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5.4 PRÁTICAS TRANSFORMADORAS EM FERRAMENTA ESTRATÉGICA

5.4.3 Transformação pelo treinamento

Há consenso entre os atores na empresa de que a falta de treinamento do sistema atrapalha seu uso. Nos recortes de entrevista a seguir essa questão e suas consequências estão claras:

Eu acho que hoje a gente não está preparado para ele. Entendeu? Porque não adianta você ter o melhor carro na garagem e não saber dirigir ele. Acredito mesmo, por que ele tem informações que todos os sistemas que eu vi aqui dentro não tinham (LUCIANA).

Hoje o pouco que eu tenho, [é] como se eu tivesse uma Ferrari e eu estou usando ela como um gol, mas mesmo assim ela é muito importante para mim (ISALTINO).

Então, ele é uma ferramenta ótima de análise, eu consigo, por exemplo, analisar o meu vendedor, se ele vende mais um produto ou outro, então para nós é ótimo para análise e ótimo para a estratégia também, você consegue vender mais, contudo, é o que eu te falei, não adianta você ter uma Ferrari e não saber pilotar, e às vezes a culpa não está em você não saber, não te ensinaram a pilotar (WESLEY).

É notável nesses e em outros relatos que o uso da metáfora do carro, ou saber dirigi-lo, exemplifica bem a argumentação aqui empregada. Por exemplo, para dirigir uma Ferrari, um veículo esporte que atinge velocidades muito acima da média dos carros comuns, e conseguir utilizar a maior parte de seu potencial é necessário ter um conhecimento prévio sobre como fazê-lo. Contudo, as pessoas que não têm esse conhecimento poderiam até dirigi-la, porém o fariam como um carro normal mesmo se estivesse em uma corrida, desperdiçando o seu potencial para essa finalidade. Por outro lado, se fossem treinados para isso poderiam fazer usos mais avançados do carro, que no caso deste estudo é a ferramenta, isso transformaria

seu uso e, consequentemente transformaria as construções sociais que estabelecem o que é a ferramenta.

Alinhado com essa compreensão, quando questionado se ele gostaria que os vendedores fossem treinados para usar a ferramenta para além do básico operacional Jeferson respondeu: “Sim, com certeza”. Entretanto, em seguida, quando se perguntou se os vendedores possuíam ou não a vontade de serem treinados para fazer outros usos, respondeu que:

Não. Eu vejo, pois quanto mais eu me aprofundar melhor, agora, para eles [os vendedores] eu acho que [eles] não têm interesse [...] (JEFERSON).

Esse trecho da entrevista leva à reflexão de que, além de serem treinados para usar o sistema, deveria haver também acordos sobre os interesses socialmente construídos, suas motivações, para fazer usos estratégicos do sistema de uma forma consciente. Tendo essas questões em mente, além de um treinamento sobre como a ferramenta pode ser utilizada, há também a necessidade de que os atores sociais construam interesses relacionados à aplicação dos conhecimentos gerados nesse treinamento. É evidente que não se pode pensar em um vendedor que faça exatamente o mesmo uso da ferramenta que um diretor, mas a observação realizada indica a existência de contribuições potenciais de ferramenta específicas, para cada área, que não são aproveitadas. É o aproveitamento ou não desse potencial que se relaciona com o treinamento, ou a falta dele. Esta questão pode ser percebida no relato abaixo.

tinha que sentar e ‘vamos tentar fazer junto’ [as análises e usos estratégicos]. ‘Oh amos fazer junto e determinar como deve ser feito, uma vez por semana’ mas ‘isso você pode fazer’ beleza eu posso fazer, não tem problema, mas quais são as regras? ‘A regra é fazer uma vez por semana, não pode esquecer tem que fazer. A você não fez, não deu tempo? Faz no outro dia’ (MARCELO).

Da fala acima, pode ser evidenciado que duas condições deveriam ser resolvidas para ampliar o uso do potencial da ferramenta. Primeiro, o “fazer junto” e segundo o desenvolvimento de uma regra, que no caso de Marcelo deveria ser a cobrança da análise uma vez por semana. Dessa forma, haveria a troca de experiências e usos, possibilitando até a necessidade de novos usos e a formalização de uma regra que ligasse os interesses dos indivíduos.

Desses argumentos se consegue propor que a transformação em ferramenta estratégica envolve transformações relacionadas com o treinamento. Por sua vez, as transformações relacionadas com o treinamento possuem duas vertentes: a operacional do uso objetivo da ferramenta; e o treinamento que passa pelo compartilhamento de experiências dentro da organização e de fora dela, o que inclui as experiências de vida, a formação educacional e profissional dos atores. O quadro 16 resume as questões aqui levantadas sobre a transformação pelo treinamento. Quadro 16 - Transformação pelo treinamento

Noesis (como) Noema (o que) Redução (motivo)

Fenômeno Necessidade de

treinamento técnico e de conhecimentos que são permeados por conflitos

Treinamento operacional e educacional como fomentador do uso estratégico Forma de dissipar barreiras do contexto social, para transformação em ferramenta estratégica Fonte: Desenvolvido pelo Autor

Vale frisar que, a preocupação com a falta de treinamento na Alfa foi algo que se destacou, mas sem ter como resposta ações por parte da direção da empresa. Por exemplo, existiam pessoas com mais de cinco meses de contratação e que ainda não tinham sido treinadas para usar o Shiva. Durante as observações, isso ficou claro, pois foi possível presenciar pedidos recorrentes por parte dos gerentes para que o treinamento fosse realizado, e essa questão foi uma pauta bastante discutida na reunião de final de ano na Alfa. Entretanto, até a finalização desta pesquisa não havia acontecido um treinamento para o uso da ferramenta em larga escala, isto é para todos na organização.

A análise dos dados evidenciou que, entre outros aspectos, essa ausência do treinamento e a aceitação de suas consequências têm relação com o contexto de atuação da maior parte dos funcionários na Alfa: a prioridade da maior parte dos funcionários, que são vendedores, é vender, o que, como já discutido, inclui até os gerentes. Parar para fazer treinamentos não é uma prioridade. Entretanto, ao mesmo tempo em que se evidenciou essa construção social, foi possível identificar uma dinâmica que altera, aos poucos, esse contexto e envolve a implantação e as transformações do Shiva durante o seu uso. A necessidade de treinamentos surge como algo cada vez mais necessário e para além do uso operacional, em direção a usos estratégicos.

A discussão desenvolvida até aqui indica que essa transformação permeada pela referida dinâmica, além de se relacionar com o tema “A transformação em estratégico, e suas subdivisões”, tratado neste tópico, também se relaciona com os temas “A escolha e as expectativas” e “O uso”. Para esclarecer essa relação comum a seguir, apresenta-se uma análise integrada dos temas.

5.5 AS TRANSFORMAÇÕES DA FERRAMENTA ESTRATÉGICA E