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CAPÍTULO II – METODOLOGIA

2.1. Escolha do corpus

2.1.5. Os diferentes estratos da língua hebraica

Vale aqui salientar o fato de que o hebraico, língua em que está compilada a Mishná e parte da Guemará, e enquanto língua escrita responsável por sua continuidade histórica, apesar de modificações ocorridas, manteve praticamente inalterada sua essência morfológica e fonológica e, inclusive, sua estrutura sintática. Contudo, não se pode negar a existência de vários estratos da língua através dos tempos. Uma divisão em estratos baseada em critérios linguísticos e históricos pode assim ser feita: a) hebraico bíblico; b) hebraico mishnaico ou rabínico; c) hebraico medieval; e d) hebraico moderno (cf. LANGER, 2004:125). Dicionários especializados como, p.ex., o dicionário de Even-Shoshan (2004), apontam as alterações ocorridas no conteúdo semântico das palavras e locuções. Segundo Langer (id., p. 127-128), o vocabulário do hebraico é aumentado em cada período, “seja por novas derivações, dentre as quais a derivação nominal e verbal segundo o princípio ‘da raiz e do paradigma’, seja por meio da absorção de palavras de diferentes fontes estrangeiras, porém jamais abandonando sua herança”. Esta herança se constitui no princípio da raiz e do paradigma citado acima. O hebraico possui uma rigidez formal e estrutural que lhe dá unidade. O vocabulário é ampliado, inserindo-se raízes já existentes na língua em paradigmas formais próprios da estrutura do hebraico, a fim de criar novos significados. O movimento dos conteúdos semânticos, conforme assinala Langer, “é a base sobre a qual nos é dado perseguir os meios de concatenação do hebraico, sua aposição, época após época e ainda descrever- lhe a história” (id., p. 129).

Sem pretensão alguma de fornecer um panorama detalhado e um estudo histórico aprofundado das diversas camadas do hebraico, se faz necessária aqui uma breve explanação sobre cada estrato, incluindo-se os fatos que deram origem a estas diferenças.

2.1.5.1. O hebraico bíblico

O hebraico bíblico, longe de ser uniforme, pode também ser dividido em três períodos. O hebraico presente na poesia bíblica pode ser chamado de hebraico bíblico antigo, enquanto o hebraico da prosa bíblica é testemunha de um estágio intermediário da língua na Antiguidade. O último período do hebraico bíblico pode ser denominado tardio e apresenta já influência da língua aramaica, a língua falada pelos judeus em substituição ao hebraico (cf. JOHNSON, 1995:571). O exílio babilônico, por volta de 586 a.e.c., com a destruição do Primeiro Templo97 por Nabucodonozor98, trouxe a língua aramaica como língua corrente entre os judeus.

2.1.5.2. O hebraico rabínico ou mishnaico

Esta é a língua transmitida pela Mishná, compilada por volta do ano 200 e.c., por outras obras interpretativas e pelo hebraico do Talmud. A influência do aramaico durante o período do exílio, as transformações naturais, pelas quais uma língua em uso passa, e a variedade de dialetos contribuíram para modificar o hebraico bíblico. Mas o hebraico rabínico, assim como o bíblico, não é uniforme, existindo partes mais arcaicas (final do período do Primeiro Templo), com maior semelhança com a linguagem bíblica do que partes mais tardias. Através do contato com o aramaico, “a língua dos sábios absorveu fundamentos da gramática e do vocabulário do aramaico. Também o grego e o latim deixaram marcas no hebraico rabínico, mas apenas quanto ao vocabulário” (LANGER, 2004:134). Por volta de finais do séc. II, o hebraico rabínico deixou de ser falado, sobrevivendo na literatura juntamente com o aramaico.

2.1.5.3. O hebraico medieval

Este não teve a mesma vitalidade que as duas modalidades anteriores. A transição do hebraico rabínico para o medieval se deu durante os séculos VI e VII, com os poetas litúrgicos na Palestina, empregando uma linguagem repleta de alusões bíblicas

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O Primeiro Templo se refere ao Templo de Jerusalém. É o nome dado ao principal centro de culto do povo de Israel, onde se realizavam as diversas ofertas e sacrifícios. Situava-se no Monte Moriá, também chamado Monte do Templo, ao Norte do Monte Sião. De acordo com a tradição judaico-cristã, o Primeiro Templo teve sua construção iniciada no quarto ano do reinado de Salomão (cerca de 970-930 a.e.c.) e concluída sete anos depois (cf. JOSEFO, 2004:382-387).

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Nabucodonosor II (632 a.e.c.- 562 a.e.c) governou durante 43 anos o império neobabilônico, entre 604 a.e.c. a 562 a.e.c. Ficou famoso pela conquista do Reino de Judá e pela destruição de Jerusalém e seu Templo em 587 a.e.c., além de suas monumentais construções na cidade da Babilônia: entre elas, os Jardins Suspensos da Babilônia, que ficaram conhecidos como uma das sete maravilhas do mundo antigo.

e de neologismos. Neste mesmo tempo, temos a redação do Midrash99 e o início da atividade dos massoretas. No entanto, há que se ressaltar que esta “revitalização” se deu tão-somente na literatura (cf. LANGER, 2004). Fator que contribuiu para esse “ressurgimento linguístico” foi o interesse pelos estudos filológicos do hebraico, surgindo estudos filológicos, filosóficos, médicos etc. em hebraico.

2.1.5.4. O hebraico moderno

O período de transição do hebraico medieval para o moderno foi lento. O hebraico continuava a ser usado como língua literária e, a partir do séc. XVIII, começaram a surgir jornais e revistas com contribuições em língua hebraica. No entanto, o verdadeiro projeto de transformar o hebraico novamente em língua viva surgiu com a instalação de Eliezer ben Yehuda (1858-1922) e sua família na Palestina em 1881. Com sua mulher só falava hebraico em casa e o primeiro filho do casal foi “a primeira criança a falar hebraico desde a Antigüidade” (JOHNSON, 1995:571). Após 1948, com a criação do Estado de Israel, “o hebraico consolidou-se como a língua principal do país e passou a desenvolver as próprias características com uma vitalidade incrível” (LANGER, 2004:137). Hoje, a Academia da Língua Hebraica, fundada em 1953, é responsável pela criação de novas palavras e pela manutenção do hebraico.