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CAPÍTULO I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1. Apresentação: currículo e Educação Infantil

1.6. A reorganização do currículo da Educação Infantil

1.6.2. Experiências educativas – uma perspectiva inspirada em John Dewey

Segundo Neira (2013), os princípios da pedagogia da participação são desvinculados de qualquer técnica referente à forma de ensinar e com a antecipação do que poderia ser aprendido. Isso não significa que o programa de ensino não seja importante; sim, ele é, porque serve de referência para acompanhar as aprendizagens das crianças, planificar e organizar as experiências.

Essas características citadas nos levam a concluir que nesta proposta o centro do currículo é a criança e suas competências. O professor tem o papel de organizar os ambientes e ficar a observar as interatividades, entendê-las e responder às crianças (Formosinho & Oliveira-Formosinho, 2013). Frente a isso, Freire (2018, p. 121) chama a atenção para a importância de que o “educando vá assumindo o papel de sujeito da produção da sua inteligência do mundo e não apenas o de recebedor da que lhe seja transferida pelo professor”. Do ponto de vista da educação para a infância, a pedagogia da participação é um terreno profícuo para a construção da autonomia, da criticidade e da emancipação do sujeito.

1.6.2. Experiências educativas – uma perspectiva inspirada em John Dewey

John Dewey (1859-1952). Para este filósofo e pedagogo norte-americano, “o termo experiência pode ser assim interpretado com referência tanto à atitude empírica, quanto à atitude experimental da mente. A experiência não é algo rígido e fechado, é vital e, portanto, crescente” (Dewey, 1961, citado por Zuccoli, 2015, p. 211). Nesse sentido, a educação por experiência valoriza os saberes, os conhecimentos, os interesses, as capacidades, as aptidões, as histórias das crianças e de seus contextos socioculturais. A escola se transforma em um ambiente de troca ativa, em espaços de interação, troca de saberes, construção de aprendizagens individuais e coletivas. “A aprendizagem é activa: envolve alcançar a mente, envolve a assimilação orgânica a partir do interior. Literalmente, devemo-nos colocar ao lado da criança e partir dela. É ela e não o assunto-matéria quem determina quer a qualidade quer a quantidade da aprendizagem” (Dewey, 2002, p. 161).

Dewey expõe dois aspectos presentes na experiência educacional: “imediato e o mediato”, o imediato consiste no efeito agradável ou desagradável que a experiência pode causar no aprendiz. Já o aspecto mediato está relacionado com a influência de experiências atuais sobre experiências posteriores, reverberando no princípio da continuidade presente na dimensão experiencial do sujeito (Dewey, 1979).

Contudo, “não basta continuar as experiências, é preciso especificar a direção da experiência” (p. 32).

Para que o sentido de continuidade seja concretizado a experiência precisa de mapas, que apontem a direção de futuras experiências, e esses são compostos por condições internas: os desejos, os anseios, os sonhos; e pelas condições objetivas: currículo, programa e planejamento que norteiem as experiências educativas. Então, cabe às escolas, em conjunto com os professores, a função de criar estratégias para que as aprendizagens predeterminadas pelos departamentos nacionais de educação sejam efetivamente significativas para as crianças criarem e ressignificarem suas próprias experiências.

Outro princípio mencionado por Dewey na experiência educacional é a interação. Este torna-se num “segundo princípio fundamental para interpretar uma experiência em sua função e sua força educativa” (1979, p. 34). Nesta visão, a interação é o ponto da situação entre as condições internas e as objetivas no aprendiz. Dessa forma, a interação serve como moderadora entre as duas condições que neste princípio têm igual valor.

Nós, professores, somos tendenciosos a polarizar as situações, pois temos a tendência de as visualizar sempre em polos distintos, numa lógica muito dicotómica. A concepção de currículo da educação infantil é um exemplo dessa polarização: ou cuida ou educa as crianças; ou brinca ou aprende;

ou coloca a linguagem escrita e a matemática como centro das práticas ou a brincadeira. Esses e tantos outros paradoxos estão diuturnamente presentes nas instituições de Educação Infantil. Dewey também explica que “experiência somente é verdadeiramente experiência, quando as condições objetivas se

acham subordinadas ao que ocorre dentro dos indivíduos que passam pela experiência” (1979, p. 33).

Deste modo, para a experiência ser concretizada é preciso que haja um elo entre o objeto (atividades, brincadeiras, faz de conta, jogos, etc.) e as experiências de cada pessoa.

Neste sentido, conhecer as experiências culturais da criança, chamadas também de

“conhecimentos prévios”, é essencial para a elaboração de um bom planejamento, bem como, para o desenvolvimento de quaisquer experiências educativas qualificadas. Assim, a criança pode entender que na escola as suas experiências são valorizadas. Ela pode se expressar e narrar as suas experiências porque serão escutadas e transformadas em temas norteadores da sala, transmitindo confiança e segurança para a criança ser, enaltecendo o sentimento de pertencimento e fortalecendo a sua participação na sala, na escola, na família e na comunidade.

Logo, a Educação Infantil, enquanto etapa responsável pela formação de sujeitos em tenra idade, por ter um currículo estruturado em campos de experiências, precisa de promover estímulos que favoreçam a concretização deste “universo experiencial, associado ao processo educativo” (Ponte &

Quaresma, 2012, citado em Morgado et.al., 2018, p. 77). Estímulos esses capazes de afetar o bem-estar, aguçar os sentidos e tomar as experiências das crianças como ponto de partida para desenvolvimento das competências motoras, cognitivas e emocionais, respeitando o seu tempo enquanto infância e o seu tempo enquanto ritmo.

Com efeito, estamos imersos numa sociedade da informação, na qual a escola se inclui e a quantidade de informações sobressai à qualidade. Na educação existe uma ideia incutida de que, quanto mais conteúdos programáticos forem “passados” mais aprendizagens ocorrem. Essa ideia sobrepõe-se à potencialidade da experiência em detrimento das condições objetivas, citadas por Dewey (1979).

Bondía, parafraseando Walter Benjamim, chama atenção sobre o excesso de informações, em contraponto da escassez de experiências. “A informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência”

(Bondía, 2002, p. 21). Barbieri corrobora com as ideias de Benjamim, referindo que “quando nos tornamos mais informados, não significa que tivemos uma experiência em nossas vidas. Estar informado é relevante, mas não é tudo. É apenas uma camada para chegarmos ao conhecimento” (Barbieri, 2012, p. 33).

Kramer (2000) nos chama a atenção sobre o valor da narrativa de experiências para a existência humana, a partir das ideias postuladas por Benjamim (1987).

Já no início do século XX, Benjamin criticava a modernidade e o risco de se perder a capacidade de

narrar, porque a experiência se empobrece e se torna vivência: na vivência, reagimos aos choques do cotidiano e a ação se esgota no momento de sua realização, por isso é finita; na experiência, o que é vivido é pensado, narrado, a ação é contada a outro, partilhada, se tornando infinita. (Kramer, 2000, p.

10)

Por este ângulo, pode-se afirmar que a experiência não resulta unicamente da informação. Essa, por si só, não tem valor significativo, pois precisa de entrelaçamento com os saberes culturais trazidos pelas crianças e com as experiências promovidas nos contextos das creches e pré-escolas. Por isso, cabe à escola o papel de formar cidadãos, aprofundar seus conhecimentos, potencializá-los, ampliá-los, gerenciar as aprendizagens, para que sejam significativas e capazes de proporcionarem o desenvolvimento integral.

Na visão de Rogers (2001), aprendizagem significativa é mais do que uma aglomeração de conteúdos, é uma aprendizagem permanente que adentra as camadas existenciais da pessoa, promove modificações nas atitudes e no comportamento.

Se eu tivesse que reduzir toda a Psicologia Educacional a um único princípio diria isto: o factor singular mais importante que influencia a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já conhece. Descubra o que ele sabe e baseie nisso os seus ensinamentos. (Ausubel, citado por Roldão, 2000, p. 24)

Esse modelo de aprendizagem exige mudança de postura e rompimento de velhos padrões pedagógicos pautados em decisões centradas na perspectiva somente do professor, ou a partir da visão de “adulto em miniatura” que se tem da criança. Assim, essas transformações pedagógicas podem culminar numa postura de professor investigador de experiências, por meio da observação atenta das ações e da escuta sensível das crianças.

Para concluirmos, tomemos como exemplo esse trecho do texto “Infância, Cultura Contemporânea e Educação contra a Barbárie”, apresentado por Kramer para refletirmos sobre o significado genuíno da experiência:

Levar algo de um livro, de uma pintura ou de um filme para além do seu tempo, para além do momento em que se lê, aprecia ou vê – aqui reside a dimensão de experiência. Trata-se de uma prática que produz uma reflexão sentida. (2000, p. 10)

Este exemplo nos permite refletir sobre o papel dos professores da Educação Infantil frente a este novo contexto curricular. Promover uma reflexão sentida é, no mínimo, desafiador para os professores formados numa perspectiva de educação transmissiva. Fomentar intencionalidade educativa a partir da realização de experiências não é simples e, tão pouco, fácil, pois precisa de conhecimentos e reflexões sobre o que são essas experiências, de se apropriar dos seus significados, de saber para que servem e qual a importância delas para a aprendizagem das crianças. Assim, faz-se necessário aprender como promover experiências, como os ‘campos’ se apresentam nelas e como as crianças aprendem através delas.