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CAPÍTULO I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.2. A Teoria da Relevância e a tradução

1.2.6. Explicaturas e implicaturas

Pela TR, um enunciado é composto de explicaturas e/ou implicaturas. As explicaturas de um enunciado são recobradas a partir do desenvolvimento de suas formas lógicas. É a informação comunicada explicitamente por um enunciado, constituindo-se no conjunto de suposições decodificadas. Vale dizer aqui que há graus

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Minha tradução de: “the context of an assumption is constrained by the logical entries of the concepts it contains, while the context in which it is processed is, at least in part, determined by their encyclopaedic entries”.

variáveis de explicitação dentro de um enunciado, de maior a menor grau. Quanto menor a necessidade de informações contextuais, maior o grau de explicitação de uma informação veiculada por um dado enunciado. Podemos dar como exemplo o versículo 22,20 do Livro do Êxodo da Bíblia Hebraica, onde se lê na tradução de Melamed (2001): “E ao peregrino não fraudareis e não o oprimireis”. A explicatura deste enunciado é recobrada a partir do que está codificado linguisticamente através do desenvolvimento das formas lógicas de cada conceito de sua representação semântica. Tem-se, como entrada lógica, que “peregrino” denota aquele que viaja, que empreende longas jornadas. “Fraudareis” tem como entrada lógica o ato de burlar, lesar. “Oprimireis” significa afligir, atormentar, torturar. A Bíblia exorta a não lesar e a não atormentar aquele que vem de outro lugar, após uma longa jornada. O enunciado acima explicita esta informação a partir do desenvolvimento das entradas lógicas. Daí dizermos que se trata de uma explicatura.

As implicaturas, por sua vez, são recobradas pela via inferencial, constituindo-se na informação implícita de um enunciado. Segundo Sperber & Wilson (1995:181), a implicatura “é construída com base em informações contextuais e, em particular, com o desenvolvimento de esquemas de suposições acessadas a partir da memória enciclopédica”34. O conteúdo implícito de um enunciado seria o conjunto de suposições inferidas. Quanto mais implícita uma informação, maior a necessidade de informações contextuais para inferi-la. Retomando-se a passagem do Livro do Êxodo acima, o leitor poderia inferir a partir da explicatura do enunciado que, se este é um mandamento vindo de D’us, explorar um peregrino poderia acarretar sanções divinas a seu ato. Esta poderia ser uma possível implicatura derivada a partir da explicatura em Êxodo 22,20.

Outro exemplo para ilustrar a questão sobre explicaturas e implicaturas pode ser retirado do tratado talmúdico de Bava Metsia (cf. análise para G21 mais à frente), onde se lê: “Hadavar massur lalev”, o que, por suas entradas lógicas, significa: “A palavra está dedicada ao coração”. Esta é a explicatura do enunciado. A partir desta explicatura pode-se chegar, por inferência, à implicatura de que o Talmud faz alusão a algo que toca o íntimo do ser humano, algo que só diz respeito à pessoa, ao interior da alma humana. Pode-se inferir também que seja algo que só possa ser percebido pela pessoa ao investigar qual efeito produz em seu íntimo. Para se chegar a este nível de interpretação, não basta o desenvolvimento das formas lógicas do enunciado (coração = órgão

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Minha tradução de: “(…) is constructed on the basis of contextual information, and in particular by developing assumption schemas retrieved from encyclopaedic memory”.

humano). As entradas enciclopédicas desempenham aqui um papel crucial para se chegar à inferência supostamente pretendida pelo falante. Precisaríamos ter em nosso ambiente cognitivo a informação de que “coração” denota o íntimo da pessoa humana. Esta informação, implicitamente comunicada pelo enunciado acima, constitui-se numa implicatura35.

O ouvinte possui a sua disposição uma ampla gama de possibilidades ao recobrar as explicaturas e implicaturas de um enunciado. Para se chegar às explicaturas e implicaturas pretendidas pelo falante, a TR argumenta que não basta considerar apenas os efeitos cognitivos, mas também o esforço processual requerido. A interpretação mais plausível a que o ouvinte primeiro chegar será a mais consistente com o princípio de relevância, afastando com isso todas as outras interpretações, a princípio menos plausíveis.

Segundo Sperber & Wilson (1995), as implicaturas e explicaturas veiculadas por um enunciado podem variar no grau de sua força (p. 199), ou seja, uma proposição pode ser implicada de forma mais forte ou menos forte. Se sua recuperação for essencial para atingir uma interpretação capaz de satisfazer as expectativas de relevância do destinatário, dizemos que se trata de uma implicatura/explicatura forte. O “destinatário é fortemente encorajado, mas não realmente forçado”36 a chegar a esta interpretação (id.). Ao contrário, quanto mais aumenta a gama de possibilidades interpretativas que o destinatário pode escolher, mais fracamente implicada é a proposição. Sua recuperação “ajuda na construção de certa interpretação, mas não é, em si, essencial, porque o enunciado sugere uma escala de implicaturas similares possíveis” (WILSON & SPERBER, 2005:244). Usos vagos e metafóricos comunicam um conjunto de implicaturas/explicaturas fracas, por exemplo. “Quanto mais fracas as implicaturas, menos confiança o ouvinte poderá ter no fato de que as premissas ou conclusões particulares que ele supre, refletirão os pensamentos do falante, e é aqui que reside a indeterminação”37 (SPERBER & WILSON, 1995:200).

No que tange às explicaturas e implicaturas, vale ressaltar, de antemão, os trabalhos de Carston (1991, 2002, entre outros), quando diz que se deve ter aqui o

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Não devemos confundir a implicatura como um conceito-chave da TR com a implicatura griceana. Grice não introduz o termo explicatura; para ele, a implicatura decodificada é chamada de implicatura convencional e a implicatura inferida, de implicatura conversacional. Na abordagem neste trabalho, não serão considerados os conceitos de Grice.

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Minha tradução de: “the hearer is strongly encouraged but not actually forced”.

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Minha tradução de: “the weaker the implicatures, the less confidence the hearer can have that the particular premises or conclusions he supplies will reflect the speaker’s thoughts, and this is where the indeterminacy lies”.

cuidado de se separar a explicatura da implicatura, a fim de que não se sobreponham e criem redundância nas informações veiculadas. Na seção 1.4. deste capítulo, serão expostas em detalhes as exposições de Carston a respeito.