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CAPÍTULO I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.5. Explicitação e explicitude em tradução

1.5.2. Explicitação governada pela norma linguística e explicitação

importância para a pesquisa ora em andamento o trabalho de Englund-Dimitrova (2005). Em sua pesquisa empírica dentro do par linguístico sueco-russo, Englund- Dimitrova estuda aspectos cognitivos do desempenho da tarefa de tradução a partir da perspectiva de planejamento, produção textual e revisão, assim como a aplicação dessas categorias dentro da tarefa (cf. p. 229). Um dos fenômenos textuais estudados foi a explicitação.

Nesse aspecto, Englund-Dimitrova (2005) sugere uma distinção entre dois tipos de explicitação, que ocorrem devido a diferentes razões no processo tradutório: explicitações governadas pela norma linguística e explicitações estratégicas (cf. p. 236). Segundo Englund-Dimitrova, “em textos traduzidos (...), alguns tipos de explicitações ocorrem com tanta frequência e regularidade, sob um ponto de vista textual, que podem ser consideradas como governadas pela norma”88 (id.). Este tipo de explicitação seria determinado pelas restrições dos sistemas linguísticos em contraste, sendo, em geral, um processo que não apresenta grandes problemas para o tradutor; sua tomada de decisão em um ponto anterior do processo aparece como não-problemática.

Dimitrova parte dos conceitos de “norma inicial” e “normas operacionais” de Toury (1995). Em seu trabalho, Toury utiliza a seguinte definição de norma: “a tradução de valores e ideias gerais compartilhados por uma comunidade – sobre o que é certo ou errado, adequado ou inadequado – em instruções de realização apropriadas e aplicáveis a situações particulares”89 (p. 55). Toury vê diferentes tipos de normas que atuam em diferentes estágios do processo tradutório. Assim, a “norma inicial” vai se referir à escolha geral feita pelo tradutor: se vai se submeter às normas do TF ou se vai se guiar pelas normas do TA. O primeiro caso produziria uma tradução adequada, enquanto o segundo resultaria numa tradução aceitável (cf. p. 57). Por outro lado, as “normas operacionais” descrevem a apresentação e o material linguístico do TA. E dentre as normas operacionais, Toury cita as “normas linguístico-textuais” (cf. p. 58-59), as quais governam a seleção do material linguístico do TA: itens lexicais, expressões e características estilísticas.

88

Minha tradução de: “In translated texts (...), certain kinds of explicitations occur with such a frequency and regularity from a textual point of view that they can be claimed to be norm-governed”.

89

Minha tradução de: “translation of general values or ideas shared by a community – as to what is right or wrong, adequate or inadequate – into performance instructions appropriate for and applicable to particular situations”.

Um exemplo de explicitação governada pela norma linguística pode ser a aposição, no TA em português, de sinais gráficos de pontuação, como o ponto final. No hebraico talmúdico, o ponto final está implícito. O tradutor, guiado pelas normas do sistema linguístico português, pode marcar o final de uma frase com o ponto, o que caracterizaria um processo de explicitação governado pela norma.

Segundo Dimitrova (2005):

Se supusermos que a ocorrência de explicitação é governada pela norma, estaríamos primariamente interessados na norma inicial e em sua realização concreta em normas linguístico-textuais. Tanto a norma inicial quanto as normas operacionais podem ser deduzidas a partir de diferentes tipos de dados, tais como a observação de várias espécies de relações entre o TF e o TA. Suporíamos então que a explicitação é uma característica que não acompanha a norma inicial da adequação, uma vez que a explicitação envolve, em alguns aspectos, uma partida do padrão textual do TF, possivelmente, mas não necessariamente, em direção à conformidade com as normas do TA90 (p. 45).

Por outro lado, as explicitações de natureza estratégica ocorrem para solucionar um problema de tradução durante o processo (cf. p. 237). Para resolver o problema, o tradutor reformula uma solução provisória no TA, o que pode levar a diversos tipos de explicitação no processo. Do ponto de vista estrutural e textual, as explicitações de natureza estratégica podem ser consideradas de natureza ad hoc, sendo mais variadas do que as explicitações governadas pela norma (id.).

A explicitação estratégica advém para solucionar um determinado problema de tradução e é o resultado do processo de interpretação do tradutor. Mas, mais especificamente, pode ser vista como um processo interpretativo que consiste, normalmente, em reformular segmentos do TA na língua-alvo. Ou seja, quando o tradutor avalia uma solução provisória no TA como não satisfatória, ele procura, primeiramente, reformular esta solução dentro da própria língua do TA. Via de regra, ele não volta a trabalhar a porção correspondente do TF, para depois proceder a uma nova transferência para a língua-alvo. Os diferentes tipos de reformulação que podem ocorrer num determinado segmento do TA implicam, frequentemente, em diferentes

90

Minha tradução de: “If we assume that the occurrence of explicitation is norm-governed, we would primarily be interested in the initial norm and its concrete realization in textual-linguistic norms. Both the initial norm and operational norms can be deduced from different types of data, such as the observation of various kinds of relations between the ST and the TT. We would then assume that explicitation is a feature which is not concomitant with the initial norm of adequacy, since explicitation involves in some respects a departure from the textual pattern of the ST, possibly, but not necessarily, in the direction of conformity with the TL norms”.

tipos de explicitação. O uso de um sinônimo, p.ex., pode acarretar uma especificação de significado; a mudança de uma construção gramatical pode envolver a especificação de algo que está apenas implícito no TF. É como se a explicitação fosse uma forma de paráfrase, sendo a capacidade para tanto parte da competência linguística e semântica do tradutor.

Quando no TF talmúdico o tradutor se depara com a codificação onaah e, no TA, ele especifica um de seus sentidos (“ofensa, opressão, engano, injustiça”), ele o faz apoiando-se no contexto em que a palavra está inserida e visa a solucionar um problema naquela porção específica. É um processo de natureza estratégica.