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5.3 PRÁTICAS NO USO DA FERRAMENTA

5.3.4 Uso pela inércia e o usar pouco

Até aqui, já discutiram-se várias formas de uso e quais práticas se relacionam com elas. Nesta seção, por outro lado, discute-se a tendência a não usar, ou usar o mínimo possível.

Os dados analisados revelaram que são os sócios os que menos usam o sistema. Esse fato, em primeira instância, vai contra os achados de Jarzabkowski e Giulietti (2007), uma vez que não há uma tendência de uso da ferramenta pelos “altos gestores”. Em contrapartida, ao se unir a percepção dos autores ao nível de escolaridade, então seus achados farão sentido para essa realidade, uma vez que se identificou nesta pesquisa que, quanto maior o nível de escolaridade, mais frequente é o uso da ferramenta.

Essa conclusão de que os sócios não usam a ferramenta é algo compartilhado entre os diretores, e entre alguns funcionários mais próximos a eles. Segundo Milena, os diretores “não tem habilidade para informática e não estão dispostos a aprender”. É

importante frisar, que ela falou isso quase num sussurro e ficou sem falar nada por um período longo, quase como se carregasse algum pesar nessa afirmação.

Embora a dificuldade com a informática seja algo contornável, o argumento de que “não querem aprender” é bastante complexo, uma vez que, se não quiserem usar o sistema, não poderão o compreender e fazer uso dele de uma forma estratégica. De acordo com os relatos, essa indisposição para aprender pode estar ligada a uma prática mais antiga, não necessariamente ligada ao Software novo. Isso pode ser percebido em:

[é o] modo deles serem assim já começaram assim, vão continuar assim. Sempre pediram tudo, tudo entregue na mão. Começaram a usar assim, não do jeito que é pra ser (MARILENE).

Isto é, eles não usam e não querem aprender a usar, já que estão habituados a requisitar aos outros as informações que eles precisam; como fica, também, claro nas falas:

[...] pois eu meio que faço tudo para eles. Entrego relatório por e-mail uma coisa que eles mesmos poderiam ir lá e abrir (MILENA).

Dos diretores só quem usa bastante a ferramenta é o [Diretor Executivo], os outros pedem as informações e agente entrega na mão. Usam pouco (MARILENE)

Outro aspecto que pode justificar isso é a interpretação de que eles só precisam saber usar o que é relevante a áreas específicas, isso pode ser auferido no seguinte recorte de entrevista:

Eu sou da parte comercial, não domino bem todo o sistema, uso o que implantaram recentemente [Dash Gestores], uso conforme a necessidade... Minha necessidade mais é resultados, né? Resultados da parte comercial. E preciso aprender mais né? (CÉLIA)

Do recorte da entrevista acima temos que, Célia só usa o que já estava definido e alinhado à sua área e, como já discutido, com o foco em vendas para a análise. Entretanto, essas questões não ficaram isoladas na diretoria, influenciaram também outros níveis hierárquicos, e, inclusive, isso foi espelhado no sistema novo, no sentido de que os membros organizacionais nos demais níveis esperavam que o próprio sistema desse as diretrizes de trabalho deles próprios, como pode ser visto no recorte da entrevista abaixo:

a gente achou que tinha comprado um software pronto para “sentar” e que ele viesse nos dar tudo que agente tava precisando e na realidade [...] veio o pessoal do sistema aqui no financeiro e perguntou o que eu queria, mas

eu acho que eles é que deveriam me dar coisas novas e atuais que eu precisaria usar, [mas] não, tive que colocar no sistema o que eu precisava (MARILENE)

A partir desse recorte, pode-se dizer então que a “inércia de uso” construído socialmente fomentou uma expectativa de que o sistema também seria compatível com a prática da dependência dos usuários em gerarem informações. Ou seja, é quase como se esperassem que o sistema sozinho entendesse o trabalho deles, definisse a informação que eles precisam e encaminhasse as informações a eles. Essa expectativa pode ser explicada pela dificuldade dos usuários em transformar dados em informações, por meio de relatórios e gráficos no software antigo. Aparentemente, na prática cotidiana, o sistema antigo serviu como artefato associado simbolicamente à ferramenta nova e que carrega conhecimentos compartilhados e linguagem, que, por sua vez, foram repassados do BOTE para o Shiva (SPEE; JARZABKIWSKI, 2009).

Além desses aspectos, existem práticas, alheias ao sistema e às suas características, que também se relacionam com o seu não uso ou pouco uso. Foi observado que, todos os gerentes de loja tinham sido vendedores, e alguns ainda continuavam vendendo; isto é, ainda possuem práticas de vendedores. Pelo o que pôde ser observado, os motivos para se tornarem gerentes foram o destaque como vendedor e/ou o relacionamento com os diretores. Assim, por estarem permeados pelo “foco em vendas” cobram de seus vendedores as vendas, não proporcionando espaço para analisar informações. Segundo Rafael

[...] gerente não tem que vender, ele tem que ser o suporte de uma boa venda. E tem que ser cobrado por isso. ‘Oh sua loja está vendendo 400mil, mas está dando prejuízo tem que mudar o que você me sugere?’ Ele é que está lá na ponta... Não sou [eu] que tenho que falar[o que acontece lá na ponta], ele [o gerente] que tem que me passar uma solução para mim. Mas, o gerente precisa saber ‘o que você quer de mim?’ tem que ensinar. É isso

que tem que ser implementado (RAFAEL). “o que eu penso hoje, Eros, o

mais certo hoje, não é vender muito é controlar muito” (CÉLIA).

Logo, parece coerente que as construções sociais do grupo de gerentes os levem a não usar o sistema ou usar pouco, no lugar de fazer um uso intenso e mais estratégico. O Quadro 13 apresenta o resumo da discussão apresentada.

Quadro 13 - Questão do uso inercial

Noesis (como) Noema (o que) Redução (motivo)

Fenômeno Uso acomodado às

circunstâncias Uso dissimulado da ferramenta Herança do contexto, tentativa (d)e manutenção de práticas. Fonte: Desenvolvido pelo Autor

Para concluir os temas de análise, a seguir apresentar-se-ão os aspectos que levam a transformação do software em ferramenta estratégica.