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5.2 PRÁTICAS A PARTIR DA ESCOLHA

5.2.3 Expectativas e transformações

Após a escolha da ferramenta para as pessoas na empresa há a expectativa de como ela será, uma construção social a partir do discurso dos representantes do

software, da diretoria quando repassa a informação da compra e troca do sistema. E

das interações entre os grupos sociais na empresa em torno das manifestações relacionadas com o software. Portanto, este tópico busca relacionar as expectativas sobre a ferramenta estratégica após sua escolha e antes de sua implantação.

O primeiro contato com a ferramenta, como já apresentado, foi durante a sua escolha. Este contato parte da apresentação formal, institucional, do comercial, da ferramenta para apresentar toda sua potencialidade, suas funções, objetivos, interações, facilidades e resultados. Esta apresentação institucional formal é, eventualmente, um esforço dos interessados em vender o produto (o Shiva), logo não abrange possíveis dificuldades, problemas, ou entraves que seu produto possa ter.

Além disso, como discutido no tópico anterior, a escolha da ferramenta é permeada pelas construções sociais dos membros da empresa incumbidos de escolhê-la. Tais construções definem a avaliação da ferramenta em uma lógica na qual a análise de diversas características e funcionalidades podem ser deixadas de lado, frente às construções sociais sobre outras características e funcionalidades consideradas como importantes.

Estas construções não são compartilhadas por todos, mas geram uma interpretação de como será o uso, a partir da divulgação de como deverá ser a ferramenta por quem a escolheu. Essa divulgação se insere nas construções dos sujeitos, e podem ser vistas como “deturpadas” quando eles passam a incluir em suas construções a experiência de usar a ferramenta. Por exemplo, Amanda relembra:

falaram que [o sistema] era o melhor, né? Mas, quando foi implantado eu não vi isso, até por conta de todos os problemas de implantação.

Desse recorte de entrevista se consegue separar que, a sua expectativa não foi confirmada. Entretanto, apesar dos problemas de implantação, os recortes da argumentação da Amanda: “falaram que era o melhor”, e “eu não vi isso” podem ser compreendidos no sentido da ferramenta ser “a melhor” para um problema/questão específica consideradas importantes nas construções sociais nas quais se insere. Pois, durante a observação, foi possível identificar outras construções sociais no sentido de reconhecer as contribuições do sistema a despeito dos problemas de implantação. Por exemplo, sobre a nova ferramenta:

Muito melhor, mais clara, teoricamente mais rápida, e algumas funções que você executava no sistema antigo, ele dava um erro, e você tinha que ficar tentando, tentando, por exemplo, o sistema ficou fora do ar. Ou você deixava para fazer fora do horário, que tinha poucas pessoas usando, e esse aqui ele é mais “robusto” é mais desenvolvido (LEANDRO).

A mudança foi que nossa dificuldade era para tirar pedido... e hoje está muito mais fácil... agente é venda... agente tira pedidos, então agora é muito mais fácil tirar pedidos (MARCELO)

A partir dessas manifestações, argumenta-se então que, a expectativa sobre a ferramenta estratégica pode ser a "ideal" para um grupo e que não necessariamente exprime a interpretação de todos os grupos que formam a organização. Este argumento fica bem claro, no relato a seguir.

a gente achou que tinha comprado um software pronto para “sentar” e que ele viesse nos dar tudo que agente tava precisando e na realidade o que foi vendido, não foi vendido o que estava sendo falado (MARILENE).

Esta visão de que o sistema, a princípio, não era o que lhes foi apresentado não é isolado dos discursos dos entrevistados; porém, consegue-se perceber que existem variedades de expectativas, e percepções de distorções entre o discurso e resultado. Por exemplo, enquanto Wesley acreditava que ele deveria servir para agilizar as vendas, para Milena o sistema deveria contribuir para controlar melhor o estoque e viabilizar a implantação de estratégias. Em suas palavras:

a visão é que ele seria um facilitador, ele aproximaria a ação o resultado daquilo que foi pedido, né? Que as etapas seriam encurtadas, mas não foi isso que aconteceu. As etapas continuam as mesmas... Mudou a cara, mudou o jeito, mas a demora, a demora entre aprovação e resultado aumentou ou ficou igual e isso para a venda é fundamental, você tem que ter uma resposta muito rápida, entendeu? É como se você mudasse o sistema, mas não mudasse a metodologia de trabalho (WESLEY).

Olha, ele é exatamente o que eu planejei [...] talvez ele não tenha atendido muito as minhas expectativas na parte do estoque, eu achei que fosse ser melhor, mais confiável, apesar de que pode melhorar... ele ainda não supriu minha expectativa todo meu desejo, principal para implantar o [Shiva] era implantar uma estratégia nessa empresa (MILENA).

Essa última é uma reflexão divergente da argumentada por Wesley, porém ambas apresentam a mesma origem, que é a expectativa de transformação dos processos internos.

Pelo conjunto de relatos da Milena se percebe que, além de acreditar que o sistema servirá para reestruturar processos, como Wesley, ela também acredita que o Shiva servirá para a própria estratégia da empresa. Todavia, seu discurso difere das outras expectativas apresentadas, no sentido de "ser exatamente" o que foi planejado, uma vez que a “percepção geral” é de que ele não é o que foi planejado. Embora o despreparo na aplicação da ferramenta possa ser uma das causas da

transformação, no sentido de torná-la um símbolo de uma mágoa, que atrapalha percepções "positivas" acerca da ferramenta.

Além dessas manifestações, há também construções que reconhecem o propósito da ferramenta em oferecer uma utilidade para outros grupos sociais, mesmo quando essa utilidade não está alinhada com seus próprios interesses. Isso ficou evidente para o pesquisador durante uma observação, que um gerente deixou claro que o "sistema novo deveria vir para melhorar as vendas, no sentido de ser mais ágil e fácil que o anterior, e não uma ferramenta para fazer estratégias ou ter um controle melhor, como pensa a diretoria" (JEFERSON).

É interessante perceber nesse discurso que Jefferson reconhece a escolha pela diretoria de uma ferramenta estratégica, mas indica que a ferramenta deveria ser voltada, para as questões operacionais e não estratégicas.

A partir dessa diversidade pode-se argumentar a existência de redes de motivos e interesses em torno da implantação do software, muito mais subjetivos do que objetivos, inclusive referentes ao contexto educacional dos tomadores de decisão (GUNN; WILLIAMS, 2007). Especificamente sobre esse "contexto educacional", Milena possui nível superior em Administração e o Jeferson não, o que por sua vez pode ser uma pista do motivo por trás do desejar uma ferramenta mais operacional, e outro uma mais estratégica.

Dessa discussão podemos então argumentar que subjetivamente há um sentimento de não atendimento a todas as expectativas esperadas. Este não atendimento, ou divergência entre o esperado e realizado, parece ser gerado de forma objetiva por uma construção idealizada do que seria o sistema vendido em contraste a expectativas distintas, originadas nas diferentes construções sociais dos sujeitos. Essas divergências podem, então, ser explicadas pelo entendimento de que os motivos, interesses, e até formas de uso do sistema geram expectativas mais subjetivas do que objetivas. Isto é, “em um macro-nível uma prática é uma forma institucionalizada de fazer algo. No micro-nivel é uma forma de fazer algo por uma razão” (BELMONDO; SARGIS-ROUSSEL, 2015, p. 92). Neste estudo, essas razões, em torno do uso do software, baseiam-se predominantemente em aspectos subjetivos. O Quadro 9 apresenta o resumo dessa discussão.

Quadro 9 - Redes de Motivações

Noesis (como) Noema (o que) Redução (motivo)

Fenômeno Não atendimento das

expectativas Divergência entre o "vendido" e as expectativas socialmente construídas Redes de motivos e interesses Fonte: Desenvolvido pelo Autor

Questões relacionadas ao tipo de uso do sistema antigo, também podem influenciar, pois é justamente a partir do momento em que se instalou o software é que se começa a perceber a diferença entre a expectativa e a “realidade”. Assuntos relacionados ao uso estão descritos no próximo tema.