão requerer sempre mais versatilidade, capacidade de reunir e filtrar informações, lidar com situações novas, interpretar códigos e linguagens em permanente transformação.

A cultura, nesse novo cenário, comparece tanto como importante

segmento produtor e empregador nas áreas de bens e serviços (indústrias culturais, lazer e turismo cultural, valor simbólico agregado a outros serviços e mercadorias, como vestuário, móveis, arquitetura etc.), quanto como setor capaz de qualificar a nova mão-de-obra requerida pela economia ‘quaternária’.

24 IDEM. Ibidem.

(23)

30

Para um País como o Brasil, com pressa de acertar o passo com as grandes

transformações do nosso tempo, nosso riquíssimo capital cultural – a diversidade e a criatividade do nosso povo, as diversas tradições que aqui coexistem

harmoniosamente

e se fecundam mutuamente – é um dos elementos mais positivos com que contamos para alavancar o grande salto que nossa marcha para o futuro requer. 25

Recente pesquisa da Fundação João Pinheiro, patrocinada pelo

Ministério da Cultura, mostra que, em 1994, para cada milhão de reais aplicados no Brasil na área cultural, eram gerados 160 postos de trabalho. Nos últimos quatro anos (1995-98), apenas com a aplicação das leis de incentivo à cultura, estima-se que cerca de um bilhão de reais foram aplicados diretamente em

atividades culturais. Isso significa que, mantida aquela relação, 160 mil empregos foram criados no período.

Ainda em 1994, o conjunto das atividades culturais representava 1% do

PIB brasileiro. Entretanto, a mão-de-obra empregada pela cultura (510 mil pessoas) era 53% superior à da indústria de material de transportes (incluída a indústria automobilística) e 90% superior à empregada pela indústria de equipamentos e material

elétrico-eletrônico, embora a fatia no PIB desses segmentos fosse bem maior.

Além disso, o salário médio pago na área cultural era quase o dobro

(1,97) da média do conjunto das atividades econômicas. Esta parece ser uma tendência constante do setor, pois já em 1980 o salário médio das atividades culturais

era 73% superior ao da média da economia.

No que tange aos principais setores da indústria cultural, o panorama

brasileiro é promissor. As indústrias cinematográfica, editorial e fonográfica, principais

componentes desse segmento, apresentam um comportamento dinâmico, e estão sendo

apoiadas pelas políticas públicas no sentido de enfrentar seus problemas específicos.

Na área do cinema, a produção nacional havia parado, de 1990 a 1992.

Com a aprovação da Lei de Incentivo ao Audiovisual, em 1993, e a instituição do Prêmio Resgate, em 1994, a produção do setor começou a reagir. Em 1993, foram realizados dois filmes; em 1994, dez. graças à política de consolidação e ampliação dos mecanismos de incentivo, a produção cinematográfica entrou em um crescendo.

Em 1995, 14 filmes foram concluídos; em 1996, mais 14; em 1997,27. Em 1998, até julho, mais trinta filmes nacionais foram concluídos. 26

O número de espectadores de filmes brasileiros, que não passava de 350

mil em 1994, superou os dois milhões, em 1997. E em 1998, até maio, mais de 2,6

25 IDEM. Ibidem

26 GREENBERG, Clement. Arte e cultura: ensaios críticos. São Paulo. Ática, 1997.

31

(24)

milhões de pessoas assistiram às produções nacionais, marca essa liderada por O noviço rebelde (1,5 milhão) e Central do Brasil, que levou em seis meses mais de um milhão de espectadores aos cinemas. Mesmo assim, ainda existem dificuldades nas áreas de distribuição e comercialização. A participação do filme brasileiro no nosso mercado audiovisual é hoje de apenas 5%, depois de ter chegado a 35% nos anos 70 e 80.

O audiovisual está entre os 12 setores considerados estratégicos pelo

Governo federal, que foram incluídos no Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade. A meta proposta é a de aumentar, até o ano 2.000, para 20% a

participação do cinema brasileiro na bilheteria. Como o País gasta hoje 680 milhões de dólares na importação de filmes, este aumento representaria uma economia da ordem de 160 milhões de dólares.

O PBQP também se propõe a criar estímulos para que a relação sala/

habitantes seja de 1/50 mil, dentro de padrões técnicos adequados. O País tem hoje pouco mais de mil salas de exibição, em geral maciçamente ocupadas por

superproduções estrangeiras.

Com a expansão do setor, deverá crescer também o emprego da mão-deobra especializada. Em 1990, com a virtual extinção da indústria cinematográfica, essa mão-de-obra migrou para a TV e a publicidade. Hoje, a carência de técnicos especializados já é considerada um dos gargalos da produção nacional. Para dar uma idéia da dimensão desse mercado de emprego, os Estados Unidos contabilizam a criação de 1/4 de milhão de postos de trabalho a partir de 1985, somente com o crescimento da indústria cinematográfica. A Europa lamenta a perda da mesma quantidade de empregos, no mesmo período, atribuindo-a à queda da posição do cinema europeu em relação ao americano, no mercado interno da comunidade européia (WEFFORT, 1999).

Com a legislação de incentivo, entre janeiro de 1995 e junho de 1998,

foi realizada uma captação de R$ 213.167.577,00 para o audiovisual, bem acima das verbas destinadas ao setor pela extinta Embrafilme. Tomando como base o ano de 1995, os totais captados tiveram um crescimento de 158% de 1995 para 96, e de mais 38% de 1996 para 97. Em 1998, a captação não está concluída (os maiores aportes se concentram no final do ano), não havendo portanto elementos para a comparação. O número de projetos subiu de 71, em 1995, para 426 só nos primeiros seis meses de 1998, num total de 1.171 no período. Foram concedidos, por meio do Ministério da Cultura, quarenta prêmios para a produção de filmes de

curtametragem,

15 para a criação de roteiros, e 15 para o desenvolvimento de projetos 32

audiovisuais. O apoio à participação brasileira em festivais internacionais também vem crescendo: quatro em 1995, nove em 1996, 19 em 1997.27

A indústria editorial brasileira já é uma das mais importantes do mundo,

pois tem mais de 40 mil títulos e cerca de 350 milhões de volumes publicados em 1997. No último Salão do Livro de Paris, este ano, o Brasil foi País-tema e

(25)

compareceu com 10 mil títulos e cerca de setenta escritores. A produção do setor editorial representa 0,2% do PIB: fatura-se mais em livros do que em cerveja no Brasil. O valor das exportações do setor aproxima-se dos 6 milhões de dólares. As Bienais do Livro de 1996, em São Paulo, e de 1997, no Rio de Janeiro, tiveram, respectivamente, 1.44 milhão e 944 mil visitantes. Só nos cinco primeiros dias, mais de meio milhão de pessoas compareceram à 148 Bienal do Livro de São Paulo, em maio de 1998. Um Maracanã lotado de leitores por dia é motivo de orgulho, e parece indicador inquestionável de sucesso cultural e financeiro.28

Apesar dessas cifras animadoras, é preciso reconhecer que a leitura ainda

não é um hábito cultural expressivo no conjunto da população. Consumimos apenas 2,4 livros por habitante / ano, enquanto a Argentina consome 7,3. O consumo anual do livro não didático, entretanto, não chega a uma unidade per capita: é de 0,8. A maioria dos lançamentos não passa dos 2.500 exemplares, e essas baixas tiragens encarecem o livro brasileiro. Faltam bibliotecas públicas: pesquisa realizada pelo Ministério da Cultura, em 1996, localizou 4.011 bibliotecas públicas em 3.268 municípios, mas identificou a ausência desse equipamento em 2.194 municípios (40% do total), com cerca de 22 milhões de habitantes.29

O País é o sexto maior mercado fonográfico no mundo, com o dobro do

volume de vendas do italiano e três vezes o do México. O setor respondia em 1997 por cerca de 8 mil empregos diretos e 55 mil indiretos, e faturou 1,2 bilhões de dólares com a venda de CDs, LPs e fitas cassete.30

Pesquisa junto à Associação Brasileira de Produtores de Discos revelou que, em novembro de 1996,72% das vendas de discos no País eram de música brasileira. No mesmo ano, as emissoras de rádio dedicavam 85% de seu tempo à música nacional e, nas 15 principais estações de rádio de São Paulo, todas as dez músicas mais tocadas eram de intérpretes brasileiros, o que mostra não haver necessidade de reserva ou proteção de mercado para a música nacional.

27 Ministério da Cultura.

28 IDEM.Ibidem.

29 IDEM.Ibidem.

30 IDEM . Ibidem.

33

Em 1996, o CD já representava 93,4% dos suportes vendidos no mercado brasileiro, restando 1,6% para os discos de vinil e 4,8% para as fitas cassete. O grande problema desse setor é a pirataria. A indústria fonográfica esperava um aumento de 5% nas vendas em 1998, mas já contabiliza 15% de queda, e credita esse insucesso à reprodução ilegal. Estima-se que 98% das fitas cassete e 15% dos CDs comercializados no País são falsos. Os maiores prejudicados são os

compositores

e intérpretes brasileiros, responsáveis por mais de 70% da música vendida no Brasil.

Uma das propostas em estudo, no âmbito de um conjunto de medidas que precisam ser tomadas para a proteção dos direitos nessa área, seria a obrigatoriedade da aposição, sobre as embalagens de CDs e fitas cassete, sem ônus para o comprador, de um selo impresso pela Casa da Moeda. Preservar os direitos relativos à produção

Referências

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