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As incursões do século

4. Expedição de Eiríkr blóðøx, depois de 954?

A Historia Norwegie contém uma referência breve a uma expedição de Eiríkr blóðøx na Península Ibérica, onde, segundo o texto, ele terá morrido em combate (XII; Ekrem & Boje Mortensen 2003, 82-3). O mesmo é dito pelo Ágrip af Nóregskonungasögum (capítulo 7; Driscoll 1995, 16-7), mas tanto o Fagrskinna (capítulo 8; Finlay 2004, 57-60) como o Heimskringla (Hákonar saga Góða 4; Hollander 1964, 98-9) têm uma versão diferente da morte de Eírikr.

No início deste capítulo, referimos o líder vikingue em questão, que se tornou Rei de York em 948. Mas, segundo a Crónica Anglo-Saxónica, foi deposto nesse mesmo ano, regressando ao trono da cidade em 952 até ser novamente deposto dois anos depois. Teria sido após esta derradeira expulsão, que tanto a Historia Norwegie como o Ágrip atribuem à crueldade da mulher de Eírikr, que ele partiu numa expedição pirata, acabando por morrer algures na Península Ibérica (ille in Hispanie finibus). O episódio é referido por Alemparte (1999, 36-7) e por Sánchez Pardo (2010, 66), mas

133 não só não é possível precisar quais as regiões atacadas, como podemos estar perante um equívoco documental.

O Fagrskinna e o Heimskringla colocam a morte de Eiríkr nas Ilhas Britânicas, quando o deposto monarca de York liderou uma expedição de saque em retaliação contra o rei inglês e, após percorrer a costa, da Escócia até ao Mar da Irlanda, penetrou no sul de Inglaterra. O excesso de confiança, dizem os textos, provocou a sua derrota e morte num confronto com as tropas inglesas. As duas fontes estão, por isso, em contradição aberta com a Historia Norwegie e o Ágrip, que podem ser mais antigos (ambos da segunda metade do século XII, recordamos), mas isso não significa que sejam, necessariamente, mais fidedignos. Numa nota na sua edição da Historia de Antiquitate Regum Norwagiensium, David e Ian McDougal referem que o filólogo islandês Finnur Jónsson atribuiu a contradição a uma confusão entre Stan- e Span- (Foote & McDougall 1998, 59, n. 25), dado que o local suposto para a morte de Eiríkr em Inglaterra é Stainmoor (Jakobsen 1993, 161).

A opinião prevalente parece ser a de que o deposto Rei de York morreu em território inglês e não encontramos base que nos permita discordar. O argumento de Finnur Jónsson oferece uma explicação para a narrativa alternativa da Historia Norwegie e do Ágrip e não se conhece nenhuma referência a Eiríkr blóðøx nas fontes ibéricas. É certo que há notícia de ataques nórdicos na década de 960, mas querer atribuir um ou mais a um líder vikingue em particular sem base documental é cair no mesmo erro de quem se refere às incursões de 858-9 como tendo sido chefiadas pelos filhos de Ragnar loðbrók. Por muito interessantes que os nomes sonantes possam ser, o rigor histórico exige que se resista à tentação de os colar a este ou aquele ataque com base numa correspondência cronológica vaga.

Chamamos, no entanto, a atenção para um padrão que poderá estar oculto neste episódio, mesmo que ele seja, afinal, um equívoco: com o recuo das incursões vikingues em França, as Ilhas Britânicas surgem como a origem provavel dos grupos de nórdicos que chegaram ao ocidente ibérico. Eiríkr blóðøx pode nunca ter estado na Península Ibérica, mas é provável que outros vikingues oriundos do arquipélago britânico o tenham feito. E a essa origem junta-se ainda a Normandia, conforme iremos referir ainda neste capítulo.

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5. Guimarães, c. 968?

A notícia daquilo que poderá ter sido um ataque nórdico surge na primeira referência escrita ao Castelo de Guimarães, de que falaremos na terceira parte. E não o afirmamos categoricamente porque falta uma referência explícita aos vikingues e não dispomos de cronologia precisa.

O texto tem a data de 968 e consta do testamento de Mumadona Dias (Herculano 1868, 61, doc. 97). Para além do ano em que foi outorgado, as linhas iniciais fornecem uma referência cronológica suplementar, ao indicarem que, não muito tempo depois da confirmação do documento, os gentios atacaram a comunidade religiosa de Guimarães (Post non multo uero temporis quod hunc series testamenti in conspectu multorum est confirmatum persecutio gentilium irruit in huius nostre religionis suburbium). E, acrescenta a fonte, pouco antes disso tinha sido edificado junto ao mosteiro o Castelo de São Mamede, no Monte Latito, por receio de um ataque dos gentios e para protecção dos frades e freiras (et ante illorum metum laborauimus castellum quod uocitant sanctum mames in locum predictum alpe latito quod est super huius monasterio constructum et post defensaculo huius sancto cenobio concedimus).

O problema com que nos deparamos é o da interpretação do termo gentiles, que tem o mesmo sentido que pagão e, dessa forma, tanto podia ser aplicado a nórdicos como a muçulmanos. É certo que, à época, a linha de fronteira com o espaço islâmico encontrava-se perto ou um pouco a sul do Mondego, com o Condado de Coimbra a assumir o controlo do território limítrofe. Mas isso, por si só, não impedia a ocorrência de expedições muçulmanas a norte, conforme prova a incursão andaluza à Galiza em 953. Poderíamos pensar que a chave para o problema reside na identificação de um ataque anterior a 968, cujo itinerário não se conhece, mas que teria passado suficientemente perto de Guimarães (ou causado um grande choque) para, por medo (metum), levar à construção da fortificação. Mas o receio tanto pode ter-se ficado a dever a um ataque em concreto como à percepção de que a villa Vimaranis encontrava-se numa zona de risco, dadas as notícias de investidas noutros locais. E, assim sendo, voltamos à questão inicial de quem eram os gentios. Dada a distância de Guimarães da fronteira com o território omíada, a ameaça mais imediata talvez viesse do mar, onde, à época, proliferava a actividade de piratas nórdicos.

135 Voltaremos a este ponto mais à frente, mas talvez seja significativo que, das décadas de 950 e 960, temos notícia da construção de três fortificações, duas contra gentiles (Guimarães e a Lanzada) e uma, as muralhas de Compostela, explicitamente referidas como sendo contra ataques vikingues. E há ainda a possibilidade de se poder incluir o acordo de Hermenegildo de Lugo. Podemos estar perante a reacção a uma ameaça comum, do norte galego à região do Minho, e que poderá ter protagonizado o ataque que, segundo o documento, ocorreu por altura da confirmação do testamento de Mumadona Dias.

Assumindo que se tratou de uma investida nórdica, podemos relacioná-la com alguma das conhecidas por outras fontes? Fernando José Teixeira fala de uma incursão em 964 que terá sido a primeira prova de fogo do Castelo de Guimarães (2001, 19), mas não temos conhecimento de notícias de nórdicos nessa data. Além de que a referência ao ataque como tendo sido pouco depois da confirmação do testamento (Post non multo uero temporis) obriga a empurrá-lo para próximo de 968. Poderá até ter ocorrido só no ano seguinte, dado que o documento contém a data de 4 de Dezembro: Notum die IIe nonas decembris. Era Mª VIª Mummadomna hunc uotum meum libentissime et sponte iterum confirmo. E a única incursão que se conhece para esse período de 968 a 969 é a expedição de Gunderedo. Alberto Sampaio mostrou-se favorável a essa hipótese (1979, 33), mas o episódio teve lugar mais a norte, pelo que temos duas possibilidades. A primeira é a de que, após a vitória contra o Bispo de Iria- Compostela, os nórdicos tenham chegado a Guimarães, antes de serem derrotados em 969 ou depois desse momento, com pequenos grupos de sobreviventes do exército de Gunderedo a dispersarem-se pelo território. A segunda é estarmos estar perante um bando vikingue do qual nada mais sabemos, mais um entre vários que terão percorrido a costa galego-portuguesa, mas de cujas acções o registo escrito é escasso ou nulo, por nunca ter sido feito ou por se ter perdido.

Em resumo, há referência a um ataque por volta de 4 de Dezembro de 968 e ao medo que, numa data anterior, levou à construção do castelo. Os responsáveis pela investida e receios da comunidade foram os gentios, que não sabemos ao certo se são nórdicos ou muçulmanos. Talvez os primeiros, dada sua presença na costa galego- portuguesa da época e a localização da fronteira com o Andalus no Mondego. Mas sem podermos arredar por completo a hipótese de terem sido os segundos, uma vez que se

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conhece uma expedição andaluza à Galiza em 953. O uso do termo gentiles pode até ser propositado, por permitir mencionar com uma palavra duas ameaças distintas.

6.

Galiza, 968-921

No final da década de 960, segundo as fontes existentes, o noroeste ibérico assistiu à maior incursão nórdica de que foi alvo, levando à morte em batalha do Bispo de Iria-Compostela e, ao que parece, à pilhagem contínua da Galiza durante um ano. E tudo num período em que, conforme já foi referido, o rei era apenas uma criança sob a regência da sua tia.

O registo dos acontecimentos surge em três fontes medievais. Segundo a Crónica de Sampiro, de acordo com a versão preservada pelo Silense (capítulo 28; Pérez de Urbel 1952, 340-2), os vikingues chegaram numa frota de cem navios, no segundo ano do reinado de Ramiro III, liderados por um Gunderedo (Anno secundo regni sui, centum classes normanorum cum rege suo nomine Gunderedo, ingresse sunt urbes Gallecie). Atacaram os arredores de Santiago de Compostela, mataram o Bispo Sisnando e saquearam toda a Galiza até aos Montes Cebreiro. A sua expulsão só teve lugar um ano depois, liderada por um Conde Guilherme Sanches, que atacou e derrotou os vikingues, matou Gunderedo e incendiou a frota invasora. O Cronicão Iriense (capítulo 11; García Álvarez 1963, 119) apenas refere parte da narrativa de Sampiro, mas acrescenta um conjunto de detalhes: a morte de Sisnando num domingo de Quaresma, o desembarque nórdico num local chamado Juncaria com o objectivo de chegarem a Iria (veniens de Iuncariis volentes ire ad Hyriam) e a morte do prelado em Fornelos. A Historia Compostelana (Livro I, capítulo II: 6; Falque Rey 1994, 74) repete o conteúdo do Cronicão Iriense e refina os pormenores, colocando a morte do bispo a 29 de Março da Era 1006 (occisus est III Kl. Aprilis Era I, VI; Lazcano 2006b, 43), o que equivale ao ano de 968. Fora da Península Ibérica, a História dos Normandos contém um episódio sobre o neto de Rollo que, segundo Dudo de Saint-Quentin, recrutou grupos de nórdicos para as suas campanhas militares e, após fazer paz com o Rei Lotário de França, converteu parte deles ao cristianismo. Os que se recusaram a receber o baptismo foram guiados até à Península Ibérica, capturando dezoito cidades

137 durante a viagem e sujeitando o território peninsular a saques e pilhagens até serem atacados por um exército ibérico, que parece ter sido derrotado. E, quando voltaram ao campo de batalha três dias depois, os nórdicos viram que partes dos corpos dos homens escuros e “etíopes” (sic) estavam “mais brancos do que a neve” (IV:124; Christiansen 1998, 162).

A vitória de Gunderedo sobre Sisnando é o único registo cronístico de uma derrota galega contra os nórdicos, dado que Ramiro I venceu os vikingues em Farum Brigantium em 844 e o Conde Pedro em 858, em local incerto. O relato dos ataques de 859 é ambíguo, uma vez que apenas diz que os vikingues pilharam a costa, mas a narrativa pode ser propositadamente vaga de modo a esconder infortúnios militares. Afinal, as crónicas são registos parciais, porque subordinados a um ideal político ou religioso, o que quer dizer que têm tendência a menosprezar as derrotas e a concentrar-se nas vitórias. Quando o peso das primeiras é demasiado grande para poder ser ignorado e obriga os cronistas a inclui-las no registo escrito, então procura- se uma justificação moral para o desaire imposto pela Providência. Conforme vimos na análise das fontes norte-ibéricas, foi assim com a queda do Reino Visigótico de Toledo e foi o caso, também, da vitória de Gunderedo sobre o Bispo de Iria-Compostela. Na Historia Compostelana, Sisnando é retratado como um homem ambicioso e belicoso que é encarcerado por ordem de Sancho I. Para o substituir como prelado, o monarca nomeia Rosendo (Livro I, capítulo II:6; Falque Rey 1994, 74), o futuro santo. Mas, uma vez falecido o rei em 966, Sisnando foge da prisão e regressa a Santiago de Compostela na noite de Natal, acompanhado de um séquito armado com o objectivo de recuperar o cargo de bispo. Após ameaçar cortar a cabeça a Rosendo, este renuncia e regressa ao Mosteiro de Celanova, mas, segundo o Cronicão Iriense (11; García Álvarez 1963, 118), não sem antes proferir palavras proféticas: qui gladio operatur, gladio peribit; quem pela espada opera, pela espada morre. A Historia Compostelana repete a ideia, embora não exactamente nos mesmos termos: qui mihi mortifero gladio Sisnande minaris, mortifero gladio violenter confodiaris (Lazcano 2006b, 43). É a Providência Divina a ditar a sua sentença pela boca de um homem santo, a seu tempo concretizada no campo de batalha. E é também a justificação cronística para o desaire militar de 968, pondo nos pecados de um clérigo da Igreja a culpa pela derrota que inaugurou um ano de depredação da Galiza. A realidade histórica, no entanto, terá sido diferente.

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Não é nova a opinião de que Sisnando nunca foi deposto por Sancho I. Enrique Flórez não reconheceu fundamento histórico à narrativa do Cronicão Iriense e da Historia Compostela, propondo, em alternativa, que São Rosendo só se tornou Bispo de Iria-Compostela após a morte de Sisnando em Fornelos (Lazcano 2006a, 156-62). Nos últimos anos, a teoria recebeu o apoio de Segundo Pérez López (2006, 305-17) e de José Hernández Figueiredo (2007, 141-5), este último não sem chamar a atenção para a escassez de fontes documentais para os anos de 965 a 967. Mas também houve quem defendesse a veracidade da tradição cronística, nomeadamente García Álvarez, a cuja teoria Pérez López dedicou seis páginas de contra-argumentação (2006, 311-7). Tanto este último estudioso como Hernández Figueiredo desmentem a narrativa das crónicas, citando um documento datado de 974, onde Rosendo surge como Bispo de Iria (2007, 145). A ser fidedigno, o texto coloca em causa a ideia de que o santo regressou a Celanova em 966 e lá passou o resto dos seus dias. O relato do Cronicão Iriense e da Historia Compostelana é posto em causa também por dois documentos do Tombo do Mosteiro de Sobrado dos Monges (García de Valdeavellano 1976, 31-7, docs. 5 e 6), ambos com a data de 10 de Dezembro de 966 e onde Sisnando surge como bispo. Quando, segundo a tradição cronística, ele só teria recuperado o cargo de prelado no Natal desse ano. Já a Vita et miracula Sancti Rudesindi nada diz sobre Sisnando, embora isso não permita retirar conclusões sólidas, dada a natureza hagiográfica do texto e os erros históricos de Ordonho de Celanova. Dessa forma, o desmentido parece vir, acima de tudo, de documentos guardados em cartulários que, a serem fidedignos, preservaram a realidade coeva, enquanto as crónicas foram alvo de uma elaboração narrativa posterior. Em qualquer dos casos, independentemente da teoria que se preferir, é certo que, em 968, Sisnando era Bispo de Iria-Compostela.

Alguns estudiosos têm apresentado datas alternativas para a incursão. Benito Vicetto, por exemplo, coloca-a no ano de 969 (1871, 203), mas a Crónica de Sampiro é clara quando refere a chegada da frota de Gunderedo no segundo ano do reinado de Ramiro III, que sucedeu a Sancho I no final de 966. A data é confirmada, conforme vimos, pela Historia Compostelana, que coloca a morte de Sisnando em Fornelos na Era 1006 (ano 968). A duração da expedição também tem sido vista de forma diferente, com alguns estudiosos a afirmarem que se prolongou por três anos. A confusão é compreensível dado o relato das fontes, com a Crónica de Sampiro (28;

139 Pérez de Urbel 1952, 340) a dizer que os Galegos levantaram-se contra os nórdicos ao terceiro ano (Tercio vero remeantibus illis ad propria). Cremos, tal como Jaime Ferreiro Alemparte (1999, 37), que o autor do texto estava a referir-se ao reinado de Ramiro III, tal como umas linhas antes refere-se ao segundo ano de governo do monarca para datar o início da incursão. Mas houve quem lesse na frase uma referência à duração da investida, que se teria, assim, prolongado por três anos: González Garcés (1987, 87) e Singul Lourenzo (1999, 52) são disso exemplo. Mais curiosa é a interpretação de José Caamaño Bournacell, que coloca a chegada de Gunderedo em 968, mas data o ataque ao interior galego e a morte de Sisnando de 970 (1964, 84). Os equívocos talvez tenham sido reforçados pelas referências árabes a ataques em 966 e ainda de 970 a 972, das quais falaremos mais à frente neste capítulo.

Para além da duração excepcional da incursão de 968, note-se o detalhe de ser também a única investida cujo líder conhecemos por nome: Gunderedo! É uma pequena informação que não existe para mais nenhum ataque ao ocidente da Península Ibérica no período vikingue, não obstante as já mencionadas hipóteses sem base histórica para o ataque de 844 e a atribuição persistente de um ataque a Tui a Óláfr Haraldsson, que analisaremos no capítulo seguinte. Gunderedo é o único nome de um líder vikingue preservado nas fontes do oeste ibérico, mais propriamente na Crónica de Sampiro (cum rege sue nomine Gunderedo). Será, possivelmente, uma latinização do nórdico Gunnrauðr (Price 2008b, 467) ou Gunrød (Morales Romero 2004, 185), apesar de haver registo do nome no ocidente peninsular antes de 968. Mais à frente, ao tratarmos dos vestígios das incursões nórdicas, daremos a devida atenção a este detalhe antroponímico.

Não há certezas quanto à sua origem. Uma possibilidade é ter vindo da Normandia, hipótese que faria dele um dos vikingues recrutados por Ricardo I que se recusaram a converter ao cristianismo. Mas também pode ter vindo da Irlanda, onde as disputas entre dinastias nativas e nórdicas talvez tenham levado um bando de piratas a atravessar o Mar da Cantábria e sem que disso tivesse ficado registo nos anais irlandeses. A aparente coincidência entre o relato de Dudo e a expedição de Gunderedo parece dar maior probabilidade à primeira possibilidade, mas convém evitar conclusões precipitadas e ter atenção aos detalhes: há registo seguro de actividade vikingue no ocidente da Península Ibérica para os anos de 966 a 972, a

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História dos Normandos não diz exactamente quando e onde teve lugar a batalha que parece ter sido ganha pelos vikingues e, já o dissemos, a expedição de Gunderedo terá terminado em 969. Foi, por isso, uma entre várias que ocorreram naquele período, o que obriga a perguntar a qual é que Dudo de Saint-Quentin se estava a referir. À de 966 que foi avistada de Alcácer do Sal e, ao que parece, após ter passado por Lisboa? A umas das que figuram nos registos palatinos de Córdova para os anos de 971 e 972? À de Gunderedo? Ou a qualquer outra de que não ficou registo? Há detalhes na passagem da História dos Normandos que podem ser identificados com algumas das hipóteses: a batalha contra um exército ibérico pode ser a que levou à morte de Sisnando, mas também pode estar a referir-se ao confronto que, segundo Ibn Idhari, teve lugar na região de Lisboa e cujo desfecho o autor árabe não revela.

Se formos a ter em conta todos os detalhes fornecidos por Dudo – e assumindo que todos eles são verídicos – talvez tenhamos que indicar a frota avistada em 966 em Alcácel do Sal como a que partiu da Normandia. Recorde-se que a História dos Normandos diz que os nórdicos voltaram ao campo de batalha três dias depois e revistaram os corpos dos homens escuros e “etíopes”, o que faz lembrar mais combatentes oriundos do norte de África, talvez até berberes, do que soldados de um exército liderado por Sisnando. Ora, como Gunderedo morreu na Galiza em 969, numa batalha em que a maior parte do seu exército terá caído, dificilmente se pode atribuir a ele uma incursão mais a sul e, dessa forma, não é fácil considerar a expedição por ele liderada como aquela a que Dudo se refere. Teremos, por ventura, que considerar a investida de 966 como a mais provável de entre as notícias que conhecemos, hipótese a que Almazán (1986, 97-8) parece aludir ao referir a frota avistada junto a Alcácer do Sal em conjunto com o relato da História dos Normandos. Frota essa que, conforme vimos, terá saído derrotada de um confronto nas proximidade de Silves, o que elimina a possibilidade de ter regressado a norte e levado a cabo a grande expedição de um ano, entre 968 e 969. Assim sendo, as origens de Gunderedo dificilmente podem ser encontradas na Normandia, entre os mercenários de Ricardo I. Restam as Ilhas Britânicas como a hipótese mais provável, se bem que por eliminação de alternativas e não por qualquer prova concreta que aponte para a Irlanda, Danelaw ou Escócia.

Também não é certo qual seria a dimensão exacta do seu exército. As crónicas falam numa frota de cem navios, mas, à semelhança de outras referências do género,

141 a cifra é mais facilmente aceite como uma estimativa. Ainda assim, houve quem sugerisse que Gunderedo liderou uma força de oito mil homens, como Izquierdo Díaz