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CAPÍTULO I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1. Apresentação: currículo e Educação Infantil

1.4. Modelos de currículos na Educação Infantil brasileira

da criança – do desenvolvimento humano neste período; pois ela é a representação auto-ativa do interno – representação do interno, da necessidade e do impulso internos” (Souza, 2006, p. 58). Kishimoto (2010) corrobora com as ideias de Froebel ao considerar a brincadeira como a principal atividade cotidiana da criança, porque permite a ela o poder de decisão, expressão dos sentimentos, conhecimento sobre si, sobre o outro, sobre o mundo, além de propiciar o prazer, a alegria, o valor da partilha, a construção da identidade à luz das suas diferentes linguagens.

Outro modelo que referenciou, e continua referenciando, os currículos da educação para infância é o método alicerçado no tripé: ambiente adequado, material científico e atuação do professor, criado pela médica italiana Maria Montessori (1870-1952). Esse método consiste em enfatizar o fazer da criança atrelado ao papel formativo do ambiente e à concepção da mente infantil como mente absorvente (Souza, 2006). A pesquisadora considerava o ambiente como um fator importante para a organização da subjetividade da criança. Um ambiente organizado e adequado lhe possibilita maior autonomia, segurança e confiança para transitar no espaço. Montessori “indicava a necessidade de materiais da

«vida prática», «sensoriais do desenvolvimento». Além de materiais para aquisição da cultura” (Souza, 2006, p. 60), e criou o mais vasto acervo de brinquedos educacionais estimuladores das dimensões motora e mental das crianças.

No intento, Oliveira (2011, p. 75) diz que a proposta de Montessori “desviava a atenção do comportamento do brincar para o material estruturador da atividade própria da criança: o brinquedo”.

Contudo, essa proposta, assim como outras, continua sendo considerada como um bom modelo que auxilia na didática docente, pois a manipulação e a exploração desses tipos de brinquedos, se proporcionada de forma lúdica, divertida e criativa, possibilita à criança a construção de significados e aprendizagens sobre o meio físico e social.

Souza (2006) diz que os professores, na visão de Montessori, têm um papel de observadores, pois não interferem no processo de descoberta da criança e permitem que ela faça esse processo por si mesma. Sua função é organizar o ambiente de aprendizagem e possibilitar o contato da criança com os materiais. À primeira vista, este papel parece desvalorizar o trabalho docente, com o deslocamento do lugar de condutor do conhecimento, para o de mediador da aprendizagem da criança, mas não o é. Pelo contrário, essa proposta de educação permite aos professores assumirem a posição de profissionais reflexivos críticos sobre a sua própria prática e, consequentemente, sobre o processo de aprendizagem das crianças, por tudo que já foi mencionado em relação a este modelo.

Em linhas gerais, percebe-se que as ideias de Montessori coadunam com as ideias postuladas por Froebel no que se refere à importância dos jogos e da brincadeira, ao contato com materiais

concretos e diversificados. Montessori amplia seu olhar para a relevância da organização de ambientes no desenvolvimento e aprendizagem na infância. Estes métodos criados no século XIX continuam prevalecendo e centralizando o rol das discussões acerca do currículo e as didáticas dos professores em pleno século XXI. Assim, a brincadeira, a organização dos ambientes de aprendizagens sob a perspectiva de Montessori não é uma realidade em muitos contextos que atendem crianças pequenas no país. As propostas pedagógicas se diferem entre instituições, e suas localizações territoriais, entre organizações públicas, privadas e entre as atuações dos professores dentro das salas de aula.

Para discutirmos as contribuições da pedagogia do francês Celestin Freinet (1881-1966) para a organização do currículo da Educação Infantil brasileira, continuaremos com as ideias de Souza (2006) e de Oliveira (2011) que elucidam os principais pressupostos que embasam a proposta Freinetiana.

Segundo Souza, para Freinet, a renovação da escola fazia parte de um projeto político macro de transformação da sociedade. Ele via a educação como um projeto democrático e como um direito da população de baixa renda. Para Oliveira, Freinet é um dos “educadores que renovou as práticas pedagógicas de seu tempo, [...] para ele a educação que a escola dava às crianças deveria extrapolar os limites da sala de aula e interagir-se às experiências por elas vividas em seu meio social” (Oliveira, 2011, p. 77).

Segundo as mesmas autoras, a pedagogia Freinet dedicou-se à experimentação de princípios, métodos e técnicas educacionais alternativos. Criou as aulas-passeio, o desenho livre, o texto livre, o jornal escolar, a correspondência interescolar, o livro da vida. Oliveira (2011, p. 77) destaca que “apesar de Freinet não trabalhar diretamente com crianças pequenas, sua experiência teve lento, mas marcante impacto sobre as práticas didáticas em creches e pré-escolas em vários países”.

Sampaio (1994) diz que as propostas pedagógicas que seguem os princípios da pedagogia freinetiana englobam em suas organizações o “tateamento experimental”, que é composto por

aptidão para manipular, observar, relacionar, emitir hipóteses, verificá-las, aplicar leis e códigos, compreender informações cada vez mais complexas. É uma atitude particular que deve ser desenvolvida pouco a pouco, assim os conhecimentos vão sendo adquiridos pela criança e se enraízam profundamente nela, permanecendo, entretanto, revisáveis e relativos, quando aparecem novos fatos ou quando são feitas novas experiências. (Sampaio, 1994, citado por Silva, 2021 p. 172)

Assim, a escola que fomenta a construção da aprendizagem das crianças por meio de tentativas experimentais onde ela possa manipular, observar, criar hipóteses, construir, desconstruir e reconstruir

conceitos terá informações relevantes sobre a permeabilidade da criança neste tipo de experiência, como também poderá propor atividades sensíveis à construção de outras experiências. Nesta perspectiva, a função dos professores é, segundo Freinet (1997, citado por Silva, 2021), a

de facilitar e enriquecer a aprendizagem das crianças e torná-las, por meio de um trabalho organizado, sensíveis à experiência “fazendo-as saudáveis, exercendo uma troca favorável de afetividade, permitindo-lhes efetuar numerosas tentativas que conduzam a êxitos”. (p. 172).

Nesta citação, Freinet elenca a experiência como uma forma da criança acessar sua subjetividade através da exploração do meio físico e a afetividade como entremeio para produção de experiências exitosas. Assim, cabe aos professores que atuam na Educação Infantil a tarefa de planejar experiências que condizem com a realidade da criança, partindo de uma perspectiva que valorize a aprendizagem integral por meio da exploração de diferentes espaços e materiais. Nesta lógica, podemos dizer que Freinet contribuiu significativamente para a elaboração do currículo atual vigente no Brasil.

As propostas pedagógicas freinetianas ganharam força na educação brasileira, na década 1980, juntamente com os esforços de educadores brasileiros que buscavam fundamentos em pressupostos democráticos e em favor das camadas populares (Souza, 2006). E, pelos vistos, continua sendo utilizada por educadores que buscam uma educação libertadora e emancipatória para os estudantes.

Os princípios deste modelo curricular podem ser vistos no cotidiano das escolas de Educação Infantil. Muitas das técnicas e método criados por Freinet permeiam as didáticas dos fazeres dos docentes brasileiros, tais como, a organização dos ambientes de aprendizagens por “cantinhos”. Por exemplo: o cantinho dos brinquedos, dos livros, da natureza, dos experimentos, das artes, bem como, as aulas passeio, os fichários com a lista dos nomes das crianças e/ou lista de palavras descobertas pela turma, etc. Enfim, grande parte das metodologias aplicadas na Educação Infantil são hoje inspiradas nos estudos realizados por esse educador, à frente do seu tempo, com práticas inovadoras, comprometido com a qualidade da educação e com a transformação da sociedade.

A proposta pedagógica baseada em “temas geradores” é outra referência para história do currículo da Educação Infantil, conhecida como uma das mais importantes da década de 1980, apresentada inicialmente por Regina de Assis e que se expandiu durante a consolidação das redes municipais de creches e pré-escolas no Brasil. Para Souza (2006), a proposta dos Temas Geradores aproxima-se da proposta Freinetiana, por apresentarem características semelhantes quanto aos fundamentos na perspectiva sociopolítica, à defesa da educação de qualidade para as crianças das

classes populares e o atendimento eminentemente de caráter educativo para as crianças pequenas. A autora também destaca que “esta alternativa curricular preconiza a educação para a cidadania tendo como metas principais o desenvolvimento da cooperação e da autonomia” (Souza, 2006, p. 69).

Para Kramer (2007), o tema gerador é o “verdadeiro fio condutor das atividades e, ao mesmo tempo, organizador dos conteúdos” (p. 63). Tozoni-Reis (2006 diz que “o tema gerador é o ponto de partida para o processo de construção da descoberta” (p. 103). A proposta dos temas geradores se baseia nas áreas de conhecimentos linguísticos, matemáticos, ciências naturais e ciências sociais. Além de apresentar algumas recomendações sobre o trabalho pedagógico no que tange à organização dos espaços, à disposição de materiais pedagógicos, à organização do tempo, às atividades diversificadas e à atuação dos professores junto das crianças (Souza, 2006).

O autor interacionista Lev Vygotsky influenciou, e continua influenciando, os currículos da Educação Infantil na atualidade. Ele trouxe grandes contribuições para a educação ao defender a

“constituição social do sujeito dentro de uma cultura concreta” (Oliveira, 2011, p. 131) como premissa para o entendimento sobre o desenvolvimento infantil. “Para Vygotsky a construção do pensamento e da subjetividade é um processo cultural, e não uma formação natural e universal da espécie humana”

(Oliveira, 2011, p. 31). Nesse enfoque, o desenvolvimento humano ocorre mediante as relações estabelecidas entre as pessoas, entre elas e os objetos e delas em interação com o meio físico, social e natural. Dentro deste panorama, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, de 2009, se fundamentam na teoria Vygotskyana ao definir que as práticas pedagógicas devem ter como eixos norteadores as interações e as brincadeiras (Ministério da Educação, 2009). Compreendendo que o aprendizado se dá por meio das interações e o brincar é uma rica possibilidade para ativação da zona de desenvolvimento proximal da criança. Na interpretação de Ivic (2010), Vygotsky considera que as ações da educação devem centrar-se na zona de desenvolvimento proximal, distância entre o nível de desenvolvimento real e o desenvolvimento potencial da criança, por meio de encontros experienciais com a cultura “mediada por um adulto, primeiramente, no papel de parceiro nas construções comuns, depois como organizador das aprendizagens” (Ivic, 2010, p. 33). Assim, o brincar é visto como um recurso essencial para a constituição da aprendizagem, onde a criança se relaciona com mundo simbólico, constrói significados sobre si, sobre o mundo e produz cultura.