PARTE I: ENQUADRAMENTO TEÓRICO
Capítulo 3: Desempenho Óptimo em Equipa
3.1. As experienciações positivas
3.1.3. Experiência de fluxo
Outra das experiências positivas que podem ser encontradas na literatura é a
experiência de fluxo, proposta por Csikszentmihalyi (1997b). Para este autor o fluxo é
um estado que ocorre quando todos os conteúdos da consciência estão entre eles em
harmonia na realização de uma tarefa ou actividade. Isto é, a sensação da que as
capacidades do sujeito se adequam aos desafios da tarefa na justa medida, absorvendo-o
numa concentração intensa. O tempo parece distorcido, e a experiência em si é tão
gratificante, que as pessoas estão dispostas a realizá-la pelo que vale, sem preocupação
por recompensas exteriores.
É uma experienciação que pode surgir durante a realização de um variado tipo
de actividades mais arriscadas e fisicamente muito exigentes, como a escalada ou a
maratona, em acções de lazer, como ler um livro ou ouvir música, mas também em
ambiente de trabalho. Em qualquer destes casos este tipo de experiências depende em
muito da interacção entre o indivíduo e a experiência, e pode ocorrer em qualquer
actividade da vida. No entanto, verifica-se que esta experienciação acontece mais
comummente em situações com objectivos e regras bem definidas, através das quais se
a pessoa está bastante focalizada em objectivos claros, fornecendo o processo um
feedback imediato. É importante que o desafio que se enfrenta seja o suficiente para que
exista uma aprendizagem para lidar progressivamente com desafios cada vez maiores.
Assim, esse desafio não deverá estar acima das suas possibilidades nem deve ser
demasiado simples.
O fluxo pode ocorrer praticamente em qualquer actividade que disponha das
condições necessárias acima referidas, sendo observadas em diferentes épocas e culturas
(Snyder & Lopez, 2007).
Segundo Csikszentmihalyi (2002) é o fluxo que traz excelência à vida, e a
felicidade que dele decorre não depende das circunstâncias externas, levando a uma
crescente complexidade e auto-consciência. Por contraditório que possa parecer, as
experiências mais positivas que ocorrem na vida são, maioritariamente, experiências de
âmbito laboral, quer seja em trabalhos blue collar quer seja em actividades white collar.
Parece que obter a sensação de estar a utilizar as melhores habilidades (skills) numa
situação desafiante é mais difícil fora do trabalho. Mas, aparentemente o facto de o
trabalho ser obrigatório na nossa sociedade faz com que a experiência positiva que gera
muitas vezes seja desconsiderada (Csikszentmihalyi, 1997b; Csikszentmihalyi &
LeFevre, 1989).
Para Amherdt (2005) o prazer e o desempenho são aliados e não antagonistas.
Do seu ponto de vista, a experiência de fluxo contribui para a saúde emocional no
trabalho. Este é um constructo de relevância no desenvolvimento das organizações e da
criação de um clima positivo.
Numa actividade em que as capacidades da pessoa estejam equiparadas ao nível
de trabalho ou de lazer. Acontece que apenas 20% das actividades de lazer contêm as
condições de fluxo, enquanto a percentagem de ocorrência de experiências de fluxo nas
actividades laborais oscila entre os 47% e os 64% (Csikszentmihalyi & LeFevre, 1989).
Os autores interrogam-se sobre qual o facto que leva as pessoas a não valorizar o
trabalho como fonte de satisfação e fluxo, quando é durante a sua realização que mais
frequentemente sentem maior gratificação, referindo preferência pelas actividades de
lazer, que são menos recompensadoras a este nível. Avançam algumas hipóteses para
este facto. De entre elas, postulam que parte das pessoas pode não gostar de actividades
que sejam desafiantes, requerendo um desempenho que alavanque as suas habilidades, o
que revela falta de uma personalidade autotélica 1. Avançam também a hipótese de que
pode existir uma falta de habilidade na estruturação dos tempos livres, de forma a
organizar a energia psíquica no seu preenchimento. Tal acontecimento poderá também
estar relacionado com factores culturais, entre os quais a falta de socialização na maior
parte das actividades de fluxo, em virtude de esta se focalizar maioritariamente entre a
pessoa e a realização de uma tarefa individual. Levanta-se mais uma vez a pertinência
de a investigar em actividades de grupo, visto que é desta forma que a maioria do
trabalho se realiza. Por último, o hábito enraizado de ter televisão ou da presença de
outros média durante o tempo livre que solicitam posturas de maior passividade.
As pessoas que referem maior motivação durante o fluxo gostam mais do seu
trabalho, comparativamente aos que obtém uma maior motivação durante estados de
apatia. Este facto pode indicar que existe um traço de personalidade autotélica que nem
sempre está presente, e que se traduz numa falta de apreciação de situações desafiantes
que requerem desempenhos mais especializados de acordo com a tarefa.
1
Para Csikszentmihalyi (1997a) o trabalho aparece muitas das vezes associado a
algo menos positivo, pelo que a maioria das pessoas prefeririam trabalhar menos. Mas
de facto, o trabalho é das coisas mais parecidas com um jogo – tem regras e objectivos
conhecidos, e é obtido feedback quer em termos de percepção do trabalho realizado,
quer em termos de resultados mensuráveis. Muitas vezes durante o trabalho, toda a
atenção está concentrada, e o ideal será que o exigido seja semelhante às habilidades
que o indivíduo possui, daí estarem criadas as condições para que se verifique a
experiência de fluxo.
Existem várias formas de se criar fluxo no desempenho do trabalho a executar,
mesmo que o trabalho a desenvolver não seja do especial agrado da pessoa. Estas
consistem em concentrar a atenção em todas as etapas, com o intuito de melhorar o
desempenho em cada uma delas. Esta premissa tem um valor fundamental para a gestão,
na medida em que a organização do trabalho é da responsabilidade dos gestores, e o
desenvolvimento das pessoas é da responsabilidade da liderança. Com este
conhecimento sobre o fluxo e sobre o processamento do trabalho, é possível criar
condições para o surgimento de motivação intrínseca nos colaboradores, fazendo com
que em simultâneo aumente o progresso da organização e da pessoa, sem custos
acrescidos.
Csikszentmihalyi (1997b) aponta a importância da interacção pessoal como
factor de aumento da qualidade das experiências vividas. Para que este tipo de dinâmica
tenha sucesso, o autor refere algum grau de compatibilidade entre os objectivos de cada
pessoa envolvida, e a disponibilidade para dar atenção aos objectivos do outro. Este
relacionamento interpessoal no mundo do trabalho acontece normalmente no grupo de
(Luthans, 2005; Newstrom & Davis, 2002). Nestas condições, é possível obter o fluxo
que decorre da interacção óptima, onde cada pessoa dá a sua contribuição espontânea,
criando conjuntamente algo de novo. Com perspectiva semelhante Salanova, Bakker e
Llorens (2006) preconizam uma influência positiva dos recursos organizacionais
(suporte social e objectivos claros) e dos recursos pessoais (crença de auto-eficácia) na
ocorrência do fluxo no trabalho. Esta influência é recíproca, pelo que a existência de
fluxo em actividades laborais parece potenciar os referidos recursos organizacionais e
pessoais.